quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

A "revolução dos robôs" significa o fim do trabalho?


Muito se tem escrito sobre o período de transição que vivemos no mundo do trabalho. A “revolução dos robôs” e a rápida evolução da tecnologia, tanto para uso pessoal como para aplicação em diferentes processos produtivos, têm ocupado o centro do debate público e aberto caminho para discursos alarmistas sobre a inevitável eliminação permanente de vários postos de trabalho. Alguns estudos apontam para uma redução significativa do emprego nos próximos anos: Carl Frey e Michael Osborne, investigadores da Universidade de Oxford, estimaram em 2013 que a tecnologia poderia eliminar 47% dos empregos nos EUA nas próximas duas décadas, sobretudo no setor dos serviços; mais otimista, um estudo de 2017 da McKinsey Global Institute diz-nos que a redução é de “apenas” um terço dos postos de trabalho. Será suficiente para respirar de alívio?

A preocupação com o fim iminente do trabalho e a generalização do desemprego associados ao avanço da tecnologia parece ser confirmada pelo estudo apresentado na semana passada pela CIP, no qual aponta para a possível eliminação de 1,1 milhões de postos de trabalho em Portugal até 2030 nas áreas da indústria transformadora e comércio, podendo ser “compensada pela criação de 600 mil a 1,1 milhões de novos empregos em setores como a saúde, assistência social, ciência, profissões técnicas e construção”.

Mas será que estamos perante o fim iminente do trabalho? A história do capitalismo conta-nos algo diferente – as sucessivas revoluções tecnológicas, e as consequentes mudanças profundas nas formas de produção e distribuição dos recursos, não acabaram com o trabalho necessário. Na verdade, cada mudança estrutural do modo de produzir bens ou serviços costuma ser seguida de períodos longos de expansão das economias desenvolvidas, com elevadas taxas de crescimento e níveis de emprego, como discutido no livro As Time Goes By, de Chris Freeman e Francisco Louçã. Para compreender estes processos, precisamos de olhar para a evolução histórica das economias capitalistas e identificar os seus padrões.

Um estudo recente elaborado por Mark Paul conclui que a produtividade dos EUA tem crescido a taxas médias bastante inferiores às das décadas anteriores a 1970. O mesmo acontece nas economias desenvolvidas da Europa Ocidental (incluindo Portugal) e Japão, o que sugere que após o período de expansão no pós-2º Guerra Mundial, atravessamos uma fase prolongada de menor fulgor, caracterizada por taxas de crescimento mais baixas. A recente década de estagnação limita-se a confirmar o paradoxo de Solow – os computadores aparecem em todo o lado, menos nas estatísticas da produtividade.


Sem ganhos de produtividade que impulsionem os lucros, o investimento produtivo tem sido reduzido nas últimas décadas, pelo que a ameaça de uma vaga de automação que elimine um grande número de empregos não parece provável atualmente. Não surpreende, por isso, que o capital se tenha concentrado nos mercados bolsistas e em atividades de especulação financeira que permitem ganhos de curto prazo superiores, embora acentuem a exposição da economia global a momentos de pânico no setor financeiro como o de 2007-08.

A robotização ameaça, ainda assim, substituir no futuro vários empregos que hoje são executados por pessoas. Não é difícil encontrar livros sobre o desenvolvimento impressionante da inteligência artificial nos últimos tempos e o alcance que poderá ter no mercado de trabalho. No entanto, a inovação é o traço fundamental da história do capitalismo, que nos mostra como as revoluções tecnológicas não implicam a generalização do desemprego permanente – na revolução industrial do século XIX, embora o desenvolvimento da indústria tenha feito desaparecer os artesãos, implicou simultaneamente a criação de novos empregos qualificados dentro e fora das fábricas, sendo um exemplo da forma como a tecnologia origina mudanças complexas na organização do trabalho. A evolução das sociedades capitalistas tem sido um processo de constante interação entre a inovação científica e técnica e as formas de organização da vida em comunidade.

Existem, contudo, outros aspetos a ter em conta. A desigualdade tem crescido de forma impressionante nas últimas décadas, nas quais uma parte cada vez menor da riqueza gerada é distribuída pelos trabalhadores.


Além disso, apesar do avanço tecnológico, a verdade é que atualmente cada vez mais pessoas trabalham mais horas, em empregos precários e com menores rendimentos. A tecnologia desempenha um papel importante nesta tendência, promovendo a intensificação do trabalho em condições perversas, invadindo o tempo de lazer e marcando o ritmo da vida social.

Foi isso que levou o astrofísico Stephen Hawking a afirmar, em 2016, que “se as máquinas produzirem tudo aquilo que precisamos, o resultado dependerá da distribuição dos recursos. Pode dar-se o caso de que todas as pessoas alcancem um nível de vida elevado se a riqueza gerada pelas máquinas for partilhada, ou, por outro lado, de que grande parte da população seja votada à pobreza profunda caso os proprietários das máquinas consigam fazer lobby contra a distribuição da riqueza. Até agora, a tendência parece aproximar-se da segunda hipótese, com a tecnologia a fomentar a crescente desigualdade.”

A distribuição da riqueza gerada depende, hoje como sempre, de escolhas coletivas. O desafio que enfrentamos é o de desenvolver formas de distribuir os ganhos da tecnologia e contrariar a tendência para o aumento histórico da desigualdade. Uma das formas de o fazer é através de uma reorganização do tempo de trabalho e da sua distribuição – a robotização pode contribuir para que trabalhemos menos horas semanais e diárias, como já tinha sido sugerido por Marx e, mais tarde, por Keynes. Por outro lado, o investimento na formação e qualificação das pessoas deve ser feito através da promoção pública da educação, de forma a permitir que a aprendizagem seja feita ao longo da vida, como recomenda a Organização Internacional do Trabalho. Além disso, a reconversão ambiental das economias tem potencial para gerar novos empregos sustentáveis.

Por outras palavras, embora os robôs possam substituir vários postos de trabalho, não acabarão com o emprego. Precisamos, por isso, de recuperar a promoção do pleno emprego como política fundamental nas sociedades democráticas; de outra forma, não será possível combater a crescente desigualdade e operar a redistribuição necessária da riqueza. O futuro do trabalho é o que fizermos dele.

10 comentários:

Jose disse...

« o investimento na formação e qualificação das pessoas deve ser feito »

Eis um ponto decisivo.
Acontece que o factor determinante é que as pessoas invistam tempo e determinação na sua formação e qualificação.
Ora acontece neste país e nesta área, 'investimento' significa no essencial orçamento de Estado, salários de professores, número de assistentes nas escolas...
Dizer à grunharia de pais e alunos que querer aprender e trabalhar é o factor decisivo não se ouve nunca!

Vicente Ferreira disse...

Caro José, o problema não é que as pessoas "não queiram aprender", mas que muitas vezes não tenham condições para isso (falta de dinheiro, de tempo, de oportunidade). Daí a necessidade de promover a educação pública e gratuita, acessível a todos.

Daniel Ferreira disse...

Tenho de concordar com o José... e com o Vicente

Há os que não entendem, e não transmitem a valorização da aprendizagem ao longo da vida: chegam aos 40, sabem o mesmo que a 20 anos atrás, e vêem-se ultrapassados pelos mais novos. "Vem para aqui estes putos novos, pensam que sabem mais que eu!" e se calhar até sabem!

Há os que percebendo a necessidade de aprendizagem ao longo da vida, não têm a oportunidade ou condições de o fazerem: a nivel superior, a falta de cursos de especialização adequados (quantos cursos de "mestrado em teoria da quadratura do circulo"?!) ao custo de acesso ao ensino superior: propinas, material, deslocações...?
A nivel secundário, a falta de cobertura de formação para adultos: o que aconteceu aos centros Qualifica?! Quantos não respondem às reais necessidades? Veja-se Torres Vedras, onde o centro Qualifica abrange acima do B3, deixando de fora todo o 1º e 2º ciclos do ensino básico, numa região com muita população a precisar desse nivel de formação!
Soma-se ainda a falta de apoio empresarial para acompanhar a aprendizagem em adulto: quantos empregadores valorizam novas qualificações? Quantos apoiam, financeiramente ou bastando facilitar a frequência de formação? Com uma larga base de patronato com apenas a 4ª classe, passa a ideia "não precisei de mais para ser patrão" ou "não precisas de saber mais para o que fazes!", perpetuando a ignorância e baixas qualificações.

Os apoios estatais dados a este tipo de empresas deviam começar a valorizar a aprendizagem ao longo da vida para os empregados: "queres dinheiro para uma nova fábrica? quantos engenheiros vais contratar? quantos trabalhadores dos quadros vão aumentar qualificações?"

Jose disse...

Caro Vicente, tudo isso é obviamente importante e educação gratuita e acessível a todos está disponível há largos anos em significativos níveis do ensino.

O que quero fazer notar é o silêncio quanto â necessidade/dever do querer aprender e trabalhar para isso.

Geringonço disse...

Eu acho curioso o pessoal ainda levar o troll Jose a sério, um tipo que, provavelmente, nunca fez a ponta de um corno na vida...

Anónimo disse...

Caro Daniel Ferreira, a vontade de aprender deve ser livre e não compreendo porque associa isso ao tema robotização e emprego. O desemprego é uma opção colectiva da sociedade.

Anónimo disse...

Nao existe sociedade civilizada sem pleno emprego.

S.T. disse...

Pois...

Temos o exemplo do relapso Sr. José que continua repetidamente a dizer disparates e se recusa a aprender economia apesar de ser sistematicamente corrigido nas suas atoardas. LOL

S.T.

Pedro de Souza disse...

Na medida em que se possa fazer uma comparação com a digitalização ou informatização acho que a robotização vai significar um aumento de trabalho para o cidadão comum. Assim como o Estado delega hoje aos cidadãos boa parte das funções que desempenhava, nos impostos, saúde, telecomunicações etc. podemos pensar que as indústrias e o comércio, como já acontece hoje com a IKEA, vão distribuir os seus produtos meio acabados, e que caberá ao cidadão terminar de montar etc. Felizmente dada a minha idade já não terei de enfrentar mais essa tranformação.(!) E acho que muitas pessoas não aceitarão esse "aformigamento",e criarão sociedades à parte, que não serão forçosamente ilegais. Os muito ricos, por exemplo, e os muito pobres. Mas entre a classe média, se existir ainda, também certamente vão se criar "seitas" cujos membros não aceitarão ser apenas números (fora da seita). Também não creio que a economia dirigirá a nossa sociedade para sempre. Essa proeminência é muito recente. E já está sendo muito contestada. Novas formas de governo aparecerão, onde a economia não terá muita importância. Creio que as migrações, que ao contrário do que se diz não são consequência da economia ou da política, mas sim da natureza humana, da cultura no sentido lato da palavra, são um começo da subalternização da economia. Porque as pessoas não estarão disponíveis para a mobilidade que o neo-liberalismo espera delas. Nos países do norte talvez, porque são países onde as estruturas sociais estão muito abaladas já, mas não nos do sul e menos ainda no terceiro mundo. Por isso os refugiados não querem ficar em Portugal, por exemplo.

Pedro disse...

Não sei se esta vai passar a censura do blog, mas lá vai.

Não é verdade que as revoluções tecnológicas absorvam automaticamente o desemprego provocado pelo fecho de actividades anteriores.

Na revolução industrial não foi isso que se viu.

Não é verdade que os trabalhadores agrícolas e artesanais tenham transitado calma e eficazmente para empregos nas fábricas.

Muitos transitaram foi para a mendicidade, o crime e a prostituição que encheu as grandes cidades. Muitos transitaram diretamente para o caixão por fome e exposição.

E ainda houve a grande válvula de escape da época - a emigração em massa para o "novo mundo". Ás vezes massacrando os habitantes locais...

Coisa que não se pode repetir porque já não há "novos mundos" para "descobrir" no nosso planeta e as populações do terceiro mundo, embora mais fracas, já possuem armamento suficiente para resistir a tentativas de extermínio.

Sendo assim, terá de haver vontade política para absorver eventuais massas de desempregados.

Ora, atendendo aos constantes tiros nos pés que a esquerda dá, com casos como o Robles, apoios a ditaduras de esquerda, incitamento á violência racial ou censura nas suas caixas de comentários… O mais provável é a direita continuar a ganhar todas as eleições e para a direita o desemprego é bom.

Com a esquerda e direita que temos estamos bem tramados.

Se quiserem censurem também esta. Assegurem que perdem mais um voto.

Passo a passo vocês conseguem perder as eleições todas.

Yes you can !