quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Repor a verdade sobre Passos Coelho


Há um discurso que o PSD faz que não é verdadeiro e que o PSD sabe que não é verdadeiro.

Ainda hoje o deputado Paulo Rios de Oliveira o fez na audição do ministro Pedro Nuno Santos no Parlamento. Há dias, foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa, de Luís Montenegro e de Carlos Moedas. O discurso é o de que "o PS trouxe a troika para Portugal e que o PSD livrou Portugal da troika". E que Passsos Coelho teve um papel crucial nessa época.

Esta afirmação tem por base um paradoxo: o de que foi preciso aplicar a austeridade para nos livrarmos da austeridade. A afirmação é equívoca porque lhe faltam duas partes que nunca são ditas. Primeiro: aplicou-se a austeridade, não porque era precisa, mas porque PSD e CDS acreditavam que a sua aplicação era necessária; segundo: a sua aplicação não era necessária, mas apenas instrumental para forçar uma desvalorização salarial (que foi conseguida) e para reduzir o papel do Estado na provisão dos direitos consagrados na Constituição e substituí-la pela provisão privada, beneficiando interesses privados (o que em parte está a ser conseguido).

Ao mesmo tempo, este malabarismo ideológico acarreta duas mistificações.

Primeira, a de que a entrada da troika em Portugal teve como origem uma má gestão dos dinheiros públicos porque lhe interessa repetir - agora a reboque da extrema-direita e a extrema-direita económica (IL) - que "mais Estado é pior Estado". Na verdade, a chamada "crise em Portugal" decorreu de uma crise internacional do sistema financeiro que rapidamente obrigou os Estados europeus a resolver a sua má gestão privada (ver aqui), que, depois - juntando-se aos desequilíbrios gerados por um coxo sistema monetário europeu - se transformou numa pressão sobre as dívidas públicas por parte dos mercados financeiros, deixados à solta pelo Banco Central Europeu, o que se traduziu numa insuportável subida das taxas de juros nos países mais frágeis da zona euro.

Segunda, o PSD e o seu então presidente Pedro Passos Coelho foram os agentes da recuperação da bancarrota que nos livrou da troika. Na verdade, PSD e Passos Coelho estiveram sintonizados com as queixas dos banqueiros nacionais - sempre defenderam a intervenção externa da troika e o seu programa. Como se verá, o próprio Memorando de Entendimento foi apropriado pelo PSD como sendo o seu programa. Passos Coelho e Eduardo Catroga declararam-no, Miguel Relvas repetiu-o, Carlos Moedas defendeu-o.

Para revisitar a História passada - que está a ser alterada pela direita - pode seguir aqui, na página no Observatório sobre Crises e Alternativas, alguma cronologia desses acontecimentos. Abaixo fica um resumo de 2010 e 2011.


Janeiro de 2010 - Pedro Passos Coelho candidata-se a presidente do PSD, contra Manuela Ferreira Leite.

O Governo Sócrates aprova, com o apoio da Comissão Europeia, uma agenda de investimento e de apoio público ao emprego. A CGD enterra no BPN cerca de 4,2 mil milhões de euros (muito mais do que a injecção na  TAP!).  E a troika aterra em Atenas. A situação grega contagia a posição de Portugal nos mercados. O Conselho de Ministros aprova o OE para 2010, sob o signo do rigor, confiança e estímulos à economia, com vista a "começar desde já um esforço de diminuição do défice, para que em 2013" para um valor abaixo dos 3% do PIB". É o início da política de austeridade. O ministro das Finanças Teixeira dos Santos critica as três principais agências de rating financeiro por porem em causa a proposta de OE para 2010. A Espanha anuncia um plano de austeridade de 50 mil milhões de euros, incluindo cortes nos gastos públicos de 4% do PIB.

fevereiro de 2010 - José Sócrates desmultiplica-se em entrevistas a jornais estrangeiros para que seja evitada a comparação entre Portugal e a Grécia. A comparação "é injusta, sem sentido e envia uma mensagem errada aos mercados internacionais" (Financial Times). O ministro grego das Finanças, George Papaconstantinou, compara Portugal à Grécia, numa conferência em Atenas: "Para além da Grécia, há outros países, como a Espanha e Portugal" e que "a questão grega, apesar das suas particularidades, é uma questão de toda a Zona Euro". Teixeira dos Santos - como Fernando Medina presentemente - volta a afirmar que "a situação portuguesa é completamente diferente da da Grécia". Apesar disso, os mercados atacam a dívida portuguesa. Teixeira dos Santos afirma que "a Grécia parece ter se desembaraçado e agora viraram-se para outra presa. Viraram-se para nós". Surgem as primeiras pressões para um resgate a Portugal. Teixeira dos Santos na cadeia norte-americana CNN afirma que está fora de questão. "Não precisamos de qualquer espécie de ajuda externa", afirmou. Portugal "tem um défice alto por causa da crise, mas em linha com a média da UE e da OCDE". A União Europeia declara que ajudará a Grécia em caso de necessidade... (viu-se!). 

E Pedro Passos Coelho? Pedro Passos Coelho defende eleições antecipadas. Desmultiplica-se em entrevistas. Critica o OE 2010 por ser pouco ousado no corte da "despesa de gordura" do Estado. "O Estado tem muita despesa de gordura que precisava de ser removida. Todos os consumos do Estado podiam ser reduzidos em 15% face ao ano anterior". Por outro lado, "a receita será determinante para alcançar o défice de 3%, mas só se consegue através de crescimento económico. As privatizações não servem para isso. São antes um sinal de que o Estado entende que deve ser a economia privada a puxar pela economia do país".(Viu-se!).

Março de 2010 - As pressões europeias - que antes tinham incentivado os países a proteger o emprego - agora querem reduzir o défice orçamental. O Governo anuncia o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC): descida do défice de 9,3% em 2009 para menos de 3% em 2013. "Temos de fazer um esforço de redução da despesa, de toda a despesa, qualquer que ela seja - despesa corrente, de investimento, com salários, com prestações sociais", afirmou Teixeira dos Santos no Parlamento. A 4 de Março, é decretada a greve geral conjunta do funcionalismo entre CGTP e UGT. O Governo aprova o Programa de Estabilidade e Crescimento 2010/13. O PEC prevê a perda do poder de compra dos salários dos funcionários públicos. Não se aumentará impostos, mas reduz-se benefícios fiscais, prestações sociais (desaparecem as medidas de combate à crise), reduz-se a capacidade de endividamento das empresas públicas e corta-se no investimento público. O Governo português aprova o OE de 2010, que incluimedidas de austeridade, mais cortes, um programa de privatizações, congelamento dos vencimentos dos funcionários públicos e agravamento fiscal nos rendimentos mais elevados. Iniciam-se os cortes das agências de rating de notação financeira à dívida pública.

E Pedro Passos Coelho? Disse sobre o PEC: "Limitar as deduções fiscais que as famílias possam fazer em saúde e educação, na prática, resulta num aumento encapotado de impostos. (…) Nós precisamos de diminuir a despesa do Estado para reduzir o défice, não precisamos de aumentar a receita fiscal por via de impedir as famílias de fazerem deduções a que têm direito" (Viu-se!). Paulo Portas apelidou as medidas de "bombardeamento fiscal" e, à falta de quantificação da redução de despesa, de "desilusão". "Os portugueses chegam cada vez mais à conclusão de que o Governo não tem palavra em matéria fiscal", afirmou (Viu-se!). No final, PSD e PP viabilizam o OE para 2011 (12/3/2010). E Passos Coelho, ainda na oposição no partido, afirma no Congresso extraordinário do PSD: "Se este OE não serve o país, qual o sentido de responsabilidade de o deixar passar? Se o PEC não contempla as medidas necessárias para o país por que é que os socialistas hão de esperar a nossa complacência?" Noutra ocasião: "Eu não ajudarei a viabilizar propostas de aumentos de impostos e, portanto, não me sinto vinculado a qualquer deliberação que o Parlamento hoje venha a fazer sobre essa matéria" (viu-se!). A resolução sobre o PEC passa no Parlamento com a abstenção do PSD de Manuela Ferreira Leite. Passos Coelho vence as eleições no PSD (26/3/2010) e o novo PSD pede a revisão do PEC.

Abril de 2010 - A Comissão Europeia considera os esforços orçamentais previstos no PEC 2010/13 como insuficientes e exige "esforços adicionais". Tudo "porque há o risco de que um crescimento do PIB inferior ao previsto afete o crescimento das receitas e prejudique a queda". Ou seja, a Comissão exige medidas recessivas e depois coloca em causa as metas macroeconómicas. Mesmo com o plano para Grécia aprovado, aumenta o diferencial de taxas de juro das obrigações a 10 anos entre a dívida pública portuguesa e a média da Zona Euro. O relatório semestral do FMI sobre a estabilidade financeira coloca Portugal como o segundo país que mais contribui para a probabilidade de ocorrência de perturbações graves na Zona Euro. Iniciam-se as negociações entre governo grego e a trroika e a 23/4/2010 a Grécia faz o "pedido de ajuda". A Alemanha condiciona a sua resposta a um plano de ajustamento da Grécia com o FMI. Novos cortes das agências de rating.

E Passos Coelho? Com base num estudo do IPSD, o PSD de Passos Coelho apresenta "medidas concretas e quantificadas" - um plano B ao PEC - para cortar mais a despesa pública, no valor de 1700 milhões de euros. Redução de 15% dos custos com a aquisição de bens e serviços, corte de metade das verbas para estudos e pareceres, uso de software livre e poupanças em despesas de comunicação. Governo considera as medidas "uma mão cheia de nada". Passos Coelho anuncia em conferência conjunta com José Sócrates uma antecipação das medidas do PEC: cortes no subsídio de desemprego e nas prestações sociais. O líder do PSD deu o aval ao Governo para cumprir os seus "compromissos internacionais". Ou seja, o PSD viabilizou satisfeito um conjunto de medidas de austeridade, eminentemente recessivas em linha com a Comissão Europeia.

Maio de 2010 - O primeiro-ministro grego anuncia um acordo com a UE e o FMI no valor de 110 mil milhões de euros em três anos, em troca de cortes adicionais de 30 mil milhões de euros nesse período. O ministro das Finanças reafirma a privatização da ANA e elogiou as privatizações: as vendas beneficiam a "consolidação orçamental por via do stock da dívida e por via da redução da despesa com juros".  Sócrates admite, no final da reunião dos governos da Zona Euro, adiar a construção do novo aeroporto e da terceira travessia do Tejo. E promete reduzir o défice orçamental de 2010 de 8,3 para 7,3% do PIB, ou seja, menos 1,7 mil milhões de euros. Mais recessão. A Itália aprova um programa de austeridade de 24 mil milhões de euros e Espanha de 15 mil milhões. O Governo Sócrates acaba com os apoios sociais extraordinário aos desempregados aprovados durante a crise económica e que deveriam manter-se até ao final de 2010. Os indicadores de confiança do INE são revistos em baixa.

E Passos Coelho? As negociações entre o Governo e o PSD acordam no aumento de um ponto percentual da taxa normal do IVA, de 20 para 21%, e num agravamento em IRS: uma taxa extraordinária de 1% para os salários mensais abaixo de cinco salários mínimos (2375 euros) e de 1,5% para os que ganham acima daquele limite, a cobrar ainda em 2010. As grandes empresas e a banca sofrem uma taxa extraordinária de 2,5% em IRC. Os gestores públicos sofrem um corte salarial de 5% e nas indemnizações compensatórias das entidades públicas de 150 milhões de euros. Ou seja, a quebra da promessa de Passos Coelho de não aumentar impostos começou mesmo em 2010! No dia seguinte, o Governo aprova o PEC2 e com os seus efeitos recessivos.

Junho de 2010 - O Parlamento aprova o PEC2. Prevê-se uma taxa adicional de IRS sobre a totalidade dos rendimentos de 2010, um IRC adicional de 2,5% sobre os lucros acima de 2 milhões de euros, subida das taxas do IVA normal (de 20 para 21%), intermédia (de 12 para 13%) e reduzida, limitações ao recrutamento na Função Pública. A par das medidas de austeridade, países da Zona Euro exigem reformas estruturais a Portugal e Espanha. "É preciso fazer mais, e só posso encorajar os dois países a prosseguir as reformas estruturais, por exemplo, dos mercados de trabalho e dos sistemas de pensões, com toda a determinação que é necessário nesta situação muito sensível", declara o comissário Olli Rehn. Mas a austeridade não acalma mercados. A emissão de títulos de dívida pública portuguesa a 10 anos atinge uma taxa de juro de 5,22%, a mais alta desde a criação do euro e acima da suportada pela Grécia pelo pacote de empréstimos aprovado. 

E Passos Coelho? Pedro Passos Coelho defende, na sessão de apresentação do novo programa do PSD, a necessidade de reformar o mercado para acabar com "alguns monopólios privados". "Passámos de monopólios públicos para alguns monopólios privados que vivem de rendas públicas pagas pelos contribuintes". 

Julho/Agosto de 2010 - Greve geral na Função Pública. A agência de notação Moody's corta notação da dívida portuguesa. O Governo Sócrates corta nos apoios sociais. Entra em vigor a condição de recursos abandonan-se o seu âmbito universal e prevê-se o fim dos apoios para quem tenha património mobiliário superior a 100 mil euros.

E Passos Coelho? Passos Coelho alimenta essa deriva. Declara: "Precisamos de repensar o Estado, fixar objetivos muito claros para duas legislaturas e, nos próximos oito anos, reduzir a despesa em 10%". Em  entrevista ao PÚBLICO declara: "Depois de termos aumentado o IRS não podemos aumentar novamente os impostos às famílias, diminuindo as deduções que podem fazer na educação e na saúde. Seria um duplo aumento de impostos". "Os cortes de salários" na função pública "não estão na perspectiva do PSD. O país olhará para medidas extremas se vir necessidade extrema de as adoptar". "A ideia de que o Estado Social não pode custar o que custa é uma inevitabilidade, não é um desejo. Hoje a maior ameaça ao Estado Social são as políticas do PS e do Governo que o tornam insuportável". "O Estado tem encarado as privatizações de forma mercantil: troca empresas por dinheiro quando precisa. Queremos traçar uma linha de demarcação do que deve ser a intervenção do Estado na economia". "As pessoas também podem escolher não entregar tanto dinheiro ao Estado para fazer tudo, esperando que o Estado tenha uma função mais reguladora e, na área económica, sejam os agentes privados a resolver os problemas. Nós estamos mais nesta tradição". Ou seja, tudo em linha com a Comissão Europeia. O Projeto de revisão constitucional do PSD pretende alterar o despedimento com justa causa por "razão atendível", tido por especialistas como uma facilitação dos despedimentos. No discurso do Pontal (14/8/2010) Passos Coelho põe como condições para viabilizar o OE 2011: não haver aumento de impostos através dos cortes nas deduções das despesas de educação e saúde, e que o Governo não "continue a gastar de forma descontrolada" (viu-se!). "Os portugueses precisam de políticos que falem com verdade", disse (viu-se!). Passos Coelho afirma em entrevista à RTP que "o PSD não é o Pai Natal do Governo" e que não cederá na sua condição de cortar as deduções fiscais em IRS.

Setembro de 2010 - Sócrates admite aumento de impostos "caso se vier a revelar a necessidade, se isso for mais justo do que cortar despesa em áreas significativas". Sócrates encontra-se com os responsáveis do sector bancário para discutir as consequências da dívida pública no sistema financeiros, quando se assiste a um progressivo financiamento do sector junto do BCE. Primeira greve geral em Espanha.

E Passos Coelho? Aproveitando os efeitos negativos dos cortes impostos pela Comissão Europeia, Passos Coelho - que concorda com a Comissão - afirma que o Estado Social "tem vindo a perder qualidade" e "pode estar em causa nos anos mais próximos". Portugal tem, na sua opinião, um Estado Social que, "para o mau serviço que presta, consome 72 a 73% da despesa pública". "Se a isto acrescentarmos os salários da administração estamos quase a 83 a 84%. E o Estado não tem outras funções?" Ou seja, Passos Coelho continua em linha com a Comissão Europeia.

Final de Setembro de 2010 -  O Governo anuncia o PEC 3 para fazer descer o défice de 7,3 para 4,6% do PIB. Sócrates afirma que "não é possível uma redução imediata e efectiva da despesa sem uma redução na despesa com pessoal". E de forma inédita, decreta um corte a manter-se no futuro para os vencimentos na Função Pública acima de 1500 euros, entre 3,5 e 10%. Todas as pensões públicas e privadas ficarão congeladas. Aumento das contribuições para a CGA. Congelamento de apoios sociais. Com estas medidas, o Governo pretende encaixar 3,4 mil milhões de euros. Mais 1,7 mil milhões são conseguidos com aumentos de impostos: subida da taxa normal do IVA de 21 para 23% e revisão das tabelas do IVA. Regresso dos limites às deduções fiscais com saúde e educação. Um "imposto sobre o setor financeiro". Enquanto o PEC 2 previa um encaixe de 2,4 mil milhões, o PEC 3 passa para 5,25 mil milhões. 


 

E Passos Coelho? Pedro Passos Coelho  é peremptório: "Infelizmente, eu julgo que só o Governo é que entende que com este plano Sócrates que foi apresentado é que a economia portuguesa vai continuar a crescer em 2011. Não é uma perspetiva realmente realista". (Mas desconhece-se o que defende como alternativa).

Outubro de 2010 - Discute-se o que será o OE para 2011. Os principais banqueiros encontram-se com Passos Coelho procurando sensibilizá-lo para os riscos de um chumbo do OE de 2011 e da demissão do Governo (13/10/2010). No dia seguinte, os banqueiros reúnem-se com o Governo.

E Passos Coelho? Numa entrevista declara: "Não podemos ter um qualquer orçamento", mas escusa-se a dizer o que acontecerá se não for aprovado. Considera que o OE 2011 "não tem uma estratégia de futuro, que tenha respostas para o crescimento da economia, que aumente a competitividade externa das empresas exportadoras, que defenda o emprego, que esteja inserido numa lógica de defender a posição portuguesa de atingir todos os objetivos que temos de alcançar até 2013". (Mas o que defendia o PSD? Pouco se sabe). Mas no final do mês, Governo e PSD fecham acordo sobre OE para 2011, alinhando com os banqueiros.

Novembro de 2010 - Os juros da dívida pública portuguesa a dez anos ultrapassam, pela primeira vez, o limite simbólico dos 7%. O ministro das Finanças nega a existência de contactos formais ou informais para "pedir ajuda" à UE. O Governo irlandês "pede ajuda" e as suas notações financeiras são atacadas. Greve geral em Portugal conjunta entre CGTP e UGT contra as medidas de austeridade do Governo Sócrates. O Parlamento - com o PSD e CDS a abster-se - aprova o novo pacote PEC 3 integrado no OE 2011. Após a reunião do Governo com os ministros Teixeira dos Santos, Vieira da Silva e Helena André, é aprovado um pacote de medidas, entre as quais a redução das indemnizações laborais por despedimento. Mas nada acalma os mercados.

Dezembro de 2010 - A notação financeira da dívida pública portuguesa é novamente cortada.  O Governo Sócrates volta a falar da crise de confiança dos mercados e da necessidade de medidas adicionais, um caminho que "temos de percorrer com determinação". Segundo a revista alemã Der Spiegel, a França e a Alemanha pressionam Portugal a aceitar um resgate. 

Janeiro de 2011 - O Governo Sócrates afasta essa hipótese. Cavaco Silva é reeleito (23/1/2011) e abre-se a possibilidade dde um governo de direita. 

E Passos Coelho? A direita começa a atacar o Governo pelos efeitos recessivos da austeridade que a própria direita quis e a pedir a entrada da troika (ou do FMI). Numa entrevista ao Público, Paulo Portas afirma: "Estamos a assistir a uma narrativa que é surrealista: este primeiro-ministro trouxe o país à beira do precipício do ponto de vista da dívida pública e agora ainda se arroga o direito de se apresentar como o político que conseguiu 'evitar' a entrada do FMI" (16/2/2011).

Fevereiro/Março de 2011 - No encontro com os parceiros sociais, a ministra do Trabalho Helena André propõe uma redução das indemnizações laborais - que passarão a ter por base 20 dias de salário por cada ano de antiguidade contra os atuais 30 e a imposição de um teto máximo de 12 meses e o fim de um limite mínimo de 3 meses. Sócrates garante que tomará todas as medidas adicionais necessárias (28/2/2011). Essas medidas são apoiadas por Merkel (2/3/2011). Antes de uma cimeira europeia e com as taxas de juro a roçar os 8%, o Governo aprova novo plano de austeridade, prevendo congelamentos de pensões e limitação de benefícios e deduções fiscais, em IRS e IRC (11/3/2011). A "geração à rasca" manifesta-se. Sócrates anuncia que apresentará uma resolução sobre o PEC. 

E Passos Coelho? O Governo é sujeito a moção de censura e passa com a abstenção do PSD e CDS (10/3/2011). Mas pouco dias depois, o PSD anuncia que não viabilizará o PEC4 (12/3/2011). Miguel Relvas, secretário-geral do PSD reafirma que o Governo não contará com o PSD para exigir mais sacrifícios aos portugueses. "O primeiro-ministro não pode ter uma política de sacrifícios sem reconhecer os erros e o fracasso das suas políticas", afirmou (14/3/2011). 

A direita começa a pedir a intervenção externa: 

15/3/2011 - Ao Correio da Manhã, Passos Coelho declara que a crise política está aberta, que o PSD se recusa a negociar com quem não negoceia com o PSD, que Portugal precisa de ajuda ("estamos com as calças na mão"), que o Governo Sócrates é responsável pela "desastrosa intervenção no BPN" e que se o PSD for Governo irá "parar com a loucura" das PPP, mas só daí para a frente, porque "o Estado se comprometeu a pagar aos privados".

O ministro das Finanças Teixeira dos Santos alerta que a inviabilização das medidas de austeridade anunciadas representará “empurrar o país para a ajuda externa". E critica fortemente a irresponsabilidade de Passos Coelho. "O que está a falhar nesta crise é o PSD. O PSD está a chegar tarde aos desafios da consolidação orçamental. O PSD foge das medidas que ajudam à consolidação como o diabo foge da cruz", disse Teixeira dos Santos. E acrescentou: "Não percebo como é que, logo a seguir a termos apresentado as medidas, ouvimos o secretário-geral do PSD dizer que era positivo e responsável que o Governo tomasse medidas para garantir os objectivos do défice e, depois, tudo mudasse. Gostava de saber o porquê deste volte-face." E concluiu: "O inviabilizar desta actualização do PEC é empurrar o país para a ajuda externa. Não tenho dúvidas de que nesse cenário Portugal será incapaz de se financiar no mercado".  Sócrates apela a um entendimento com o PSD (18/3/2011) e que estará indisponível para governar com a "ajuda" do FMI, abrindo o cenário para eleições antecipadas. Repete: Portugal não precisa de "ajuda externa".

E Passos Coelho? Defende, numa declaração aos jornalistas, que só as eleições poderão gerar um novo Governo "com mais força e determinação" para combater a situação de crise do país. É preciso, disse, "pôr fim ao clima irrespirável" e uma "situação pantanosa" (23/3/2011).

Cavaco Silva cola-se ao PSD e queixa-se de Sócrates não lhe ter apresentado previamente o PEC4. CDS quer eleições antecipadas. A 23/3/2011, cinco resoluções de rejeição do PEC 4 são votadas no Parlamento. Sócrates demite-se. No dia seguinte depois das críticas de Merkel à rejeição das medidas, o presidente da Comissão Europeia pressiona Portugal e anuncia de imediato o montante do resgate a Portugal - 75 mil milhões de euros. Sócrates vollta a rejeitar o resgate: "Portugal não precisa de plano de resgate. Tomámos todas as medidas. Portugal vai defender-se" (25/3/2011). Cavaco Silva marca eleições antecipadas. 

E Passos Coelho? Na primeira entrevista a seguir ao chumbo do PEC 4, o presidente do PSD declara "tem-se diabolizado a questão do FMI porque o primeiro-ministro a tornou uma questão de honra do Estado". "Portugal faz parte do FMI" e o organismo "existe para ajudar os países a superar crises de financiamento". "Isso já aconteceu anteriormente", sublinhou (26/3/2011). Estas declarações de Passos Coelho levam Sócrates a dizer que o PSD se rendeu ao FMI e pretender de forma "disfarçada" aplicar a sua agenda "liberal", através da intervenção externa (27/3/2011). Passos Coelho escreveu mesmo uma carta em nome do PSD a pedir o resgate (31/3/2011). O Governo recusa-se a negociar "resgate". PSD pressiona o Governo a fazê-lo (31/3/2011). Passos Coelho garante que, se for eleito primeiro-ministro e o país precisar de um empréstimo externo, não hesitará “um segundo”. “Não se deixa um país a correr riscos que são desnecessários” e as dificuldades financeiras serão ultrapassadas sem austeridade, afirmou (2/4/2011).

Sócrates declara que tudo fará para evitar o resgate externo (4/4/2011). O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, declara que a UE está pronta para responder a um "pedido de ajuda" de Portugal (5/4/2011). Os principais banqueiros reunem-se com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa (4/4/2011). O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa, considera “urgente” que Portugal peça ajuda financeira à UE, porque os bancos nacionais não têm mais dinheiro (6/4/2011). E a 6/4/2011, Teixeira dos Santos dá uma entrevista a considerar o resgate inevitável e Sócrates acaba por ceder: pede a ajuda externa nesse dia (6/4/2011). Missão "técnica" da troika chega a Portugal (11/4/2011). 

E Passos Coelho? No dia da chegada da troika, Passos Coelho reafirma o seu apoio (11/4/2011). Anuncia que o reforço de austeridade incidirá para o Estado e não para o dos cidadãos. Privatizar é palavra de ordem. A haver algum aumento de impostos, a receita servirá para reduzir a taxa social única paga pelas empresas (20/4/2011).

Sócrates anuncia que chegou a um "bom acordo" com a troika, que não se mexe no 13.º mês, no 14.º mês, nem dos trabalhadores nem de pensionistas, que não se prevê reduções nos salários nem despedimentos da função pública, nem cortes no salário mínimo. Tudo contra 78 mil milhões de euros (3/5/2011). O Memorando de Entendimento seria aprovado a 4/5/2011.   


E Passos Coelho? O futuro negociador do PSD junto da troika, Eduardo Catroga, responde à intervenção de José Sócrates, e defende uma aceleração da consolidação orçamental e de uma austeridade "não sobre as pessoas, mas sobre o Estado". O resgate mostrou que PEC 4 era insuficiente... (3/5/2011). O PSD apropria-se do Memorando de Entendimento: "As medidas de austeridade agora plasmadas no memorando estavam no PEC 4, enquanto a promoção da competitividade da economia são propostas do PSD", afirmou ao PÚBLICO Miguel Relvas, secretário-geral do PSD. Carlos Moedas, braço-direito de Eduardo Catroga na equipa do PSD que negociou com a troika: "A troika seguiu o road map que o PSD lhe deu" (4/5/2011). Nesse mesmo dia, Passos Coelho anuncia o Programa eleitoral do PSD que estava a ser preparado "há quase um ano" pelo gabinete de estudos do partido e inclui também, "além de muitos contributos individuais", "muitos outros trabalhos, em particular do Movimento Mais Sociedade, da Plataforma Construir Ideias do Projecto Farol". 
Nesse mesmo dia, Passos Coelho em entrevista à RTP afirma que "Portugal precisa deste acordo" que "resulta de um pedido de ajuda tardio". "É um acordo difícil e duro, ao contrário do que afirmou o primeiro-Ministro". Tem um conjunto de medidas que farão crescer a economia, reformas estruturais, como o PSD vem defendendo há muito tempo". "Parece-me um acordo que tem melhores condições de sucesso do que o da Grécia ou Irlanda, porque tem um acento tónico no crescimento". "Se não conseguirmos pôr a economia a crescer, não conseguimos fazer a estabilização financeira". 

A direita, na sua batalha ideológica, sublinha umas partes e omite outras. 

Passos Coelho aplicou de boa vontade o Memorando de Entendimento com a troika e gerou a maior recessão até então vista, com uma subida histórica do desemprego e da emigração. Aplicou o dobro da austeridade prevista para obter os resultados orçamentais previstos. A montanha de desemprego gerado fez cair os salários mais níveis que ainda hoje não deixam de ser baixos e que a direita agora chora como qualquer coisa que aconteceu por acaso. Os serviços públicos foram exauridos e ainda hoje padecem disso. A troika arrependeu-se do programa proposto. Vítor Gaspar demitiu-se e foi para o FMI. Paulo Portas também quis demitir-se, mas foi agarrado. E afastou-se, para já, da política. A direita entrou numa crise de onde está e da qual só agora está a sair. Mas para isso precisa de alterar o que fez no passado. 

Haja, pois, paciência para a revisão da História feita pelos neoliberais do PSD. 

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