A crise europeia intensifica-se, até porque as politicas de austeridade não foram abandonadas. A discussão sobre a reconfiguração europeia tem, por isso, de avançar sem deixar de incluir os cenários de “fim” da moeda única para os quais temos de estar preparados, na linha do que Lapavitsas, Pires e Teles defenderam no ano passado, como alternativa ao fracasso da outra solução consistente e até certo ponto preferível – a federalização democrática da Europa:
“A segunda alternativa para os países periféricos é o abandono da zona euro, que resultaria na desvalorização das moedas nacionais, reestruturação da dívida denominada em moeda estrangeira e imposição de controlos de capitais. Para proteger a economia, a banca teria de ser nacionalizada e o controlo público alargado aos sectores estratégicos.”
Dou três exemplos de argumentos que não servem para fechar este debate necessário. Em primeiro lugar, não serve assustar as pessoas com a questão do aumento da sua dívida denominada em euros, já que esta teria de passar para a nova moeda em caso de abandono do euro. Em segundo lugar, não serve usar a Argentina para antecipar o desastroso futuro português. Como o Alexandre Abreu já aqui indicou, se alguma lição a Argentina nos dá, e temos de ter todos os cuidados com transposições apressadas, é a das virtudes da desvalorização cambial, parte de uma política de reconstrução progressista depois da catástrofe neoliberal causada em parte pela rigidez da ancoragem ao dólar. Finalmente, não serve assinalar-se a quebra de poder de compra dos salários, que resultaria da necessária desvalorização cambial, esquecendo que o processo em curso de deflação salarial, em que se apostou num contexto de uma moeda única sem mecanismos de correcção dos desequilíbrios nas balanças correntes dos Estados que a compõem, será bem mais lento e socioeconomicamente violento porque, entre outras coisas, exige mudanças iníquas e de díficil reversão, por exemplo, nas regras laborais e na desmontagem do Estado social. Haverá algo pior do que ficar num euro essencialmente por reformar, com austeridade, neoliberalização e crise permanentes, partindo da hipótese heróica de que tal arranjo pode aguentar-se a prazo?
Para que o debate avance entre nós, recomenda-se a leitura e tradução desta compilação de textos, alguns deles já referidos neste blogue, onde vários economistas de esquerda debatem abertamente as virtudes e os defeitos dos vários cenários e o estudo de Jacques Sapir, o mais completo que li até agora sobre como organizar uma saída do euro capaz de favorecer a reconstrução de uma economia viável, ou não estivéssemos na presença de um dos mais interessantes economistas franceses, num país onde o debate é intenso, como a intervenção do economista Jacques Nikonoff também ilustra. Um governo com consciência dos interesses da maioria, com vontade e capacidade de negociar e de superar este capitalismo de pilhagem, terá também de estar preparado para a eventual saída do euro, quer como consequência de uma outra postura negocial, que terá de envolver essa ameaça credível, quer como consequência do desmembramento, que se seguirá à incapacidade europeia em intervir conscientemente na acção inconsciente das forças de mercado. Esta atitude e preparação podem, paradoxalmente, fazer maravilhas por uma construção europeia pela qual só vale a pena lutar se se superarem os dogmas que minam as economias desde Maastricht e que já foram assinalados, entre outros, por João Ferreira do Amaral.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
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6 comentários:
Carissimo,
Fiz link.
Obrigado.
Abraço.
«não serve assustar as pessoas com a questão do aumento da sua dívida denominada em euros, já que esta teria de passar para a nova moeda em caso de abandono do euro.»
Mas porque raio é que deveria passar, se foi contraída em euros?
Acho que há aqui muita confusão com o que se passou no processo inverso da passagem do escudo para o euro. A dívida denominada em escudos foi convertida em euros, é verdade. Aparentemente o mesmo (ou seja, o inverso) sucederia agora com a passagem do euro para a nova moeda (um novo escudo?).
Só que há uma pequenina diferença, que o João Rodrigues parece esquecer. Quando se adoptou o euro o escudo desapareceu, extinguiu-se, pelo que a dívida teria que ser convertida. Mas não é por Portugal abandonar o euro que esta moeda desaparece.
A dívida denominada em euros continuará denominada em euros, tal como a dívida denominada em qualquer outra divisa, em dólares por exemplo, continuará denominada em dólares.
A saída do euro pode ser inevitável e, mais do que isso, talvez até desejável. Mas não é com esta ligeireza de análises que vamos lá...
Gostei especialmente do texto de Jacques Sapir que julgo que devia ser lido com muita atenção por todos os que propõem a saída do euro. Permitindo-me chamar a atenção para alguns aspectos que considero particularmente importantes: i) trata-se de um processo só passível de ser executado em "ditadura" (no documento refere-se uma "suspensão da democracia" entre 285 e 315); ii) o plano prevê um regime "estrito" de controlos de capitais que além de absolutamente contrário às regras comunitárias seria "de facto" muito dificil de implementar de forma eficaz; iii) as consequências externas /diplomáticas seriam potencialmente catastróficas (já se iniciaram muitas guerras por muito menos); iv) o documento é estranhamente omisso relativamente às consequências sobre o sistema financeiro /balanços das famílias e emnpresas o qual será potencialmente muito superior ao da dívida pública detida por não-residentes; v) o documento reconhece que a sáida só é possível para um país que seja capaz de se financiar sem recurso aos mercados financeiros exteriores (o que não é certamente o caso de POrtugal actualmente).
Para os funcionários seria bom em 2015 eram aumentados para 3500$ (novos escudos) em Setembro para 5000$
em Outubro e no Ano Novo só comiam filhoses porque os 500 000$ já só davam prá farinha e oilo
felizmente em 2016 eram aumentados 1000%
infelizmente a inflação já estava nos 5000%
e já não tinham banheiras como em 75 para encher de gasolina
agora só há polivan's
Ou saimos todos prá construção civil na Rússia?
E exportamos escudos para importar frangos e peças de autumóvile
acho que não vão nisso
só se forem écu's d'ouro e prata
O que eu me rio com os comentários birrentos de alguma gente. Em tempos deprimia-me deparar com a incapacidade argumentativa dos portugueses em geral, era e é um triste augúrio para o nosso futuro e um reflexo amargo de séculos da cultura de alegre e refractária ignorância.
Agora chega a divertir-me a ridicularia. Faz lembrar algum humor espanhol, inclusivé Cervantes, que tão bem retrata a balofa felicidade de Sancho Pança e a sua ignorante sapiência. É a consequência da resignação. Este povo não dá para mais, talvez seja mesmo genético...
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