segunda-feira, 2 de junho de 2008

Convém relembrar a economia politica do cavaquismo

Cavaco Silva defendeu este fim-de-semana que o problema das desigualdades sociais «não vai ser resolvido a curto prazo» (Público). Cavaco sabe bem do que fala: quando foi primeiro-ministro as desigualdades aumentaram e muito. O detalhado estudo empírico do economista Carlos Farinha Rodrigues, publicado recentemente em livro com o título Distribuição do Rendimento, Desigualdade e Pobreza - Portugal nos anos noventa, confirma isso mesmo: «ao longo da primeira metade da década de noventa assistiu-se a um modelo de crescimento que beneficiou os indivíduos e as famílias de maiores rendimentos, penalizou os indivíduos dos escalões inferiores da distribuição, acentuou fortemente as desigualdades sociais e manteve os níveis de pobreza extremamente elevados; na segunda metade dos anos 90, como consequência da implementação de novas políticas sociais dirigidas aos sectores da população mais carenciados (como o Rendimento Mínimo Garantido), foi possível conter a tendência anterior mas não se conseguiu a sua inversão» (p. 307). A partir de 2000, com a austeridade assimétrica permanente, voltámos ao padrão do cavaquismo. Até quando?

8 comentários:

L. Rodrigues disse...

Uma coisa curiosa que reparei no debate sobre o assunto na blogosfera, é que os liberais intransigentes tendem a culpar o "socialismo" dos últimos 30 anos pela desigualdade. Mas no mesmo parágrafo apressam-se a dizer que a desigualdade é desejável e a igualdade horrível.
E não parecem dar-se conta das implicações de afirmar as duas coisas simultaneamente:
1, Do ponto de vista deles, isto devia ser um mérito do "socialismo", não uma "culpa".
2. o que tem havido não é de facto socialismo, mas sim outra coisa qualquer.
3. (tem que haver sempre 3 pontos não é?)... Os "liberais" demonstram uma tendência a ter o cérebro compartimentado.
Caracterista muito presente nos "Autoritários de Direita" de acordo com Bob Altemeyer. Mas deve ser coincidência, claro.

Pedro Viana disse...

A postura perante o conceito de igualdade é a chave da diferença entre Esquerda e Direita. Todas as variantes de Esquerda defendem a igualdade, umas mais do que outras, dando ênfase a diferentes vertentes, podendo ir ao extremo de defender a igualdade de resultados (i.e. independentemente do que cada um faça, todos devem ter numa sociedade o mesmo poder político-económico-social). Nada horroriza tanto a Direita. Todo o edifício ideológico da Direita assenta no conceito de que existem pessoas que merecem mais do que outras, e portanto devem ter mais poder político-económico-social. No limite, há variantes de Direita que defendem a superioridade à nascença, por via da "raça", sexo ou "religião/etnia". Esta atitude perante a igualdade explica porque à Direita, nomeadamente na Direita "Liberal" se convive tão mal com o conceito de Democracia política: esta permite a "pessoas que merecem menos condicionar as opções de pessoas que merecem mais". Nada divide tão claramente a Esquerda da Direita como a questão da Igualdade. A razão porque a Direita às vezes parece "confusa" sobre o assunto é porque sabe que numa Democracia é suicídio em termos argumentativos e políticos a defesa de que há pessoas que merecem (muito) mais do que outras. O artigo de opinião de Rui Ramos no Público de dia 28 de Maio é exemplo dessa "confusão", a que eu chamaria antes pura cobardia. Esta passagem ilustra bem o que quero dizer: "O Estado social e o liberalismo não são receitas técnicas para diminuir a desigualdade ou para aumentar a riqueza. Não existem essas receitas - se existissem, não haveria debate, porque todos escolheríamos imediatamente o que nos garantisse maior conforto e maior igualdade." Completa mentira. Rui Ramos mente ao dizer que apoiaria uma "receita" que garanta maior conforto e igualdade. Ele sabe muito bem que obviamente tal "receita" a existir implicaria a transferência obrigatória de substanciais recursos (ex. via impostos) dos que mais "merecem" para o que menos "merecem", o que é obviamente para ele um anátema ideológico. Basta ver o que ele diz no parágrafo anterior: "(...) cada um assuma as responsabilidades e enfrente as consequências das suas opções - embora possa haver instituições para impedir sofrimentos." Para ele apenas importará mitigar a pobreza absoluta, não a desigualdade.

L. Rodrigues disse...

E depois há a falácia de que a desigualdade é inócua desde que quem tem menos tenha o "suficiente".
Esquecem-se de que para a identidade do individuo é fulcral o seu lugar entre os outros.

E se esse lugar for debaixo de todos, e a distancia para os que estão acima parecer intransponível, essa pessoa vai ter imenso sofrimento (não mitigável, antes pelo contrário, com a caridade).

Anónimo disse...

Boa tarde!
Antes demais parabéns pelo site!
Convido-o agora a ver a agenda semanal d'A Mesa Redonda:

Segunda-Feira: Análise exaustiva à época do Benfica, bem como análise individual a cada um dos jogadores, bem como a sua permanência.

Terça-Feira: Análise à nova equipa técnica do Benfica e pequena visão sobre a nova época.

Quarta-Feira: Análise e comentário à decisão da Uefa sobre a participação ou não do FC Porto na Liga dos Campeões.

Quinta-Feira: Apresentação da cobertura do Euro 2008 pel'A Mesa Redonda.

Sexta-Feira: Fecho da sondagem sobre o onze inicial de Portugal, minha análise e comentários à mesma.

Visitem:

http://amesaredonda.blogspot.com/

E toda a actualidade desportiva também em:

http://aguia-de-ouro.blogspot.com/

Anónimo disse...

Existe outro grande factor de diferença entre a direita e a esquerda, que é o factor económico. Enquanto a direita procura, em primeiro lugar, fazer crescer a economia em deterimento do bem-estar social; a esquerda põem o bem-estar social acima do factor económico. Que - em termos de principio e objectivo - deveria ser, o bem-estar social, a principal preocupação de qualquer governo.

Estas políticas neo-liberais de direita, só vêm provar que o seu modelo é deveras inconsequente por não conseguir resolver as questões sociais, agravando-as. O que o torna também irresoluto.

É necessário que se ultrapasse o estigma civilizacional em relação ao poder do estado na vida de um povo. Ele deve servir quem o elege e sustem; e não servir-se a ele próprio ganhando poder através da influência de grupos económicos.

Esta ideia mediocre, já aqui citada, de "dar a esmola" até o povinho atingir o suficiente é uma ideia conservadora, feudalista e religiosa. Foi na idade média que se criaram a ideia de que com a caridade se poderia resolver o problema da pobreza. Ainda hoje em dia a direita espia os seus pecados dando esmola como acto de contrição. Como se qualquer lei divina os torna-se mais perto da salvação ... É com esta ideia, que hoje em dia, se tapa buracos em vez de criar uma sociedade solidária com um estado preocupado com o bem-estar social.

Só com um sorriso na cara podemos tirar este país do buraco em que estamos.

Pedro Sá disse...

Este post demonstra a enorme diferença que há entre nós.

E não é por causa dos méritos e deméritos da economia cavaquista.

É que dele se depreende que o João preferiria que não houvesse crescimento e diminuisse a desigualdade de rendimentos. Eu é evidente que a ter que escolher prefiro que exista crescimento e aumentem as desigualdades. Porque do crescimento todos beneficiam.

L. Rodrigues disse...

Pedro Sá,
tudo o que diz é questionável com argumentos empíricos.

O crescimento, em si, não tem significado nenhum. Se a população parasse de crescer, porque é que tinha tem que haver crescimento?
O imperativo do crescimento é o caminho para a exaustão de recursos.

O nível de desigualdade é mais determinante para o mal estar de uma sociedade (incluindo fisico) do que o nível de riqueza (a partir de certos mínimos, claro).
(como salienta "The impact of inequality" do epidemiologista Richard Wilkinson, um estudo empírico).

Anónimo disse...

"Eu é evidente que a ter que escolher prefiro que exista crescimento e aumentem as desigualdades. Porque do crescimento todos beneficiam."

Até entendo que estejas a tentar defender a tua posição. No entanto tens que ver que estás a entrar numa falácia.

Se todos beneficiam do crescimento, porque haveria mais desigualdades sociais ? Não faz sentido.

A única forma de haver progresso social baseado um progresso económico é através de uma justa distribuição de rendimentos, uma minimização de intermediários no circuito económico aliado ao controlo da especulação financeira. Quando conseguires atingir estes objectivos então a história é outra.

O grande problema da nossa sociedade é que ela assenta numa estrutura politico-económica corrupta que beneficia certos agentes económicos. Além disso, o poder político tem vindo a subverter o seu papel na sociedade despindo-se das suas responsabilidades e favorecendo o grande capital. Esta situação torna insustentável toda e qualquer lógica de direita no que toca a resolver os problemas sociais através de uma economia forte.

A minha questão é simples. Como vive a população de classe média e os pobres enquanto se "tenta" atingir um bom nível económico ? 5 anos ? 10 anos ? 20 anos ? Entretanto, o que comem, o que vestem e como pagam a casa ?

p.s.: Já agora, eu sou o autor do post sobre o factor económico.