quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Promiscuidade entre a academia e o mundo empresarial: um singelo exemplo


Confrontei-me hoje com mais um singelo exemplo de práticas que se inscrevem em estratégias de subordinação académica ao interesse mercantil. Está longe de se tratar do exemplo mais grave, mas não deixa de ser revelador de como estes processos estão cada vez mais disseminados no quotidiano universitário.

Já imaginaram empresas de consultoria reconhecidas por práticas laborais abusivas e pela redação de verdadeiras estratégias de "greenwashing" a organizarem painéis sobre saúde mental e transição ecológica numa feira de emprego (magnífico conceito...) de uma universidade pública?

Pois, podem deixar de imaginar, porque painéis de debate nesses moldes já estão anunciados no ISEG, como é possível ver nas imagens acima e neste link.

As principais questões a que importa responder nesses temas ficarão, como é expectável, por abordar. Nomeadamente:

(i) que reformas institucionais são necessárias para aumentar a fiscalização de uma lei laboral que não consinta o abuso psicológico no local de trabalho?

(ii) que alterações sistémicas precisamos no nosso sistema económico para que ele responda a incentivos que excedem o lucro de curto-prazo para os acionistas e acolha objetivos democraticamente definidos, como os ecológicos?

A ausência esperada de resposta a cada uma destas questões não é um acaso. É que colocar as questões nestes termos é contrário à mundividência das empresas de consultoria, que balizam, como decorre da sua natureza, a sua produção de conhecimento aos interesses das empresas que têm por clientes.

Uma universidade pública consciente do seu papel social tem de saber que acolher eventos nestes termos é prestar-se a ser instrumentalizada como veículo institucional de reprodução do modelo de capitalismo em vigor. A manutenção de uma distância sanitária face ao mundo empresarial é condição necessária à existência de debates efetivamente abertos a todos os pontos de vista.

Isto não significa que esses intervenientes não possam participar no debate académico. Significa apenas que não podem ser eles a determinar os seus moldes, sob pena de circunscreverem os graus de liberdade a que um debate académico deve obedecer.

Haverá quem julgue que escrevo estas coisas movido por alguma espécie de sanha persecutória contra a instituição que integrei. Enganam-se. É somente um misto de mágoa com dever cívico de denúncia. Na esperança que alguém dotado de uma reflexão mínima sobre o que é uma universidade se consciencialize da anormalidade que está a promover.

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