Opor Mercado e Estado (ou laissez-faire e planeamento central) como princípios antagónicos de ordem social é um hábito intelectual muito difundido. Para o contrair é preciso pouco: algum convívio com insípidos manuais de microeconomia ou, paradoxalmente, com velhos manuais de marxismo-lenismo. Mas para o mudar já é preciso algum esforço.
Podemos não questionar este hábito por julgar que ele nos confere algumas vantagens. Por exemplo: (1) permite-nos em debates classificar de forma expedita o oponente – defende que o Estado deve intervir, logo, é um inimigo do mercado; manifesta apreço por certas formas de relação mercantil, logo, é um (neo)liberal; (2) facilita o estabelecimento de um meio-termo – «economia social de mercado» ou «mercados regulados», por exemplo – onde supostamente se situariam a virtude e o bom senso.
Mas, quem pensar que estas habilidades retóricas contribuem pouco para a qualidade do debate, ou quem passou por experiências dissonantes, estará motivado para o esforço que a mudança de hábito requer. Sabendo que não é fácil, tentarei a persuasão.
Permitam-me que, para ir depressa, ilustre a tal experiência motivadora da revisão do hábito com um caso pessoal. Não sendo um crente na mão-invisível encontro-me muitas vezes a apreciar certos mercados. É o caso do mercado municipal da minha terra. Não é tanto a qualidade dos produtos (os legumes são óptimos, mas o peixe, francamente…), o que me agrada é o contexto, anónimo, não intrusivo, e ao mesmo tempo afável, que aí se pode experimentar. A última coisa que eu desejaria é que os produtores familiares deixassem de ter um espaço em que podem comercializar livremente os seus produtos. Sei no entanto que não é preciso vir lá «o comunismo» para que isso aconteça. Basta que na minha terra continuem a abrir grandes superfícies.
Já das grandes superfícies fujo eu a sete pés (embora tenha de reconhecer que o peixe é muito melhor e possivelmente mais barato) porque as experimento como espaços vazios de vida (social) de qualquer espécie – um dos tais não-lugares de que falam alguns sociólogos.
Isto serve-me para sugerir uma primeira ideia: “o mercado” enquanto tal não existe, é uma abstracção; o que existe são mercados particulares, a que costumes e normas particulares conferem qualidades distintas. Este é o primeiro passo. Chegaremos ao destino – a oposição Mercado-Estado é fictícia – mas como isso exige algum esforço é preferível ir caminhando por etapas.
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5 comentários:
Estado conflitua com mercado se, quem dirige o Estado, por achar mal a existência de grandes ou pequenas superfícies, e desrespeitando as preferências dos demais cidadãos, as manda fechar ou simplesmente lhes faz a vida negra.
Havia alguém que dizia que um socialista tem mais uma qualidade que o liberal. Ambos sabem muito bem o que fazer com o seu próprio dinheiro, mas o socialista distingue-se por ter também uma ideia muito claro do que fazer com o dinheiro dos outros.
A oposição Mercado-Estado pode, realmente existir, depende do Estado. Sabemos que, como é óbvio, na ex-URSS não havia verdadeiro mercado (planos quinquenais e nao sei que...). Claro está que nas sociedades ocidentais de hoje, existe um mercado. No entanto, o Estado como o conhecemos inviabiliza o "mercado" preconizado pelas teorias liberais. Economia de mercado implica nenhuma intervenção, bastam os impostos para que nao tenhamos economia de mercado! Isto é um exemplo...
É evidente que a oposição Mercado-Estado é fictícia. Nenhuma economia real funciona sem intervenção do Estado e à margem dos mecanismos de mercado. No entanto as doses em que estes se combinam podem ser muito diferentes, e para falarmos do assunto pode dar jeito utilizar as expressões Mercado e Estado como se representassem uma oposição.
A Economia é toda ela construída à volta de oposições, como por exemplo, Fluxo-Stock. Se querem rir um pouco vejam uma das perguntas que saiu no exame de Economia do 12º ano baseada nesta oposição, em
http://netodays.blogspot.com/
"A última coisa que eu desejaria"
"Já das grandes superfícies fujo eu a sete pés"
Daqui a nada vai explicar como todos deviamos funcionar em função daquilo que são as suas preferências...
Deixa-me adicionar que, os mercados, aqueles que aprendemos a admirar, pelo que conseguem transformar numa sociedade, nao mercados impessoais altamente dependentes de mecanismos institucionais fornecidos pelo estado... nesta medida, os mercados, sao criacoes do estado...
Para quem se escandalize, soo tem que ler (em vez de simplesmente citar), Adam Smith...
Abracos
Joao Farinha
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