sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Leituras

«Chegamos, enfim, ao patamar inevitável: toda a gente volta a falar de economia. Mesmo os que fizeram carreira pública vistosa e sonante a declarar que se cortasse, cortasse (...) - mesmo estes, começam a chegar ao essencial. Começam a ter conhecimento que uma economia ferida de morte é um quadro cruel e sem solução: não apenas para os perseguidos, os que vivem do trabalho, mas para todos. Podemos, enfim, substituir os culpados. E encontrar os culpados reais: a troika, o Governo, as medidas insensatas, carentes de um mínimo de sensatez. Os obcecados criaram o seu circo. E ele está a arder.»

José Reis, em «Por favor, deixem-nos respirar!»

«O senhor ministro das Finanças, na realidade que inventou para si, criou um deserto e insiste em chamar-lhe sucesso. Um governante que declara guerra à realidade, como é o seu caso, é um governante perigoso. (...) O senhor ministro das Finanças, no Orçamento de Estado para 2012 fez uma escolha: decidiu ir radicalmente para além da troika. Essa escolha falhou e o senhor ministro, preocupantemente, não tira daí qualquer consequência e ameaça repetir a dose. (...) Um governante tem o dever de aprender com o resultado das suas políticas. A cegueira e o fanatismo da sua receita (...) são preocupantes, senhor ministro. (...) Trata os portugueses como variáveis passíveis de ser ajustadas. (...) Mas mais preocupante (...) é o experimentalismo irresponsável e a selvajaria social que se prepara para fazer com a TSU. (...) Mas o mais grave, senhor ministro (...), é o absurdo de uma política que não vai resultar. O mais absurdo de um sacrifício não é ele existir, senhor ministro das Finanças. É ele não servir para rigorosamente nada, que é o que vai acontecer.»

João Galamba, na fulminante interpelação a Vítor Gaspar, ontem, na Assembleia da República.

«Não há nada mais perigoso do que um primeiro-ministro que não se importa com eleições e que aja em coerência, pois isso permite-lhe fazer tudo, à margem da sociedade, num plano que, seguramente, já contempla o descontentamento generalizado. E como se explica isso? Em primeiro lugar, perante um cenário de necessários ajustamentos de consumo (...), as perspectivas de ganhar um segundo mandato são escassas. Em segundo lugar, quem diz que dois mandatos são melhores do que um, sobretudo se a seguir vier uma tarefa mais bem remunerada e menos desgastante? Em terceiro lugar, se é para defender interesses privados, um mandato pode ser suficiente. A quarta e última razão é mais preocupante. Trata-se do facto de existir, na sociedade portuguesa, uma herança ditatorial que não só não está morta, como pode ser reavivada, embora em outros moldes.»

Pedro Lains, em «A reinvenção da ditadura»

2 comentários:

Dias disse...

Precioso texto sobre a “democracia” que vivemos, de P. Lains. Ou de como tanto poder concentrado numa única pessoa se pode tornar numa tormenta para tantos. A troco de muito mais que um prato de lentilhas (ou como servir-se da Res Publica).
Texto que num certo sentido faz agulha com a intervenção de J. Galamba. Um só homem, o experimentalista Gaspar, tomando-se por génio, quem sabe se a delirar com o Nobel da Economia, está a tornar-se num homem perigoso. Uma acutilante intervenção, na medida da agressão a que a esmagadora maioria tem vindo a ser sujeita, muito distante do tom monocórdico da maioria dos seus colegas de bancada.

José Guinote disse...

Os textos que aqui são trazidos não convergem senão na aparência. A posição clara do professor José Reis que acusa o Governo de ir “radicalmente para além da troika” é completada com a denúncia de que a própria política de austeridade é o núcleo estrutural do memorando de entendimento que comprometeu o Estado Português que, como nós sabemos, foi assinado pelo PS. Esse memorando, para a sua aplicação, tem implícito um ataque sem quartel ao factor trabalho e uma degradação do poder de compra das famílias como contrapartida do reforço do poder do sector financeiro e das classes socialmente favorecidas que não são chamadas a participar nos esforço austeritários. Visa vergar o poder dos sindicatos – uma questão central do projecto neoliberal – e daí as opções políticas contra os funcionários públicos e as opções relacionadas com os preços dos transportes que visam confinar as pessoas aos seus locais de residência, dispersos no território como nos mostra a área metropolitana de Lisboa.
Esta mesma clareza não pode reclamar João Galamba que, à semelhança do PS, coloca o alfa e o ómega de todos os problemas que estamos a sentir – não apenas agora, depois dos desgraçados anúncios dos últimos dias – no facto de o Governo ter decidido ir além da troika. “ (…) Senhor ministro das Finanças, no Orçamento de Estado para 2012 fez uma escolha: decidiu ir radicalmente para além da troika. (…) ”. Não foi apenas esta escolha errada que ditou os problemas que estamos a sentir. O programa da Troika conduz-nos inevitavelmente a esta situação e, independentemente da dose da austeridade, não permite que o país cresça nem obriga, antes pelo contrário, a uma justa repartição dos sacrifícios. A receita que o memorando de entendimento propôs e que o PS e o PSD/PP aceitaram não apresenta a seu benefício um único caso de sucesso. Talvez por isso Krugman na sua passagem por Lisboa, aquando do doutoramento honoris-causa, tenha referido o milagre que seria o programa obter resultados que não fossem aqueles que, infelizmente, se verificam desde sempre.

Quer Passos Coelho quer, sobretudo, Vítor Gaspar são, fanaticamente, neoliberais e acreditam, contra todas as evidências históricas, no neoliberalismo. Acreditam nisso e acham que esta oportunidade com que se depararam permitir-lhe-á mudar, radicalmente, a sociedade. Como? Construindo uma nova em que a austeridade e o controlo das contas públicas sejam instrumentais da promoção da desigualdade social. Instrumentais da erosão do poder dos sindicatos e do factor trabalho conduzindo a uma degradação dos salários dos trabalhadores. Instrumentais da transferência das funções do Estado para o mercado, isto é para as empresas dos seus amigos, protegidos da concorrência. O pecado de Passos Coelho não é estar errado. O pecado dele não é o perigoso altruísmo – “ (…) Não há nada mais perigoso do que um primeiro-ministro que não se importa com eleições e que aja em coerência, pois isso permite-lhe fazer tudo, à margem da sociedade (…) ”- de que Pedro Lains fala. O pecado dele é a sua convicção de que esta política nos conduz a um novo país que regredirá em termos dos direitos sociais - e até podemos e devemos falar em direitos humanos – a um período negro da nossa história, antes do 25 de Abril, e, por isso mesmo, estar disposto, sem hesitações, a percorrê-lo “doa a quem doer”, sabendo ele que vai doer aos mais fracos, aos mais desfavorecidos, aos trabalhadores, aos pequenos e médios empresários e à maioria de todos nós.