quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Um combate decisivo (I)



Alegre deu o tiro de partida para as presidenciais de 2011. Cavaco tem pouca margem para não ir a jogo, até pela forte probabilidade de ser reeleito, o que não quer dizer que sejam “favas contadas”: saiu fragilizado do caso das escutas e Alegre é um candidato forte. Além disso, essas eleições serão decisivas e poderão ser tão polarizadas como as de 1986, logo bastante renhidas e participadas. Vejamos porquê.

Alegre tem sido identificado como excessivamente próximo do BE. Porém, trata-se de um histórico socialista (no passado mais próximo da moderação soarista do que do esquerdismo do MES) e aquilo que ele fez na legislatura passada foi chamar a atenção para duas coisas fundamentais. O registo autoritário e centrista da governação contradizia o ideário socialista e algumas promessas de 2005. Por exemplo, o braço de ferro com os professores e os ataques reiterados aos sindicatos contradiziam o valor do diálogo social e o objectivo, vertido no programa eleitoral, de envolver os professores nas reformas. A aposta nas qualificações, vertida no programa e pedra de toque dos valores socialistas, quadrava mal com o brutal desinvestimento no ensino superior. Último exemplo: algumas das alterações ao Código do Trabalho contradiziam o que o PS tinha dito, designadamente em 2005, e o ideário de reequilibrar as relações capital-trabalho. O eleitorado percebeu a inflexão: dados do European Election Study, baseados em amostras representativas, revelam que, para os portugueses, em média, o posicionamento ideológico do PS passou de 4,7, em 1999, para 5,5, em 2009 (na escala usada, isto é, de 1, esquerda, a 10, direita, 5,5 é precisamente o centro). Mas o eleitorado também rejeitou tal reposicionamento: dando a maioria mais curta ao vencedor (nas legislativas) desde 1987, e o maior apoio à esquerda radical desde 1985. Sócrates já percebeu isto e começou a arrepiar caminho. Portanto, a estratégia da governação musculada e do centrismo foram derrotadas em 2009. Pelo contrário, Alegre foi premonitório e esse é um dos seus trunfos. Poderá ajudar a reconciliar o PS com o seu eleitorado desavindo e a conquistar o centro enfatizando certos valores (social-democratas) caros aos portugueses: os serviços públicos, o diálogo social, a efectiva valorização da educação (com exigência para todos e com autoridade dos professores), o combate ao défice e às dívidas mas com equidade na distribuição dos custos dos ajustamentos, a importância da cultura no desenvolvimento do país, etc.

Primeira parte do artigo originalmente publicado no Público, 1/2/2010.

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