«Enquanto as "esquerdas da esquerda" não conseguirem distinguir entre a natural oposição às concretas políticas europeias - resultado do actual predomínio da direita no Parlamento Europeu e na Comissão, bem como nos órgãos intergovernamentais (Conselho de Ministros e Conselho Europeu) - e a necessária convergência nas opções "constitucionais" ditadas pela busca de uma maior integração europeia - como sucede quando estão em causa os tratados -, não se pode esperar nenhuma cumplicidade entre "europeus" e "antieuropeus" a nível de soluções governativas domésticas.» Mais uma vez, Vital Moreira (no Público de hoje) prefere os anátemas e os chavões a uma discussão clara e racional sobre o que está em jogo.
Tenho sérias dúvidas se Vital Moreira é mais 'europeísta' do que qualquer uma das pessoas que escreve neste blog. Num quadro de globalização neoliberal, o processo de integração europeia representa uma esperança para todos aqueles que acreditam na necessidade e na possibilidade de construir um espaço político em que seja a democracia a controlar o mercado e não o inverso, sem cair numa autarcia indesejável e inviável. Mas esta esperança há muito que tem vindo a ser defraudada. A cada novo Tratado, a UE tem vindo a reforçar o poder dos mercados sobre as sociedades europeias. Fá-lo quando retira os principais instrumentos de política económica ao Estados, sem os substituir por instrumentos ao nível europeu que permitam gerir devidamente os ciclos económicos - favorecendo períodos prolongados de crise económica e de desemprego. Fá-lo ao impôr espartilhos tecnicamente injustificáveis às políticas orçamentais nacionais, o que em contextos de crise económica prolongada conduz inevitavelmente ao paulatino desmembramento dos serviços públicos e dos principais elementos do Estados Social. Fá-lo ao praticamente inviabilizar (impondo o princípio da unanimidade nas decisões) quaisquer avanços que permitam criar critérios sociais, laborais e fiscais mínimos à escala do continente. Ao fazê-lo, e dada escassez de instrumentos de política económica atrás referida, convida (implicita e expliciamente) os Estados Membros a basearem as suas políticas de competitividade em tudo o que reduza custos para as empresas - flexibilização e precarização no mercado de trabalho, concorrência na fiscalidade sobre os lucros, etc. Finalmente, fá-lo ao criar obstáculos dificilmente transponíveis a qualquer alteração democrática deste quadro institucional (nomeadamente, dando o poder de veto a qualquer país) .
Em suma, a deriva liberal da UE não resulta «do actual predomínio da direita no Parlamento Europeu e na Comissão» - como escreve Vital Moreira - está antes gravada no seu quadro institucional. Podendo teoricamente constituir-se como um espaço de progresso, liberdade e democracia, a União Europeia é hoje um dos principais motores da destruição do Estado Social na Europa, não havendo nenhum sinal significativo de que isto possa vir a ser revertido num futuro próximo.
Ser europeísta de esquerda hoje não passa apenas por defender a integração europeia como espaço privilegiado de exercício de democracia. Passa também pela necessidade de reconhecer que os Tratados da UE (em vigor ou à espera de o estar) não só não respondem às expectativas de uma esquerda europeísta, como se arriscam a ficar para a história como os carrascos da Europa das conquistas sociais.
Poderemos ter alguma esperança que um dia Vital Moreira discutirá estes assuntos sem recorrer às frases feitas do costume?
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2 comentários:
Vital Moreira padece de um esvaziamento ideológico profundo, acompanhado por uma defesa incondicional da ideologia de socialismo 3ª via...
Parece contraditório mas não é, por um lado está a abandonar a argumentação lógica, factual e racional que suporta qualquer ideologia coerente (o vazio ideológico), por outro está um defensor incondicional dos protagonistas e das suas ideologias de 3ª via.
Há algumas personalidades políticas ligadas ao PS que a meu ver estão mortas politicamente, porque abandonaram o campo da política e abraçaram o fanatismo, entre esses "jazem vivos" Vital Moreira, Maria Lurdes e Augusto Santos Silva.
Podia também falar de José Lello ou Jorge Coelho, mas esses nunca chegaram a "nascer" para poder "morrer" politicamente.
Lanço aqui uma ideia e um desafio:
Para quando um movimento de cidadãos/partido politico com uma agenda claramente e exclusivamente de esquerda europeista que concorra às eleições europeias?
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