quarta-feira, 22 de abril de 2009

E se nem todas as crises do capitalismo fossem cíclicas?


A ideia de que depois da tempestade vem a bonança e depois do inverno a primavera ajuda-nos a viver com esperança, apesar de toda a incerteza. A retoma depois da recessão é o seu equivalente económico.

Evoca-se a retoma que vem lá para dois mil e tal para sugerir que o que estamos a viver é só intervalo. Mas será que a retoma tem mesmo de vir lá? Podemos acreditar nisso como se acredita durante a noite que o sol vai nascer?

As crises do capitalismo têm sido cíclicas, é verdade. Mas sendo cíclicas algumas delas deixaram para trás rastos de destruição indescritíveis (a de 29 “resolveu-se” com a II guerra) – e mudanças estruturais do capitalismo profundas (a de 29 deu origem ao capitalismo de bem-estar).

A ideia não é nova, foi Keynes quem descobriu: não existe nenhum mecanismo automático que nos permita sair de uma situação de deflação. Qual seria o ajustamento que permitiria restabelecer um “equilíbrio de pleno emprego”? Para um país, isoladamente, talvez a redução dos salários. Com custos salariais mais baixos esse país poderia exportar mais e portanto criar mais emprego. Mas isto é ficção. Nenhum país está isolado. Reduções de salários dum lado têm como resposta reduções competitivas noutros. E isto é o que se chama uma espiral deflacionista sem fundo à vista. A coisa não se resolve pois com descidas de salários, por muito que isso custe aos economistas trágicos (da linha velho FMI) que como terapia escolhem sempre sangrias mesmo quando o doente precisa de caldos de galinha.

Não havendo mecanismo automático resta a acção política coordenada. Diz-se que é isso o que se está a fazer. Mas o crédito continua a não fluir. Os mesmos bancos que emprestaram ao deus dará, apertam agora os cordões à bolsa. E nas circunstâncias que são as suas não seria de esperar que fizessem outra coisa. O problema como sempre resulta sobretudo das circunstâncias e não da velhacaria das pessoas, sem excepção para os banqueiros.

O que está a ser feito não chega. As revisões em baixa sucedem-se e a data da retoma avança de adiamento em adiamento. Mas é preciso esperar que as medidas façam efeito, dizem eles. A ideia de que depois da tempestade vem a bonança e depois da recessão a expansão serve de sedativo. Não admira que seja tão repetida pelos capitães deste enorme Titanic que insistem em ficar no posto a repisar os velhos hábitos, apesar de todos sabermos (eles incluídos) que são responsáveis pelo desastre.

9 comentários:

I disse...

Excelente post.A linguagem é clara e a exposição muito "clean".Permite-me que utilize o seu post(com o autor devidamente identificado, obviamente), numa das minhas aulas de economia? Virei aqui ler a sua resposta amanhã.Obrigada.

Tiago Santos disse...

Acho que o argumento do post tem muito a ver com a ideia de "no longo prazo estamos todos mortos", ou seja, quando uns dizem que em dois ou três anos, ou nem que seja 10 isto volta ao normal, o que temos de nos lembrar é do que vai acontecendo no entretanto: quantas familias terão de passar fome, quantas pessoas morrerão pelo mundo fora, quantas pessoas passarão a dormir na rua, quantas crianças ficarão com o futuro hipotecado?

É óbvio que se deixarmos morrer os desempregados acabamos com o desemprego...

João Pedro Santos disse...

Pessoalmente estou convencido que existe um erro fundamental em pensar que as crises do capitalismo tem algo de ciclico e tendo a conceber as crises como o resultado de "desequilíbrios" com carácter mais ou menos profundo e mais ou menos estrutural. Neste sentido são fundamentalmente desadequadas as comparações com fenómenos ciclicos (como sejam as estações do ano ou o dia e a noite). E também creio que, infelizmente, prinicpalmente em situações como aquela em que estamos a atravessar a política económica tem muito menos influencia sobre a economia do que o que geralmente se pensa (o que é diferente de pensar que não tem qualquer influenciar). Alguém disse que só há dois tipos de problemas: aqueles que o tempo cura e os que nem o tempo consegue curar. Não serei tão pessimista mas a verdade é que as correcções de desequilibrios com a dimensão dos que se acumularam nos últimos 10-15 anos é inevitavelmente um processo longo e doloroso cujos custos podem ser minorados mas não totalmente evitados. E, pelo contrário, é muito fácil agravar a dimensão desses problemas.

Anónimo disse...

E com estes novos dados, as nuvens da deflação começam a aproximar-se mais um pouco do céu português.

è realmente sintomático que os analistas alinhados pelo Império já andem todos a apontar datas de retoma.. como se quisessem dizer " andamos a mudar algumas coisas para que possa voltar tudo a ficar na mesma "... No fundo o que querem é a analogia da aspirina.

António

Filipe M. Reis disse...

acutilante desmontagem dos discursos tão em voga sobre as "oportunidades" que a "crise" representa e das paupérrimas versões do mito da fénix renascida que misturam psicologia barata com darwinismo social e económico que todos os dias "analistas" debitam nos jornais e televisões.nem a reversibilidade - tipo "os ricos que paguem a crise" nem a ciclicidade - tipo "Il gattopardo" - são hoje soluções aceitáveis. É mesmo preciso que tudo mude para que...tudo mude. Mas haverá nobreza para isso? Ou seja "acção política concertada"?

José M. Castro Caldas disse...

Caro I,

Obrigado pela ideia de utilizar o post numa aula de economia. Não podia desejar melhor destino para esta breve nota.
JMCC

I disse...

JMCC,

Muito obrigada pela atenção que deu ao meu comentário e pela permissão em utilizá-lo nas aulas .A crise actual não faz parte dos curriculos do 11º e 12º anos mas os garotos querem saber e questionam.E tenho lido tudo o que posso , no sentido de lhes satisfazer a curiosidade e interesse.De repente , tantas coisas ficam percebidas relativamente ao passado, quando nos encontramos no cerne desta crise!Esta é, obviamente , a minha opinião.

I( de Isabel:-))

José M. Castro Caldas disse...

Cara Isabel (desculpe o pressuposto sexista)

Pois é, os garotos perguntam e raros são os professores de Economia que lhes tentam sequer responder.
Já ouvi contar de um professor universitário de Economia que quando questionado pelos alunos se enerva:"Não me venham cá com essa história da crise outra vez!". Burro velho não aprende linguas, não é?

I disse...

Infelizmente é verdade que raramente "burro velho" quer aprender lingua!O que é lamentável, pois burro velho desde que não tenha Alzheimer é quem reúne melhores condições para racionalizar e equacionar as questões.Já temos a experiência não só da prática pedagógica, como a de vida que nos deveria dar alento (e a mim dá) para nos mantermos informados e sabermos transmitir a informação, motivando os alunos a buscarem-na também e, sobretudo, a pensarem.

Também tive muitos professores (no ISE agora ISEG) que coravam até às orelhas cada vez que eram questionados.às vezes também não sei a resposta.Adio-a , informo-me e depois respondo.
Mudando de assunto, se bem que também do foro económico:
Observo, nas minhas turmas , a forma como a actual crise está a influenciar os meus alunos(ensino secundário).Muitos tiveram que arranjar empregos.Trabalham e estudam.Quando lhes pergunto que tipo de trabalho estão a fazer , fico com uma vontade imensa de emigrar, se soubesse para onde.É que a actual crise está a fazer disparar não só o desemprego , como também o emprego precário entre jovens de 16-20 anos.Miúdos de 16 anos trabalham nas reposições de hipermercados durante a noite e, às oito da manhã estão nas aulas, a dormir, obviamente.Ganham uma ninharia quer nas reposições, quer nas bilheteiras de cinemas de centros comerciais, quer em lojas dos mesmos centros , no horário nocturno.Quando lhes pergunto se querem estatuto de trabalhador-estudante, respondem que não...porquê? porque não dispõem da papelada que lhes daria direito a ter esse estatuto...E quando em "cavaqueira"fora da sala de aula atiro o barro à parede para tentar perceber quanto ganham por mês, as respostas são duzentos e tal euros, trezentos euros...
Eu não tenho qualquer dúvida sobre a minha afirmação inicial: a actual crise fez disparar a precaridade do trabalho jovem.
Mas estas coisas não se podem dizer, não é?:-)