sábado, 5 de novembro de 2022

A inflação é sempre um entrave ao crescimento?


Em entrevista ao Público, Mário Centeno defende a opção do Banco Central Europeu de aumentar substancialmente as taxas de juro para combater a inflação. Centeno, que, enquanto governador do Banco de Portugal, participa nas reuniões do conselho de governadores do BCE, diz que "a inflação é uma perturbação significativa para o crescimento económico quando é superior a 2%" e que, por isso, "esse fenómeno inflacionista por si só, se não estiver controlado, gerará um comportamento negativo da economia e trará recessão".

É isso que nos diz a evidência empírica? O estudo "Inflação e crescimento: em busca de uma relação estável", publicado por dois economistas do Banco Mundial, contraria a ideia expressa por Centeno: embora a subida dos preços possa ter um efeito negativo no crescimento económico, isso só se verifica a partir de níveis bastante elevados de inflação. Os autores concluem que "não se encontra evidência de qualquer relação entre a inflação e o crescimento quando as taxas anuais de inflação são inferiores a 40%", valores bastante acima dos que se registam atualmente. Nos dados da inflação e da taxa de crescimento real do PIB per capita para o conjunto da OCDE, no gráfico ao lado, também não é observável uma relação clara.

O instrumento que os bancos centrais têm para controlar a inflação é a taxa de juro, que estimula e/ou restringe a procura. Se a inflação atual não resulta da procura, mas sim da oferta, esse instrumento não só é ineficaz, porque não atua sobre os problemas subjacentes à inflação, como é socialmente injusto, porque afeta a atividade económica e o emprego. Pode conter os preços, mas apenas à custa da compressão dos rendimentos. É o exemplo do tratamento que cura a doença matando o paciente.

Não há evidência que permita a Centeno defender a ideia de que os atuais níveis de inflação implicam um custo maior do que o de aumentar os juros e comprimir a procura e os rendimentos. Na verdade, níveis moderados de inflação estão associados a períodos de crescimento real e baixo desemprego. No atual contexto, uma política económica progressista deve ter duas prioridades: proteger o poder de compra da maioria das pessoas e mobilizar o investimento público necessário para combater os problemas da oferta de energia, de forma a reduzir as pressões inflacionistas.

2 comentários:

José M. Sousa disse...


Collateral Damage From Higher Interest Rates

https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/collateral-damage-from-higher-interest-rates

Vicente Ferreira disse...

Obrigado pela referência!