segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

As omissões e as opções do conselheiro de Cavaco

Vítor Bento acha que não criámos a "flexibilidade interna" para nos mantermos competitivos e que por isso não beneficiaríamos de um eventual impulso da procura gerado pelos países com excedentes comerciais, como é o caso da Alemanha. A avaliar pelos ganhos recentes de quota de exportação na UE (ver gráfico), a China sairia beneficiada. Já lá vamos. Antes notar que, como assinalou o economia.info, Vítor Bento parece continuar a ter relutância em responder directamente a quem o crítica. Enfim, parece estar a tornar-se hábito numa certa blogosfera económica e até acho que isto revela a natureza pouco plural de uma área, a economia, demasiado disciplinada.

Enfim, apesar de tudo estamos a avançar: já se reconhece o papel do contexto externo nos nossos problemas de inserção. É claro que se continua a insistir na "flexibilidade", palavra que na novilíngua neoliberal quer dizer, no campo das relações laborais, maior facilidade em transferir custos para os trabalhadores sob a forma de horários de trabalho baralhados e mais longos, custos reduzidos no despedimento, salários mais baixos e mais desiguais. Assim soa pior, não soa? É convergir com o capitalismo anglo-saxónico, o que como se vê dá bonitos resultados em termos de relações com o exterior. Notar ainda que o que Vítor Bento no fundo propõe é o que está implícito na arquitectura institucional europeia: com política monetária única e sem política orçamental, a variável de ajustamento é o trabalho, o que, obviamente, fará maravilhas pela motivação e pela dignidade dos trabalhadores...

É claro que não há como iludir a questão: Portugal, no quadro de um euro forte e de uma forte liberalização comercial, tem perdido para países como a China, que têm uma política cambial e industrial agressiva e um regime autoritário bem calibrado para reprimir espertezas sindicais. É todo um modelo. Já que no seu livro, Bento cita Dani Rodrik aqui fica uma citação para Bento retirada do último livro de Rodrik: "o facto de praticamente todos os países avançados terem embarcado no seu crescimento protegidos por barreiras alfandegárias e só terem reduzido a sua protecção subsequentemente oferece uma pista (...) No quadro de um conjunto de regras comerciais sensatas, os países industrializados teriam tanto direito de protecção dos seus arranjos sociais (...) como as nações em vias de desenvolvimento teriam de adopção de práticas institucionais divergentes".

Numa palavra, temos de regressar à intuição de Keynes sobre as virtudes de uma refragmentação controlada da economia mundial. Isto tem de ser feito através de mecanismos de correcção dos desequilíbrios internacionais em matéria de comércio e de investimento, o que terá de passar pela adopção de medidas ditas proteccionistas à escala europeia e nacional. Só assim podemos forjar uma política industrial capaz de beneficiar os sectores de bens transaccionáveis que desejamos promover e de construir um mercado interno europeu mais equilibrado e coeso.

4 comentários:

Carlos Pires disse...

As omissões dele são reais, mas as suas são maiores. Para além disso, as suas motivações (defender o governo) são muito piores que as dele.

rui fonseca disse...

"Isto tem de ser feito através de mecanismos de correcção dos desequilíbrios internacionais em matéria de comércio e de investimento, o que terá de passar pela adopção de medidas ditas proteccionistas à escala europeia e nacional"
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JR,
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Acerca do tema, transcrevo uma opinião de um insuspeito (e nobelizado) discípulo de Keynes:
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"With so many countries facing problems of their own, the United States can´t count on an export boom. Certainly, as I have noted, the entire world cannot export its way to growth. In the Great Depression, countries tried to protect themselves at the expense of their neighbors. These were called beggar-thy-neighbor policies, and included proteccionism (imposin tariffs and other trade barriers) and competitive devaluations (...). These are no more likely to work today than they did then; they are likely to backfire"
(Stiglitz-Freefall)
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A solução não passa, certamente, por reerguer as bandeiras alfandegárias.

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Já agora, é de muito mau gosto da sua parte, desculpe que lhe diga, continuar a referir VB como "conselheiro de Cavaco".
VB é conselheiro do PR, e não me parece que isso tenha alguma coisa a ver com estes assuntos. Discutam-se as ideias e deixem-se de fulanizações.
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Também é muito incongruente da sua parte acusar VB de não responder directamente. O que não é, obviamente, verdade. Basta ir ao blog da Sedes.
O que é verdade é que JR responde muito menos aos comentários que lhe são colocados aqui que VB no seu blog.
JR invoca razões de tempo e de estilo. Mas nega essas razões aos outros.

Talvez não lhe ficasse mal um pouco mais de humildade intelectual.

Afinal sabemos todos tão pouco do mundo em que vivemos, JR. Não sei se já deu por isso.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Julgo que não há muitas hipóteses de regressarmos tão cedo ao proteccionismo estúpido do passado, mas creio também que temos margem para um proteccionismo muito mais inteligente.

O proteccionismo a que não devemos regressar isolava mercados definidos geograficamente e identificados com territórios, os quais por sua vez eram definidos pelas fronteiras do Estado-Nação. Isto levava a que uma empresa, por mais economicamente eficiente e socialmente responsável que fosse, se visse impedida de vender em mercados - em territórios - que não fossem o seu, por muito ineficientes e socialmente irresponsáveis que fossem as empresas "donas" desses mercados.

Mas se não é boa ideia isolar territórios, nada nos impede de isolar práticas - já não através de taxas alfandegárias, mas sim, por exemplo, de taxas de IVA variáveis que premiassem as boas práticas e punissem as más. Nada nos impediria, neste cenário, de premiar uma empresa que operasse fora do nosso território nem de punir uma empresa que operasse no nosso.

Os bens e serviços à venda no mercado poderiam ser classificados de acordo com uma escala estabelecida em função das práticas das empresas envolvidas na sua produção, transporte e comercialização; e para avaliar estas práticas poderiam ser considerados critérios como os níveis e as diferenças salariais, a estabilidade no emprego, a duração real (e não apenas a legal ou contratual) dos períodos de trabalho, a previsibilidade dos horários e a sua compatibilidade com a vida pessoal e familiar, as taxas de sindicalização, a índole repressiva ou democrática dos regimes políticos, a generosidade dos regimes de protecção social.

Isto parece utópico? Não é. Quando um país fuzila sindicalistas, o que é isto senão proteccionismo económico? E qual é o problema de responder ao proteccionismo económico com proteccionismo social?

João Pedro Santos disse...

Discordando em absoluto das permissas do texto que no fundo apela para uma utopia autarcica que seria desastrosa (para a Europa e para Portugal), achei especialmente curiosa a expressão "medidas ditas proteccionistas" que parece indicar apesar de tudo um receio em assumir a defesa do "proteccionismo".

Refira-se que a posição da Europa no seu todo face ao exterior não é basicamente equilibrada e que os desequilibrios externos da Europa são acomodáveis pela política monetária. Os problemas da Europa são, feliz ou infelizmente, em grande medida endógenos e sobre eles recomendo a leitura desta crónica do Krugman (http://www.nytimes.com/2010/02/15/opinion/15krugman.html).