sábado, 19 de março de 2022

O que disse o Papa?


Deve haver um pecado para quem mal cita um Papa.

No passado dia 13, as emissões televisivas fizeram eco da intervenção do Papa Francisco, no Vaticano, diante da Praça de S.Pedro. As emissões da SIC e RTP pareceram iguais, indiciando ter vindo montada de fora, via agência internacional. Já a peça daRádio Renascença, passou a intervenção na íntegra. Transcreva-se então a intervenção completa e coloque-se parêntesis rectos nas partes retiradas:
"Frente à barbárie da matança das crianças, das pessoas inocentes e dos civis indefesos, não há razões estratégicas que valham: Há que cessar a inaceitável agressão armada, antes que reduza as cidades a cemitérios. Com dor de coração uno a minha voz à da gente comum, que implora o fim da guerra. [ Em nome de Deus, escutem o grito dos que sofrem, ponham o fim aos bombardeamentos e aos ataques... ] Em nome de Deus, peço-vos: detenham essa matança! [ Em nome de Deus, escutem o grito e ponham fim aos bombardeamentos e atentados! Que se trabalhe real e resolutamente na negociação e que os corredores humanitários sejam efectivos e seguros. Em nome de Deus, peço-vos: detenham essa matança!" ]
O que disse então o Papa: "Parem esta matança!" ou "parem esta matança e negoceiem!"?

Parece um pormenor, mas não é. Na primeira, a interpelação dirige-se à Rússia (enquadrando-se na mensagem dita ocidental - "a Rússia começou, a Rússia tem de parar") e portanto mostra aos cidadãos ocidentais que o Papa está também na sua campanha militar. Na segunda, a mensagem dirige-se às diversas partes envolvidas no conflito, independentemente das responsabilidades directas ou indirectas (e aí desenquadra-se da mensagem dominante passada nos Media). E que até é passível de ser extensível à responsabilidade pela Paz por parte dos principais países do Mundo que, afinal, estão envolvidos no conflito, caso nos lembremos do material militar já remetido para o território ucraniano. Alguém, parece estar pois, a editar a palavra do Papa, ao arrepio do que ele diz, embrulhando-o num dado sentido.

Ora, este tipo de reinterpretação da mensagem papal não é, porém, caso único. Pesquisando a palavra "Ucrânia" no site oficial do Vaticano, encontram-se outras intervenções do Papa Francisco que - acho eu - não surgiram em emissões televisivas e que poderiam ter inúmeros destinatários que não apenas a Rússia.

Aceitem-se os sublinhados nossos:


23 fevereiro

APELO:

Tenho uma grande tristeza no coração pelo agravamento da situação na Ucrânia. Apesar dos esforços diplomáticos das últimas semanas, estão a abrir-se cenários cada vez mais alarmantes. Como eu, muitas pessoas em todo o mundo estão a sentir angústia e preocupação. Uma vez mais a paz de todos é ameaçada por interesses de parte. Gostaria de apelar a quantos têm responsabilidades políticas para que façam um sério exame de consciências perante Deus, que é o Deus da paz e não da guerra; que é o Pai de todos e não apenas de alguns, que quer que sejamos irmãos e não inimigos. Peço a todas as partes envolvidas para que se abstenham de qualquer ação que possa causar ainda mais sofrimento às populações, desestabilizando a convivência entre as nações e desacreditando o direito internacional. E agora gostaria de apelar a todos, crentes e não-crentes. Jesus ensinou-nos que à diabólica insensatez da violência se responde com as armas de Deus, com a oração e o jejum. Convido todos a fazer no próximo dia 2 de março, quarta-feira de Cinzas, um Dia de jejum pela paz. Encorajo de modo especial os crentes a fim de que naquele dia se dediquem intensamente à oração e ao jejum. Que a Rainha da paz preserve o mundo da loucura da guerra.

27 fevereiro

Nestes dias, fomos abalados por algo trágico: a guerra. Muitas vezes rezamos para que não fosse empreendido este caminho. E não deixamos de rezar, aliás, suplicamos a Deus com mais intensidade. Por isso, renovo a todos o convite a fazer de 2 de março, Quarta-Feira de Cinzas, um dia de oração e jejum pela paz na Ucrânia. Um dia para estar perto dos sofrimentos do povo ucraniano, para nos sentirmos todos irmãos e implorar a Deus o fim a guerra. Quem faz a guerra, quem provoca a guerra, esquece a humanidade. Não parte do povo, não olha para a vida concreta das pessoas, mas coloca acima de tudo os interesses de parte e de poder. Confia na lógica diabólica e perversa das armas, que é a mais distante da vontade de Deus. E distancia-se das pessoas comuns, que desejam a paz; e que em cada conflito são as verdadeiras vítimas, que pagam com a própria pele as loucuras da guerra. Penso nos idosos, em quantos nestas horas procuram refúgio, nas mães em fuga com os seus filhos... São irmãos e irmãs para quem é urgente abrir corredores humanitários e que devem ser acolhidos. Com o coração dilacerado por quanto acontece na Ucrânia — e não esqueçamos as guerras noutras partes do mundo, como no Iémen, na Síria, na Etiópia... — repito: que as armas se calem! Deus está com os pacificadores, não com quem usa a violência. Pois quem ama a paz, como afirma a Constituição italiana, «repudia a guerra como instrumento de ofensa contra a liberdade de outros povos e como meio de resolução das disputas internacionais» (Art. 11). Ontem em Granada, na Espanha, foram proclamados beatos o sacerdote Gaetano Giménez Martín e quinze companheiros mártires, mortos em odium fidei, no âmbito da perseguição religiosa dos anos trinta na Espanha. Que o testemunho destes heroicos discípulos de Cristo possa despertar em todos o desejo de servir o Evangelho com fidelidade e coragem. Um aplauso aos novos Beatos!

6 março

Rios de sangue e de lágrimas correm na Ucrânia. Isto não é apenas uma operação militar, mas uma guerra, que semeia morte, destruição e miséria. O número de vítimas está a crescer, tal como as pessoas em fuga, especialmente mães e crianças. A necessidade de assistência humanitária naquele país atormentado está a crescer dramaticamente a cada hora que passa. Faço um apelo urgente para que os corredores humanitários sejam verdadeiramente seguros, e para que o acesso da ajuda às áreas sitiadas seja garantido e facilitado, a fim de proporcionar socorro vital aos nossos irmãos e irmãs oprimidos pelas bombas e pelo medo. Agradeço a quantos acolhem refugiados. Sobretudo, apelo a que cessem os ataques armados, à prevalência das negociações – e que prevaleça também bom senso – e se volte ao respeito do direito internacional! E gostaria também de agradecer aos jornalistas que puseram a própria vida em risco para fornecer informações. Obrigado, irmãos e irmãs, por este serviço! Um serviço que nos permite estar próximos do drama daquela população e de avaliar a crueldade de uma guerra. Obrigado, irmãos e irmãs. Rezemos juntos pela Ucrânia: temos as suas bandeiras à nossa frente. Rezemos juntos, como irmãos, a Nossa Senhora, Rainha da Ucrânia.

E caso se procure na página oficial outras causas, encontrar-se-á ainda mais situações em que a mensagem do Papa tem sido maltratada. Só de 19/3/2021 a 19/3/2022, o Papa falou 4 vezes da Palestina, 4 vezes da Líbia, seis vezes do Iemen, 7 vezes no Afeganistão, 13 vezes no Líbano, 16 vezes na Síria, 24 vezes na liberdade de expressão, 25 vezes na exploração, 38 vezes em fome, 58 vezes na guerra, 75 vezes na violência, 150 vezes na paz, 154 vezes nos pobres e 33 vezes nos ricos, 2 vezes no Capitalismo ["Até um capitalismo mais humano"], etc., etc.

Que a paz seja também convosco.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro João Ramos de Almeida,
Para além das mensagens beatíficas de uma entidade que sempre esteve comprometida com a guerra e que nunca se mostrou resolvida a tomar uma decisão honesta, séria e corajosa sobre qualquer conflito, onde o bem e o mal fossem seus intervenientes, convido-o a ver estes últimos videos publicados na «South Front»:

https://southfront.org/shocking-evidence-of-ukrainian-regimes-essence-video-21/

São soldados russos feitos prisioneiros e abusados violentamente por soldados ucranianos, ligados a bandos «nazis». Na parte final de um destes videos, dois soldados são feridos nas pernas. Logo a seguir, os meios de comunicação social dominantes nos EUA e na Inglaterra, disseram que «soldados russos disparavam nas suas próprias pernas para não lutar».

Esta é a mensagem da guerra na Ucrânia que o Vaticano não quer atender e onde o bem e o mal se confrontam.

Os desejos de uma boa semana e de um bom trabalho.