Os impactos da austeridade já se fazem sentir no sistema educativo, com uma procura acrescida de escolas públicas por parte de alunos que frequentavam, até aqui, colégios privados. Como assinala a jornalista Andrea Cunha Freitas, em artigo do Público, «os encarregados de educação procuraram sobretudo as escolas públicas em lugares cimeiros do ranking publicado todos os anos pelo Ministério da Educação».
As dificuldades das escolas (particularmente das «melhores escolas» de cidades como Lisboa, Porto e Coimbra) em acolher o aumento anómalo do número de pedidos de matrícula - encaminhando muitos deles para as «segundas escolhas» - é reveladora de alguns aspectos que vale a pena assinalar.
Por um lado, a negligência persistente do Ministério da Educação para com o cumprimento efectivo da letra da lei, isto é, do despacho que determina os critérios de matrícula segundo a área de influência de cada escola, permitindo que os pais accionem expedientes diversos para a contornar. O «esquema» mais frequente é a designação, como encarregado de educação, de um residente na área do estabelecimneto de ensino pretendido (tendo sido já registadas situações em que a mesma pessoa era encarregada de educação de cinco alunos da mesma escola, sem qualquer relação de parentesco entre eles).
Por outro, esta situação vem mostrar como são irrealistas as teorias tendentes à implementação do princípio da liberdade de escolha do estabelecimento de ensino pelos alunos e suas famílias, ao confrontar o idealismo dessas propostas com a capacidade naturalmente limitada das escolas para acolher todos os que as pretendem frequentar. Com a agravante (essa sim, bem realista), de os pais com maior capacidade de influência ou de mobilização de «recursos relacionais» conseguirem vencer a competição pela disputa das vagas existentes nas escolas mais procuradas.
Por último, esta tendência de abandono do ensino privado, em resultado da degradação da situação financeira das famílias, carece ainda de confirmação estatística. Contudo, a verificar-se (como tudo indica), suscitará muito provavelmente o recrudescer da pressão parasitária das escolas privadas junto do governo, tendo em vista a implementação do famigerado «cheque-ensino».
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
Nuno Serra:
Na mouche.
Você devia passar este Post ao casmurro Henrique Monteiro, antigo director do «Expresso», e ao safado José Manuel Fernandes, antigo director do «Público», com os quais discuti muito por e-mail a partir de artigos seus sobre a famigerada liberdade de escolha e o não menos famigerado cheque-ensino.
Às tantas canse-me, tal eram a casmurrice e a safadeza.
Só a realidade os poderá convencer do contrário do que pensam, e os efeitos perversos já se começam a fazer sentir, como muito bem assinala.
Correcção: «Às tantas cansei-me...»
Caro Manuel,
Junte a essa «dupla», que muito bem identifica, a Helena Matos.
Se reparar, estes defensores do «cheque-ensino» nunca vão além da defesa da ideia nos seus contornos mais teóricos (potenciando assim a sedução aparente que a mesma encerra). Por mais que os instemos, como fez, a descer à sua concretização e ao confronto com as contradições que imediatamente emergem.
Caro Nuno:
Essa quase não conta, não passa de um ventríloquo acoplado a uma vela de moinho, articula o discurso que o vento lhe traz, de acordo com a direcção que este tiver em cada momento. Só é perigosa porque tem acesso aos «media».
Há outros, como é evidente, o Papa Adão da Fonseca, o próprio Crato antes de ser ministro (agora não sei, o princípio da realidade é muito forte), o Papa «neocon» J. C. Espada, etc. etc.
É o ar dos tempos.
Interessante esta consequência da austeridade...também estou à espera de ver o trabalho infantil aumentar. Já há números?
Enviar um comentário