domingo, 4 de setembro de 2011
Uma combinação miraculosa de milagres
Temos um ministro das finanças que não acredita em milagres mas está à espera que eles aconteçam, como bem lembrou João Ferreira do Amaral no último Expresso da Meia-Noite.
1) De acordo com as previsões do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) 2011-2015 chegaríamos ao fim da intervenção da troika em 2013 com uma dívida pública não de 92,9% do PIB, como em 2010, mas de 106,8%. Mesmo assim prevê-se o regresso ao regime de financiamento nos mercados no final dessa intervenção a taxas sustentáveis. Prevê-se, portanto um milagre.
2) As taxas de variação do PIB previstas no DEO dependem de taxas de crescimento das exportações sempre superiores a 6%: um milagre no contexto recessivo europeu, cujo agravamento se tornou ainda mais claro depois dos estudos subjacentes ao DEO.
3) Apesar desta antecipação do crescimento das exportações, as importações sofreriam uma substancial redução em 2010 e 2011 e um crescimento muito moderado nos três anos seguintes. Dado o elevado conteúdo importado das exportações, uma redução tão acentuada, obtida à custa da quebra da procura interna nos dois primeiros anos, e um crescimento tão moderado, quando se prevê aumento de toda a procura, nos dois anos seguintes, só poderia acontecer por milagre.
4) A transição para o crescimento prevista para 2013 depende de uma inversão da variação súbita do investimento de -10,6% e -5,6% do PIB em 2011 e 2012 para +3% ao ano depois disso. Em que assenta esta expectativa de prazo alargado? Talvez num milagre.
Sairmos disto pela via da austeridade, só com uma combinação miraculosa de milagres.
O ministro das finanças não acredita em milagres, mas mantém-se sereno. Compreende-se a descontracção. Ele pensa, se é que o DOE reflecte o que ele pensa, que: “Os períodos de crise fazem parte da dinâmica económica e tipicamente dão lugar a transformações que são essenciais para novos progressos e avanços da economia” (DOE 1011-2015: p. 5).
Bendita crise, pensam aqueles a quem a crise dói pouco.
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2 comentários:
Caro José Maria
Afinal, a tal "destruição criadora" não o é lá muito; parece antes que se trata de simples "destruição destruidora"...
Mas uma coisa é certa: a repartição do rendimento vai ser ainda mais porreira pá para os mesmos de sempre; lá isso é difícil de disputar, reconheça-se.
Claro que essa repartição, ao tornar-se ainda mais desigual, causa lesão ao todo do ponto de vista da produção, e sobretudo aos mexilhões... o que torna as desigualdades mais difíceis de justificar filosoficamente por uma lógica de "maximin" (à la Rawls) e por isso em princípio mais propensas a sucumbirem, dado ficar óbvio que se tornaram um obstáculo ao "desenvolvimento das forças produtivas" (à la Marx).
Mas, por outro lado... quem diz que Marx ou Rawls interessem ao menino Jesus? Se existir uma maneira de a elite conseguir (à la Leo Strauss) mobilizar a fidelidade da maralha mantendo estas coisas em segredo, inventando desculpas, sucessivos fait-divers e manobras de diversão, dizendo depois que ocorreu algo de imprevisível e "caótico" (outro 9/11, por exemplo) que foi o verdadeiro obstáculo à tal retoma do investimento, que o problema da terapia foi não ter sido aplicada a 100 por cento (por causa das malditas eleições), etc., e se maralha acreditar em toda essa conversa... quem diz que eles não se vão ainda safar e "dar a volta por cima"? A destruição, para eles, até pode mesmo ser "criadora".
Por isso, tudo considerado, a coisa até talvez nem esteja mal pensada de todo...
Milagre, é mesmo o que nos pode salvar, ao ouvir João Ferreira do Amaral e ao ler este post só resta um caminho, ou se muda de rumo ou se cai no abismo.
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