2. Com a ânsia de regressar ao poder e sem um programa alternativo consistente, passível de ser sufragado em eleições (voltar à austeridade de Passos não resultaria e uma linha mais social-democrata perde na comparação com o PS), surge a tentação de abdicar de mínimos de salubridade democrática e envereda-se pelo oportunismo, sobretudo num contexto de fragmentação da direita, com os «novos» partidos (IL e Chega) a absorver uma parcela cada vez maior do eleitorado do PSD. Percebendo que sem vender a alma ao diabo não poderá, tão cedo, pensar em ser governo, Rio cedeu e mandou às malvas os princípios essenciais de um partido democrático.
3. Como se a opção em si não bastasse, pelo pesado significado que acarreta (muito para lá das concessões agora feitas à extrema-direita), as cedências concretas tornam tudo mais repugnante. Além do populismo antidemocrático da redução do número de deputados, Rio acordou com o Chega o corte dos apoios sociais nos Açores, dando assim cobertura à miserável converseta dos «malandros que não querem trabalhar» (que não sendo nova, como bem lembra aqui o João Ramos de Almeida, era feita sobretudo pelo CDS-PP), na região do país com os mais elevados níveis de pobreza e desemprego. Um aprendiz dissimulado de extrema-direita não faria melhor.
4. Vale a pena olhar para os números. Cerca de 13% da população residente nos Açores em 2019 encontrava-se em privação material severa, com a região a destacar-se claramente das restantes (a mais próxima é o Algarve, com 8%) e bem acima da média do país (5,6%), que representa cerca de 1/3 do valor dos Açores. São quase 32 mil pessoas em pobreza severa, das quais apenas 67% recebem RSI. E não se diga que o problema é «não quererem trabalhar», numa região que detém a mais elevada taxa de desemprego (7,9%), cerca de 1,4 pontos percentuais acima do valor nacional.
5. Que fará o partido dito social-democrata quando a pobreza aumentar na Região Autónoma dos Açores, em resultado dos cortes a que se comprometeu com o Chega? Avança para uma nova versão da «política social da sopa», mais onerosa para o Estado que os apoios diretos às famílias e sem qualquer potencial de inclusão social, ao contrário do que sucede com o RSI? Que fará o PSD quando o Chega, que tem a faca e o queijo na mão a partir de agora, lhe fizer exigências adicionais para viabilizar orçamentos? Ou será que Rio acredita que o Chega é de confiança e não fará mais exigências a partir daqui? Quem é que ficou no bolso de quem, afinal? E a que preço?