quarta-feira, 23 de março de 2022

Há infografias da Pordata que são todo um programa

Fica a dúvida sobre se é apenas enviesamento ideológico enquistado, mera ignorância ou simples sonsice. Provavelmente é de tudo um pouco, sem que isso torne as coisas mais aceitáveis, num portal que é consultado por milhares de pessoas e que tem o mérito de ter feito o que o INE não fez no tempo devido: coligir séries longas de dados estatísticos em vários temas. Mas o facto é que se encontram na página do facebook da Pordata publicações que suscitam perplexidade. A título de exemplo, atentemos em três, publicadas nos últimos dois meses.


A primeira (imagem da esquerda) é recorrente, remontando a uma infografia pulicada no 1º de Maio do ano passado. Sugere, num erro grosseiro, que a produtividade depende do «desempenho dos trabalhadores», ignorando que este indicador resulta de um conjunto diverso de fatores (ver aqui) e não, simplesmente, do volume de horas trabalhadas. Razão pela qual, aliás (como assinalado aqui), há países com um volume de tempo de trabalho inferior ao de Portugal e que atingem níveis de produtividade bem mais elevados. Mas não, o importante para a Pordata é passar a ideia de que os trabalhadores são responsáveis pela baixa produtividade no nosso país.

A segunda (imagem ao centro), toma como referência os dados dos Censos de 2021 para dar destaque ao ligeiro aumento (0,6%), nesse ano, da população em situação de pobreza material severa, face a 2020. Ignorando portanto, para além da omissão da pandemia como fator explicativo dessa variação, a tendência de fundo que mais importa reter. Isto é, a queda continuada da taxa de privação material severa desde 2013, ano em que se atingiu o valor de 10,9% (ou seja, no tempo em que a maioria de direita se entretia a empobrecer o país) para os 6,0% registados em 2021. Mas não, a Pordata prefere assinalar a subida de 0,6% entre 2020 e 2021, como se o país andasse a empobrecer.

A terceira publicação destaca a ideia de que «foram perdidos» dias a «reivindicar direitos». Isto é, não resiste à tentação de dar relevo a esta formulação na imagem, preterindo a que consta do texto de entrada, bem mais objetiva e ideologicamente neutra («quantos dias cada trabalhador se ausentou, por motivo de greve»). O desprezo pela melhoria das condições de vida e de trabalho, pelo combate à precariedade e pela valorização salarial e redução das desigualdades, entre outras questões relevantes para a economia como um todo, torna-se indisfarçável. O que mais importa é sugerir nas entrelinhas, com a subtileza possível, que dias de greve são dias perdidos, prejudiciais ao país.

Por mais que tudo isto fosse inadvertido, o resultado configura toda uma agenda ideológica, todo um programa.

2 comentários:

José Ferreira Marques disse...

Parabéns pelo seu texto. Constata-se cada vez mais nas redes sociaus, e não só, umcero revivalismo, ou talvez saudosismo, por um certo autoritarismo de cariz ditatirial, digamos...

Jose disse...

«no tempo em que a maioria de direita se entretia a empobrecer o país» é todo um programa de mentira e pouca vergonha; já a pandemia tudo justifica, como se as condições de enriquecimento do país estivessem criadas ou em inexorável marcha.