domingo, 21 de outubro de 2007

O tratado que é toda uma agenda

Não percebo como é que à esquerda se pode saudar o acordo sobre o «Tratado de Lisboa» e ainda menos percebo como é que se pode defender que a sua ratificação prescinda de um referendo. A história já demonstrou que estes voluntarismos vanguardistas dão sempre maus resultados. Ainda se houvesse boas razões.

Infelizmente este excelente artigo de Pierre Khalfa mostra que este novo tratado mantém, no essencial, os arranjos em que tem assentado o desgraçado governo económico da Europa. Assim, «as razões de fundo para rejeitar o TCE permanecem para este tratado. Marcado de ponta a ponta pelo neoliberalismo, tanto nos princípios que promove como nas políticas que louva, este tratado situa-se no prolongamento dos de Maastricht e de Amesterdão. A União Europeia será um espaço privilegiado de promoção das políticas neoliberais». Princípio do mercado interno alargado a esferas crescentes da vida em sociedade, liberdade de circulação de capitais sem qualquer garantia de harmonização fiscal, estabilidade de preços elevada a princípio único da política económica a ser mantido por um dos bancos centrais mais anti-democráticos do mundo, reafirmação do moribundo e irracional pacto de estabilidade. E podíamos continuar. É verdade que existe a carta dos direitos fundamentais e que esta vai ser alardeada como uma grande conquista. Grande coisa. Um conjunto de declarações de intenção vagas e muito recuadas que não criam um «direito social europeu susceptível de reequilibrar o direito da concorrência, que continuará dominante à escala europeia».

Enfim, vai continuar tudo na mesma o que significa que o paradoxo europeu não vai cessar de se acentuar: uma União com condições para se dotar de instrumentos valiosos para regular a globalização neoliberal vai continuar a constituir-se, na realidade, como elemento da sua expansão.

1 comentário:

baldassare disse...

A Europa é que decide tudo, e os europeus não decidem nada.

Alguma vez estas leis todas saíam da cabecinha do Sócrates? Claro que não. As leis portuguesas são pura e simplesmente adaptações das directivas europeias.
É a UE que manda em Portugal.

Isso não me chocaria, se as instituições europeias funcionassem democraticamente. Quem é que elege os comissários?

As únicas eleições europeias são para o parlamento. O problema é que essas eleições são ignoradas e os partidos não fazem nada para mudar isso (nas últimas europeias a mensagem do PS era "mostrar um cartão amarelo ao governo"... a do PSD era "Força Portugal!"...).

Quem é que votou para entrarmos na UE? Quem é que votou para entrarmos na moeda única? Quem é que vai votar nesta nova constituição?

Uma europa unida é essencial. Nesse aspecto eu sou quase federalista. Mas a Europa tem de funcionar democraticamente, e não pode haver países beneficiados.

Não sei quem é que teve a brilhane ideia de abrir completamente as fronteiras económicas à China, que usa trabalho escravo... É suposto competirmos com escravos? O trabalho terá de se flexibilizar a esse ponto, para competirmos "globalmente"? Alguém votou para que essas leis fossem aprovadas?

Este tratado é limitativo politicamente. Como dizia o texto, é "Marcado de ponta a ponta pelo neoliberalismo". A partir do momento em que a Europa aponta um caminho como inevitável, e oficializa constitucionalmente esse caminho, torna-se totalitária. Porque tornar um caminho inevitável é isso mesmo: impossibilitar que seja evitado pelo voto dos cidadãos.

Ainda estamos a tempo de remediar. Rejeitar este tratado em referendo é só o primeiro passo.