Depois de um choque inflacionista que não foi provocado pela procura e pelos salários, mas sim pelos constrangimentos da oferta de matérias-primas, a evolução dos últimos meses não é surpreendente. A taxa de inflação tem diminuído sobretudo devido à redução das pressões sobre os preços de matérias-primas essenciais, com destaque para a energia. O que explica a descida da taxa de inflação é o mesmo tipo de fatores que esteve na origem da sua subida inicial: os constrangimentos do lado da oferta, desde a política “zero-covid” na China, que atrasou a reabertura de cadeias de produção de que muitos países dependiam, à invasão russa da Ucrânia, que fez disparar os preços dos bens energéticos nos mercados internacionais.
Esta evolução só baralha as contas de quem assentou a política monetária numa premissa errada: a de que a inflação se devia a excesso de procura agregada e que os bancos centrais deveriam combatê-lo com recurso ao único instrumento de que dispõem - as taxas de juro - de forma a reduzir o investimento e a comprimir a atividade económica e o emprego. Quando só se tem um martelo, todos os problemas parecem pregos.
Vale a pena recordar o que escreveu o economista Joseph Stiglitz no final do ano passado: “É claro que os banqueiros centrais vão dar palmadinhas nas costas. Mas eles tiveram pouco papel na recente desinflação. O aumento das taxas de juro não resolveu o problema que enfrentámos. A desinflação ocorreu apesar das ações dos bancos centrais e não por causa delas.” O insuspeito Paul Krugman, que, à semelhança de Stiglitz, foi premiado com o equivalente ao nobel da Economia, também reconheceu que a inflação foi provocada por constrangimentos da oferta, ao contrário do que a maioria dos economistas defendia, aconselhando "cuidado com os economistas que não admitem que estavam errados".
A verdade é que a evidência empírica divulgada ao longo dos últimos dois anos - incluindo pelo próprio BCE - sugere que o problema não esteve no lado da procura e dos salários. Nesse sentido, a preocupação que o banco central continua a manifestar face aos números do emprego não tem a ver com o risco de uma espiral inflacionista que nunca se materializou. É um reflexo do posicionamento político - e não técnico - que está na base da sua atuação.
2 comentários:
Duas pequenas notas adicionais ao seu excelente texto Vicente Ferreira:
1 - A toda uma montanha de provas empiricas aqui nos paises que aumentaram as taxas de juro indicando que nao foram a resposta adequada a este episodio inflacionista, acrescente-se o Japao, que constitui uma outra imensa montanha de prova empirica: Taxas de juro negativas durante todo este episodio (so muito recentemente subiram para essenciamente 0%), o que e que se observou por la? Um episodio inflacionista que seguiu uma trajectoria essencialmente igual ao nosso com uma amplitude bem menor.
2 - Vou alias mais longe.
O aumento das taxas de juro foram pior que inuteis a lidar com o episodio inflacionario. O aumento das taxas de juro agravou activamente o episodio.
Repito: o aumento das taxas de juro agravou o episodio inflacionario
Por um lado, o aumento das taxas de juro contribuiu ZERO para o aumentar ou desbloquear as constricoes de oferta (real causa primaria da inflacao), como e bem de se ver, as tacas de juro nao constrigiram a procura agregada (nao houve recessao, o desemprego nao disparou).
Por outro lado e perniciosamente, o aumento das taxas de juro aumentou temporariamente os custos com habitacao por diversos canais. Directamente no aumento das prestacoes bancarias a aquisicao de habitacao, por via indirecta no mercado arrendatario quando alguma da procura de casa propria foi transferida para o mercado arrendatario, e, cereja no topo do bolo, as taxas de juro aumentaram a rendibilidade de fundos de investimento imobiliarios (verdadeira razao de classe para que serem instituidas - um verdadeiro subsidio estatal para as instituicoes financeiras) esta rendibilidade acrescida gerou procura acrescida por oportunidades de investimento em imobiliario inflacionando precos.
Assim sendo, o aumento das taxas de juro acabou a ter um efeito liquido de a)amplificacao do episodio inflacionario e
b) atraso na resolucao do mesmo.
Concluo dizendo que ja houve erros grosseiros de politica economica piores que este no registo historico, mas poucos.
Suprema ironia. Um familiar meu teve de esperar mais de mês e meio por um cartão de débito novo, porque havia falta de plástico.
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