No último post aludi ao destino grego, a obra da austeridade europeia: 7% de quebra do PIB, taxa de desemprego superior a 16%, défice, a tal variável endógena, que não pára de aumentar, o mesmo naturalmente se passando com a dívida. Entretanto, mão amiga fez-me chegar um estudo de Nouriel Roubini pelo qual teria de pagar para ler, um economista próximo da linha FMI, mas que até tem tido surpreendentes formulações e que encara de frente um debate inadiável. Sublinho alguns dos principais pontos.
Em primeiro lugar, Roubini denuncia as engenharias financeiras que estão sendo preparadas para supostamente aliviar o fardo da dívida grega, mas que, na realidade, apenas protegem os credores privados, socializando, através das instituições europeias, as futuras perdas de uma reestruturação grega e transferindo a dívida pública grega do quadro legal nacional para o internacional, o que vulnerabiliza o Estado grego em futuras disputas. A dívida é tipicamente emitida na moeda com curso legal no país...
Em segundo lugar, e partindo de cálculos que apontam para a indispensabilidade de a Grécia ter um alívio do fardo da sua dívida da ordem dos 50%, Roubini defende que o Estado grego use a ameaça do incumprimento para forçar uma solução europeia decente que implique um alívio dessa ordem. No entanto, mesmo que isso seja alcançado, o problema económico grego não ficaria resolvido porque a sua inserção externa permaneceria intocada e disfuncional e a austeridade europeia não desapareceria. Esta é a hipótese crucial.
Aqui chegados, e em terceiro lugar, Roubini defende a saída do euro, como alternativa ao cenário de austeridade sem ajustamento cambial. Esse cenário europeu implicará uma década de intenso retrocesso económico e social, num cenário como o argentino até Dezembro de 2001. A partir daí, a Argentina abandonou a paridade fixa com o dólar, reestruturou a sua dívida, desvalorizou a sua moeda e começou a crescer rapidamente, mesmo tendo um peso das exportações inferior ao grego, conseguindo melhorias substanciais nas condições de vida.
Em quarto lugar, Roubini defende o óbvio: em caso de saída, todos os passivos e activos internos seriam denominados na nova moeda. As dívidas das pessoas, para compra da habitação, por exemplo, passariam para a nova moeda.
A desvalorização cambial teria repercussões negativas sobre o poder de compra dos salários ou das pensões, claro, mas este processo automático, digamos, parece preferível aos cortes nos salários que estão a ser promovidos pela troika, até porque é mais rápido e mais facilmente reversível. Uma nota de rodapé minha: em regime de capitalismo essencialmente descoordenado, o corte de salários só se consegue através da pressão do desemprego de massas duradouro, da desregulamentação acrescida das relações laborais, da destruição do que resta da negociação colectiva e do medo adicional na economia que também se consegue com o despedimento mais fácil e barato. Este é um processo deflacionário lento e com encadeamentos económicos perversos, sobretudo estando as famílias tão endividadas, que deixa um lastro duradouro na economia política de um país, alterando estruturalmente correlações de forças sociais. É o plano da troika para as periferias, já o sabemos.
E a dívida externa? Roubini, traçando um paralelismo com a Argentina, defende a sua renegociação. É evidente que para almofadar a transição, terão de ser instituídos controlos de capitais e o sistema financeiro terá de ser alvo de controlo político apertado. As dificuldades das finanças públicas seriam atenuadas pela recuperação da soberania monetária e pela articulação entre o “Tesouro” e o Banco Central, a capacidade de financiar monetariamente o Estado com conta, peso e medida.
De resto, e em último lugar, Roubini, acha que se os restantes países da Zona Euro e as instituições financeiras internacionais tiverem juízo, a saída grega será financeiramente suportada, ao contrário do que aconteceu na Argentina, a quem o FMI tirou o tapete, o que não impediu a recuperação, mas impôs alguns custos de transição adicionais.
Com o tempo a passar, a economia grega a colapsar e sem solução europeia à vista, já aqui tantas vezes defendida, este impossível cenário de saída, com muitos riscos políticos, que é o que a mim mais me preocupa, tornar-se-á inevitável.
sábado, 17 de setembro de 2011
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2 comentários:
João, esse cenário é o único cenário possível. Porque o cenário da federalização não é politicamente viável. Além disso, este é o cenário que evita uma perda de soberania. A situação actual é insustentável e só tenho pena que ainda haja muita gente com ilusões relativamente à permanência de Portugal na Zona Euro. Para mim o cenário de permanência na Zona Euro está completamente afastado. Portugal deve sair o quanto antes do Euro. Continuar no Euro é perder tempo. Não é no Euro que vamos resolver os nossos problemas de competitividade.
Caro João Rodrigues
Parabéns pela apresentação lúcida, corajosa e ponderada.
Na minha opinião o que devemos sobretudo começar a fazer - muito mais a sério e detalhadamente do que até agora, dado o peso das vendas mentais - é o levantamento minucioso das medidas a tomar no tal cenário da saída.
A opção Euro é, reconhecidamente, uma opção má do ponto de vista de nove decis da população portuguesa. Só talvez um decil ganhe verdadeiramente com ela, e o impacto do ponto de vista da produção vem aí. Não vão ser os 4 negativos em dois anos que nos venderam, não senhor. Na Grécia são 7 negativos só num ano e segue. Na base da "pirâmide", entretanto, o ambiente neo-bárbaro de "struggle for life" agudiza-se a cada dia que passa...
Isto mostra bem que as nossas elites europeístas não passam o teste rawlsiano de observância do "Maximin", nem o teste marxiano do "obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas". Em suma, devemos pô-las de lado.
Mas recordemos que ainda só estamos no começo, e que este vai, quanto a alguns aspectos, ser para quase toda a gente um "rude awakening"...
As questões centrais são, de acordo, distributivas. Quando for a própria "UE" a pôr-nos na rua, os "espertos" locais já vão, como quase sempre, estar vários furos à frente da esquerda em matéria de reflexão sobre o "que fazer". O exemplo que refere dos empréstimos para compra de casa é merecedor de destaque. Essa é uma fonte de inquietação que se ouve a toda a gente, em simples conversas de café, e tem de ser directamente tratada, dado que metade da população portuguesa é proprietária-hipotecada-escrava-da-dívida nessa matéria.
Lembro-me de num documentário sobre a crise argentina ter visto gente de "classe média" queixando-se quanto à volatilização das respectivas poupanças para a reforma...
Nós esse problema ainda não temos muito, thanks God, porque a segurança social continua fundamentalmente pública, apesar do pânicos propalados, através dos quais se pretendeu/pretende privatizá-la. Isso é o exemplo limite de um caso em que gente simples é tornada de algum modo cúmplice da "economia de casino", ou pelo menos levada a fazer essa ideia de si própria e proceder em conformidade.
O nosso maior análogo são, creio, os empréstimos para compra de casa. Mas talvez não só.
Em suma: e nós, pá?...
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