sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Radical?

Qual é o grau de devastação económica, tão assimetricamente distribuída, que a especulação sem freios e a proliferação financeira, geradoras de opacidade e de incerteza acrescidas, têm de causar para se começar a pensar em reformas substanciais – à escala nacional, europeia e mundial – da finança de mercado? Qual é o limite para a liberalização financeira, geradora se sucessivos pânicos e crises por todo o mundo desde os anos setenta? Lembram-se de como esta última crise começou em 2007-2008?

Em vez de andar a tentar distanciar-se da Grécia e a curvar-se perante os “mercados”, prometendo reduções do défice que não vai conseguir cumprir sem um “cataclismo” (Silva Lopes), míopes iniciativas votadas ao fracasso, o governo deve pensar numa solução política à altura das circunstâncias. Não sei se resulta, mas estamos num momento de escolhas trágicas em contexto de incerteza radical. Tempo da política a sério.

É então necessário tentar construir uma aliança, envolvendo as periferias europeias e países como a França, com um duplo objectivo: criar o mais rapidamente possível um fundo obrigacionista europeu para financiar situações de emergência e garantir que o BCE intervém nos mercados com todo o poder de um banco central. Isto significa pressionar a Alemanha, claro. Depois podemos começar a pensar em reconfigurar e limitar o alcance dos mercados financeiros antes que seja tarde de mais para a UE. Se calhar já é tarde de mais: inspirado em José Medeiros Ferreira, é caso para dizer que também os Almunias desta Europa andam à solta e sem rumo. Os mercados financeiros contaminam a política.

[Publicado, em simultâneo, no Arrastão]

3 comentários:

Luís disse...

Ainda vai chegar o dia em que o discurso autista deste blog vai ser chamado a dar contas à realidade.

Eivados de uma cartilha que é a face da mesma moeada do discurso desorientado do economiscismo, confundem economia com política, política com economia. Confundem!, não fazem nenhuma síntese de aproveitar.

O discurso "fácil" do endividamento; o discurso "fácil" do institucionalismo; o discurso "fácil" do "fundo obrigacionista"(!)

Eivados de um maniqueísmo sem concorrentes à altura desejam pressionar a Alemanha.. para quê não se percebe.. "construir uma aliança envolvendo as periferias europeias e países como a França".. que é que está aqui a França a fazer?! A França é tão hegemónica como a Alemanha; vide o novo plano de cooperação franco-alemão. Tomam os desejos por realidade; típico no discurso tomado pela máscara da ideologia.

O problema económico e financeiro de Portugal não vem nos manuais; por isso podem continuar a citar quantos bois quiserem que adianta o mesmo.. fazem todos parte da mesma "coligação negativa" do economicismo.

Enquanto não encararem de frente o problema reprodutivo fundamental: aquele da negação histórica das estruturas de autofinanciamento das economias da periferia não perceberam nada.

Falando à Zizek, o discurso de mais endivamento, "do fundo federal" é a "negação da negação" do mesmo negativismo histórico do capitalismo realmente existente; enquanto a superação só se poderá dar aquando da "negação da negação" da própria... estrutura prático-mental do organismo social! (!)(!)

Violeta Úria disse...

"Institutional reform is deeply political and should be explicitly recognized as such." (Khan, 2004)

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Nem de propósito: ando a ler o Karl Polanyi e vejo que propostas parecidas com estas foram feitas no fim do Século XIX e princípios do Século XX. Ninguém lhes ligou. O capital financeiro (na época chamava-se "alta finança") achou que as propostas eram utópicas, irresponsáveis e extremistas.

Foi precisa a guerra de 14-18 para muita gente se convencer que afinal eram viáveis, responsáveis e moderadas. Mas não toda a gente, nem por muito tempo. Nos anos vinte, a Europa tinha os mercados financeiros a condicionar de novo as decisões políticas.

A sociedade, diz Polanyi, encontra sempre formas de se defender dos mercados: o problema é que estas formas nem sempre são racionais. Desta vez foram irracionais de todo e levaram ao poder os fascismos e o nazismo.

No fim da guerra de 39-45, os mercados pareceram ter aprendido a lição; e mesmo nos casos em que a não aprenderam, a Guerra Fria encarregou-se de os policiar, obrigando-os a agir como se a tivessem aprendido.

Agora voltámos ao mesmo. A utopia dos mercados livres tornou-se de novo a ortodoxia vigente. Vai-se revelar de novo insustentável, como já se revelou duas vezes. Só espero que para isto não seja necessário um cataclismo ainda mais monstruoso que os dois que o mundo sofreu no século passado.