quarta-feira, 4 de julho de 2018

Sobre o ensino de Economia em Portugal

No início do mês passado, em entrevista que pode ser lida aqui, o então presidente do ISEG, Manuel Mira Godinho, defendeu que “o ISEG é reconhecido por ser uma escola onde se combinam diferentes abordagens metodológicas e doutrinárias”. No que ao ensino de Economia diz respeito, a afirmação é manifestamente exagerada. Na verdade, o ISEG segue a tendência curricular verificada no meio académico um pouco por toda a parte, que em nada se aproxima de uma abordagem pluralista da disciplina. Importa, por isso, desmontar alguns equívocos em torno desta questão. É esse o tema do presente texto.

Um oportuno estudo realizado em 2015 pelo Coletivo Economia Sem Muros, grupo de estudantes da Universidade Nova de Lisboa que recolheu dados referentes à licenciatura em Economia nas várias faculdades do país, revela um panorama nacional bem menos pluralista e abrangente do que o acima descrito.

Por um lado, encontramos uma presença reduzida de cadeiras acerca de realidades económicas concretas, grupo nas quais se incluem cadeiras como História Económica ou Economia do Desenvolvimento.


Este conjunto de cadeiras representa apenas 6,2% do total de créditos das licenciaturas analisadas, como nos mostra o gráfico. Se este peso relativo parece pequeno, olhemos para o espaço concedido a cadeiras de História do Pensamento Económico: menos de 1% do total de créditos da licenciatura.


Na verdade, no ISEG a cadeira nem sequer figura do plano de estudos da licenciatura. Podemos conceber uma disciplina em que se “combinam diferentes abordagens metodológicas e doutrinárias”, sem no entanto se estudar a história da disciplina e das diferentes abordagens?

Um terceiro aspeto relevante é a desproporção do peso atribuído a métodos quantitativos (nos quais se incluem cadeiras de Cálculo, Álgebra ou Estatística), em comparação com o gráfico anterior – estes métodos ocupam um quinto da licenciatura.


Mais difícil de compreender é o peso atribuído a cadeiras relacionadas com técnicas de gestão (Gestão, Marketing, Contabilidade, Empreendedorismo, entre outras).


Os números apresentados pelo estudo deste Coletivo são, por isso, pouco animadores. No entanto, os problemas do ensino de Economia na licenciatura não se resumem a uma questão de espaço das diferentes cadeiras no plano de estudos.
Precisamos também de olhar para o conteúdo e o método de ensino das principais cadeiras de teoria económica (Macroeconomia, Microeconomia, Teoria Monetária, entre outras). Um exercício simples de análise dos principais manuais utilizados como bibliografia destas cadeiras (os exemplos mais comuns são os manuais Economics, de Paul Krugman e Robin Wells; Macroeconomics: A European Perspective, de Olivier Blanchard, Alessia Amighini e Francesco Giavazzi; ou Intermediate Microeconomics, de Hal Varian) revela o estado do ensino da teoria económica – nestas cadeiras, apenas é lecionada aquela que podemos considerar a herança da síntese neoclássica e neo-keynesiana, dominante na disciplina.

Ora, não é necessário explicar aos leitores e às leitoras que esta é apenas uma das correntes de pensamento que constituem a Economia enquanto ciência social plural. Os estudantes de Economia podem completar a sua licenciatura sem nunca terem sido expostos a outras correntes de pensamento (dos austríacos aos pós-keynesianos, institucionalistas ou marxistas, passando pela abordagem neo schumpeteriana da complexidade ou mesmo por ramos disciplinares que têm conquistado maior destaque no meio académico, como a abordagem comportamental). A falta de confronto entre teorias faz com que a que é lecionada seja aceite de forma acrítica como versão única e definitiva da teoria – “a Economia”.

A afirmação inicial de Mira Godinho é, por isso, exagerada – o ensino de Economia no ISEG, bem como nas restantes faculdade do país, tem-se tornado cada vez menos pluralista e completo, abdicando do conflito científico para dar lugar a um certo conformismo com o pensamento dominante. É difícil conceber que um ensino desta natureza promova a reflexão crítica que se pretende de estudantes universitários.

Embora o ensino de Economia revele manifestos problemas estruturais, a verdade é que estes têm sido alvo de pouca (ou nenhuma) preocupação por parte da maioria do corpo docente. A criação de dois núcleos de estudantes que contestam o monolitismo dos atuais planos de estudos (o Coletivo Economia Sem Muros, na Universidade Nova de Lisboa, e o Colectivo Economia Plural, no ISEG) veio exigir alguma atenção a esta questão, embora o movimento estudantil não seja ainda suficiente para concretizar uma reforma necessária do currículo das licenciaturas. Podemos ainda registar iniciativas como as que têm sido organizadas pelo Grupo Economia e Sociedade, ou por alguns docentes do ISCTE (ver aqui), que têm contribuído para a promoção do debate sobre os problemas do ensino de Economia.

Este é um debate que devemos promover com empenho – afinal, a profissão é demasiado influente para que possamos aceitar uma formação académica tão incompleta como a atual.

7 comentários:

Aónio Eliphis disse...

De facto tem razão Vicente Ferreira, também denoto uma corrente de pensamento dominante por parte de economistas, principalmente na mídia, que advoca de forma acrítica as teorias neoclássicas e neoliberais. Pluralismo faz falta; mas prescindir do Cálculo (Análise Matemática), a componente que de facto transmite o caracter verdadeiramente científico à Economia (há quem considere que as ciências sociais não passam de pseudociências) em benefício de história ou marketing é, de facto, reduzir o caracter científico da matéria. Por isso, a haver transferência de créditos e de saberes, é de marketing e gestão e todas essas tretas capitalistas da banha da cobra, para a história do pensamento e por aí, e jamais remover peso às estatísticas e matemáticas. A bem da Economia!

Anónimo disse...

É pá, começam a enjoar estes textos de pseudo-ciência do joão Pimentel Ferreira , aqui sob uma das suas centenas de nicknames, o de aonio eliphis.

Este tipo tem um texto em que demonstra que não sabe nada de economia política. Como se demonstra aliás com esta treta sobre o carácter “ científico” da economia

E tem textos em que demonstra que da matemática é um charlatão. E esta frase aqui dita pode ser documentada

Nem se apercebe do ridículo bacoco da referência às “ ciências sociais”. Está de acordo com a “falha mesozóica” com que debitava as suas ignorâncias sobre os assuntos

Anónimo disse...

A economia deveria ser ensinada nas faculdades de ciências sociais e humanas, das quais é apenas um ramo... mais bem pago. Quanto à gestão e outras contabilidades trata-se de disciplinas de curso técnico; por mais bem pagas que sejam não têm carácter científico nem universitário.

Jose disse...

E os restantes 60%...

Anónimo disse...

60%?

Isto é o quê? A margem de lucro dos grandes interesses monopolistas ou oligopolistas?

Um fragmento de uma conversa privada com o seu quê de mafioso?

Ou apenas (mais) uma tentativa de atirar para o lado e não permitir uma reflexão séria sobre o que se denuncia no post?

S.T. disse...

A reforma dos programas de economia tem sido um dos temas desde o estalar da crise com alguem a perguntar:

“Any other profession that had proved so spectacularly wrong and caused such devastation would surely be in disgrace.”

A carapuça assenta como uma luva aos economistas da "escola de Chicago" que não só foram incapazes de antecipar a crise como continuam em negação acerca das suas causas.

Daí que a iniciativa de reforma dos curricula tenha partido dos alunos e não dos professores porque a lógica neoliberal instalou confortávelmente aos comandos do ensino da economia arautos da "escola de Chicago" excluindo cuidadosamente todos os heterodoxos.

O infame exemplo do abominável Neves que de vez em quando polui as emissões televisivas nacionais é disso exemplo.

É portanto um movimento alargado presente em quase todas as universidades do ocidente e por muito justa razão!

Alguns artigos:

"Yet look around at most of the major economics degree courses and neoclassical economics – that theory that treats humans as walking calculators, all-knowing and always out for themselves, and markets as inevitably returning to stability – remains in charge. Why? In a word: denial. The high priests of economics refuse to recognise the world has changed."

https://www.theguardian.com/commentisfree/2013/oct/28/mainstream-economics-denial-world-changed

"The need for a new economics curriculum without the present suicidal formalism"

https://rwer.wordpress.com/2016/11/13/the-need-for-a-new-economics-curriculum-without-the-present-suicidal-formalism/

Há quem pergunte:

"Is neoclassical economics a mafia? Sort of, says Christopher Hayes in a very well-written and very interesting piece in The Nation. He says orthodox economists are a close-knit group and are quick to penalize those among them or from outside who overstep the boundaries."

Isto numa página que agrega montes de links para artigos que contestam a "escola de Chicago". Aqui:

http://www.softpanorama.org/Skeptics/Financial_skeptic/Casino_capitalism/Pseudo_theories/chicago_school.shtml

Excerto:

"Chicago neoclassical economics school is a well known pseudo-science school, one of the pillars of Economic Lysenkoism (along with Supply Side Economics). This is an economic cult, an ideology of financial oligarchy. So it is more proper to this school not neoclassical, but as aptly suggested by Bill Black “theoclassical” or Chicago Ponzinomics. It is a neoliberal phenomenon, not neoclassical. High level of support by financial oligarchy was crucial for it break into mainstream and even (despite compete absurdness of its postulates) make it dominant during 1980-2000.

Like in Lysenkoism, and high demand sects anybody who strays from the cult is in danger of being ostracized."

E um artigo já de 2014 mas com um enunciado de reformas e opiniões sobre o rumo a seguir:

http://economistsview.typepad.com/economistsview/2014/05/the-mainstream-economics-curriculum-needs-an-overhaul.html

Divirtam-se!
S.T.

Karl-Keynes disse...

Se é assim, então os atuais cursos de Economia valem tanto para a economia real, como os "cursos" de medicinas alternativas valem para a cura real de doenças: zero.
Estamos de facto perante um culto, e não perante um saudável ambiente universitário.

Ensinar teorias económicas que nem prevêm crises, nem as conseguem explicar mesmo depois de acontecerem, é como colocar médicos em hospitais a receitarem medicamentos escolhidos pela indústria farmacêutica, sem sequer saberem fazer o diagnóstico primeiro...

Quanto à Análise Matemática (Cálculo), daquilo que estudei em Informática, um especialista nisto pode não perceber patavina de Economia, e um bom Economista pode perfeitamente viver sem ser grande entendedor desta cadeira.

Do que tenho observado, para se ser bom Economista é preciso acima de tudo perceber/intuir as dinâmicas sociais, e estar bem intencionado para pôr a Economia ao serviço dos cidadãos, em vez de pôr os cidadãos ao serviço do Establishment que usa o seu fanatismo Ortodoxo para manter o status quo, à custa de boa parte da população.

Não se ensina Marx, que tanto acertou e continua a acertar desde o mais famoso estudo sobre o Kapital, mas ensina-se uma pseudo-ciência como a Trickle-Down de Chicago... já nem nas Universidades há vergonha na cara!