segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Confusão

Na apresentação da proposta de Orçamento de Estado para 2021, coube a vez à ministra do Trabalho e segurança Social, Ana Mendes Godinho, defender hoje a sua pasta. 

O deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro fez uma intervenção política sobre a política de esquerda nas medidas previstas e, de certa forma, criticando a recente posição do Bloco de Esquerda, mas procurando voltar a dar a mão. 

E rematou com um pedido de esclarecimento para justificar a intervenção política que a ministra não soubera fazer até então: "Aprofunde estes compromissos nas matérias social e laboral, sobretudo para os trabalhadores, e de que forma estas marcas distintivas desta Orçamento nos posicionam claramente no espírito, no caminho e identidade do programa político que construímos em conjunto desde 2015".

Eis a resposta textual da ministra, de alguma forma pontuada - nem sempre era claro onde estavam as vírgulas. Pede-se alguma paciência: 

Senhor deputado, este é, de facto, um momento de alguma perplexidade. De alguma perplexidade, se já era expectável que do lado da direita houvesse uma oposição nomeadamente também aqui com alguma perplexidade quanto ao facto de dizerem que vamos longe demais e que é um orçamento despesista, mas depois vêm pedir que gastemos mais em vários públicos e não conseguem dizer... onde, qual dos públicos devemos optar; também neste momento há alguma perplexidade porque, depois de um trabalho intenso de muitas negociações e de muita evolução naquele que acreditamos que é um caminho de resposta ao país, num momento em que o país precisa de uma resposta, de uma resposta colectiva e de uma mobilização em conjunto da esquerda para respondermos ao momento que vivemos de uma forma diferente à forma como foi respondido numa outra crise e que todos nós creio que já aprendemos que não é a forma de responder a estas situações; no momento em que depois de evoluirmos, de negociarmos, de caminharmos em conjunto, procuramos aqui encontrar soluções seja ao nível de respostas de emergência, mas também de criação de uma nova forma de prestação social procurando chegar a um universo o mais abrangente possível nomeadamente também tendo em conta o momento que vivemos, também procurando chegar a quem mais precisa, e tendo em conta os rendimentos que têm, portanto que seja uma prestação do ponto de vista social também justa que responda a quem precisa, sendo uma prestação não contributiva; e por outro lado também procurando aqui chegar a um universo que respondesse aquelas que eram as preocupações dos partidos de esquerda, é de facto, penso ,num momento em que não se compreende que não estejamos todos juntos a conseguir a construir este Orçamento que responde ao país nesta fase que vivemos também com a preocupação de responder não só do ponto de vista orçamental mas também de uma agenda do mercado de trabalho contra a precariedade e da valorização do trabalho. E nesse sentido que trabalhámos e procurando encontrar aqui equilíbrios e dando uma resposta também aos trabalhadores e aos jovens que olham com expectativa para aquilo que Portugal lhes consegue oferecer em termos de futuro, seja quanto ao aumento do salário mínimo - e neste aspecto, aliás, demos logo um avanço em relação às bolsas do IEFP, aumentámos significativamente as bolsas de entrada do IEFP de entrada no mercado de trabalho, para que seja uma forma de valorizar quem entra no mercado de trabalho - seja também a moratória para as convenções colectivas, seja através de uma proposta de criação de instrumentos de dinamização da contratação colectiva  e da negociação colectiva, nomeadamente com a criação de instrumentos, de incentivos e condições de acesso a apoios e incentivos públicos como condição de majorações de... de... de... de uma contratação dinâmica, ou o alargamento da contratação colectiva a trabalhadores em outsourcing e a trabalhadores independentes ou ao combate ao recurso abusivo ao trabalho temporário quando não é manifestamente enquadrável legalmente. São estes alguns dos exemplos que procuramos caminhar também respondendo à expectativa que o país tem de conseguirmos andar em frente e construirmos, através deste orçamento, não só responder ao problema presente, mas construir um futuro que seja um futuro em que todos nós nos revemos que é um futuro de confiança, de responder também ao futuro. 

Sorriu e recostou-se na cadeira. 

Post Scriptum

Pode não ser nada de novo, mas neste caso assistir ao debate cria uma pilha de nervos. 

A ministra não pára de mexer em qualquer coisa - passa páginas, ajeita o microfone (várias vezes numa intervenção), passa a mão pelo cabelo - e as perguntas dos deputados não são respondidas: "Como é seu apanágio, respondeu, mas não àquilo que eu pretendia que respondesse (...) agradecia que respondesse de forma concisa e directa e sem rodeios (...) está aqui na proposta de lei, se calhar ainda não teve oportunidade de ler" (Ofélia Ramos, PSD), "Por favor, não volte a falar no programa 3 em linha" (Lina Lopes, PSD),"Sobre os sócios gerentes, a senhora ministra ainda não respondeu" (Isabel Pires, BE, na segunda ronda de perguntas), "Senhora ministra, eu vou ter de insistir" (Diana Ferreira, PCP), "Oh senhora ministra eu não pedi para desenvolver o tema do aumento das pensões mais baixas" (João Almeida, CDS), Inês Sousa Real, PAN, fala da precariedade e pergunta se está disponível para reduzir o período experimental e a ministra responde que concorda com ela, que juntos devemos caminhar contra a precariedade e que o Governo está disponível para alargar o subsídio de desemprego aos despedidos após o período experimental(!). 

Ou então as perguntas são embrulhadas em discursos como o retratado, as preocupações sobre a realidade são abordadas como meros tópicos de um intervenção política vazia de sentido e de pensamento, em que os temas são atamancados, confundidos, misturados, enrolados em listas de medidas que a ministra debita a ritmo a mata-cavalos, porque não sabe, não-sabe-que-não-sabe, e alguém acima de dele acha por bem deixar uma pasta tão sensível como a social e a laboral a pessoas com este grau de inconsciência, de incompetência técnica e política. 

Apenas é compreensível se esse alguém no Governo considera que os trabalhadores são, na verdade, a variável de ajustamento.  

5 comentários:

Anónimo disse...

A chantagem do PS ao BE acabou com o fantasma da "geringonça".
Esperemos que tenha morrido de vez.
A parolice repetida até ao vómito por toda a espécie de gente.
Talvez "motivado" pelo alarve da "feira de gado", o PS resolve inovar nas relações interpartidárias e começa a fazer de conta que as propostas do OE2021 respondem não ás exigências do BE, mas aquilo que o PS entende que elas deveriam ser.
Hilariante.
O chumbo era inevitável.
Se não emendar a mão, este pode ser o erro fatal de Costa.

JE disse...

Um comentário muito elucidativo este dum anónimo das 18 e 38. Embrulha as coisas, assim ao jeito do embrulho oferecido pela ministra

Seríamos tentados em, seguindo a trajectória do dito anónimo, afirmar que este mais não faz do que manifestar "a parolice repetida até ao vómito por toda a espécie de gente".

Mas não iremos por aí. Essa tentativa de misturar alhos com bugalhos é próprio do discurso neoliberal, já aqui tantas vezes denunciado.

Já a referência hilariante a um "chumbo" permite mais substância cósmica, perdão, cómica. Leva-nos a suspeitar que estamos perante um mago ( ou maga travestida) de adivinhador/prestidigitador.

E, sabendo exactamente porquê,lembrei-me daquele aldrabão que anda com o ministro holandês ao colo

Unknown disse...

«os trabalhadores são, na verdade, a variável de ajustamento.»

Seria verdadeiramente inovador e revolucionário fazer variar instalações e equipamentos e manter os trabalhadores.

João Ramos de Almeida disse...

Caro unknown,

Sinceramente, provocou-me uma gargalhada. Mas creio que ou fez humor - e ficamos por aqui - ou era um comentário sério (quero dizer, de cara séria) e merece uma resposta.

Quando digo "variável de ajustamento" refiro-me ao valor do trabalho e, nalguns casos, aos próprios trabalhadores (quando são despedidos). Isto é, primeiro trata-se de ajeitar os factores aos interesses daqueles actores - "as empresas é que criam emprego" - e depois ajusta-se os rendimentos e as condições laborais ao que for necessário para a equação - segundo essa teoria - ter resultado. Mas no meio a sociedade vai pelo cano, porque os trabalhadores não são apenas um factor de produção. E acaba por ter repercussões na própria vida das tais "empresas" porque condiciona um modelo de especialização e, depois, de desenvolvimento do país. E se calhar mudar de modelo até faria melhor às próprias "empresas". Mas quando se olha apenas em frente, é difícil ver a paisagem...

E neste cenário, a actual ministra é o casting perfeito. Não há diálogo possível: ela fará tudo o que lhe disserem que faça. E isso é um problema para quem tem uma pasta tutela a vida dos trabalhadores, estejam no activo ou reformados.

Anónimo disse...

Pobre unknown. Agora até as suas alfinetadas rancorosas são motivo para lhe darem lições. Em português ainda por cima.
Emprestem-lhe um dicionário para ele traduzir para neerlandês