quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Clareza (I)

«A Lei de Bases de 1990 foi aprovada por uma maioria parlamentar de direita e não foi questionada a sua abrangência, apesar de não englobar nenhum dos outros partidos com representação parlamentar. Vigorou 18 anos, permitindo a sua redacção que fosse aberta a porta não a uma simples colaboração com os serviços privados, mas a uma inversão de sentido entre os serviços públicos e os privados, fortalecendo estes últimos com dinheiros públicos dos nossos impostos, através do Orçamento Geral do Estado. Assistiu-se demasiado passivamente à traição do espírito da Lei fundadora do SNS e da Letra da Constituição. Não é possível maior abrangência parlamentar do que aquela que existe na actual maioria. Há de facto posições divergentes com a direita parlamentar, opostas na maior parte das questões concretas. Em democracia é assim. Esperaram-se 28 anos e em vários momentos parlamentares podia-se ter esperado muito menos para ter uma maioria sólida para aprovar uma Lei que não seja confusa, nem ambígua. A de 1990 já deu as provas que tinha a dar. Fluxo financeiro que sai do público para ir para o privado. Fluxo profissional que fez e faz uma sangria de pessoal para o estrangeiro ou para os privados. O número de camas que diminuiu nos hospitais públicos e aumenta nos privados. A degradação/não renovação de equipamentos hospitalares. As consequências de tudo isto ao nível do serviço público. E as lágrimas derramadas pelos autores da Lei de 1990, que dizem sempre amar muito o SNS. Por isso é chegado o momento de ser claro e não ser ambíguo. Uns são pelo serviço público, universal e gratuito baseado no SNS, outros são pela abertura aos serviços privados. (...) Estamos a falar da parte do orçamento da saúde com que o Estado alimenta os privados, que com ele deviam concorrer.
(...) Na exposição genérica da [nova] Lei assinala-se que os contratos de serviços que não pertençam ao SNS devem ser feitos apenas quando necessário, que a gestão de cuidados de Saúde deve ser pública e se houver contrato com entidades privadas deve ser supletiva e temporariamente assegurada. Assinale-se que está escrito supletiva e não complementar. (...) Foi a altura deste Governo do PS se definir e é a altura do Parlamento e dentro dele a representação maioritária do povo português definirem o que é uma política de Saúde que represente alguma redistribuição da riqueza nacional. É a altura de todos sermos claros e ao fim de 28 anos de sucessiva degradação do SNS, agudizada nos últimos tempos, revertermos o caminho para verdadeiramente salvarmos o serviço público.»

Isabel do Carmo, Em defesa da Lei de Bases da Saúde

7 comentários:

Manuel Galvão disse...

Sobre este assunto ninguém aborda o essencial...
Nos últimos 40 anos surgiram muitos e sofisticados meios de diagnostico e tratamento, que envolvem aparelhos cada vez mais caros e que exigem formação especializada a quem com eles opera.
Por isso o aumento do custo serviços médicos em geral subiu a uma taxa muito superior ao PIB por cabeça.
Para que continuássemos a ter um SNS universal e tendencialmente gratuito as transferências do orçamento do estado para o Ministério da Saúde tinham que ser muito maiores, e a economia não comporta.

É como se os automóveis particulares fossem oferecidos pelo Estado de há 40 anos para cá, e hoje as pessoas, não se contentando com os Clios or Fiats Punto que o Estado punha à sua disposição, exigissem Porches e Mercedes. São, de facto, mais seguros e duradouros...

Jose disse...

A sanha por mais emprego público, mais privilégio na função pública, mais sanha tributária para lhes sustentar as mordomias, mais subordinados ao apparatchik político esquerdalho que se quer eternizar no poder, são os factores determinante de tudo ignorar serviço público que não satisfaça essa agenda.
Veremos quantas falências serão necessárias para livrar o país de tal canalha.

Alice disse...

Defende que o Estado subsdidie o lucro privado, ou defende que as empresas privadas de saúde não tenham lucro e existam por um gesto de caridade?
Não existe mordomia maior, mas é isso o que este José parece defender, que anedótico.

João disse...

Já quase nem interessa estar atento à substância quando este tal "josé" utiliza tal linguagem de bolsonaro.
Desde logo, por aí, convém, de facto, estar atento a quem, perversamente, nos quer "tratar da saúde" ...

Jose disse...

Esta treteirice esquerdalha que clamando por reformas principescas porque os tadinhos dos trabalhadores fizeram descontos que supostamente renderam juros ou lucros ou milagres, logo a seguir toda se indigna que o capital investido seja pago com juros e lucros.


Sendo uma idiotice pegada, está tão impregnada de corretês, que é proclamada como tirada de génio.
'Não existe mordomia maior' é nota adicional de gloriosa e indigente inspiração esquerdalha!
Só falta acrescentar o comovente 'lucrar com a saúde das pessoas' para o quadro ficar completo, embora transitoriamente, pois os sencientes haverão de juntar-se sem tardança ao dramático do quadro .

Anónimo disse...

Excelente artigo da Isabel. Notar ainda que a percentagem do PIB português gasto em saúde, é agora, bem mais baixo que a média da UE. De notar ainda que os custos em saúde, que saem directamente do bolso dos portugueses, e não por via do SNS, são uma das maiores percentagens da UE! Lembrar ainda que a Saúde em Portugal decaiu imenso durante o reinado da Troika, e dos cortes das "gorduras excessivas", como se pode ver no indicador mais importante, denominado anos de vida saudável após os 65 anos, que teve um trambolhão imenso, ficando agora abaixo da média da UE, quando estava antes acima!!!

NM

Jose disse...

Alice, tens um amigo na edição...