terça-feira, 13 de maio de 2025

O humor é uma arma...


Contra quem? Neste caso, contra as expressões políticas das frações mais reacionárias da burguesia – Chega e IL. São duas faces políticas da mesma moeda única, a que produz a política única, a impotência democrática, num país saturado de iniciativas liberais até dizer chega há décadas. 

Neste contexto, há quem julgue que o antifascismo implica colocar a convergência política acima da substância programática. O antifascismo exige, antes de tudo, uma convergente identificação dos principais fatores que favorecem a ascensão dos novos rostos do fascismo e o estabelecimento de uma fronteira do antagonismo que inclua e que exclua politicamente, partindo de um programa tão patriótico quanto generoso de defesa das liberdades democráticas em sentido amplo, começando pelos locais onde se trabalha. 

No presente contexto, é o euro-liberalismo armado que reforça decisivamente as tendências de fascização na UE, com a erosão dos Estados sociais de base nacional, com a flexibilização das regras austeritárias para efeitos de corrida armamentista, com a capitulação da social-democracia e dos verdes com bombas a abrir caminho à desesperança e ao medo em amplos setores populares. 

O antifascismo em Portugal terá de ter sempre como ponto de partida a defesa da Constituição nos seus traços que vão às raízes do problema, como insisto em livro, que, se tudo correr bem, sairá até ao verão – A economia política do antifascismo e outros ensaios. 

Aliás, não é por acaso que os liberais até dizer chega odeiam a Constituição. Afinal de contas, e apesar das sucessivas revisões que a amputaram de muitas das conquistas socialistas, a Constituição da República Portuguesa (CRP) contém uma base, tão antifascista quanto anti-imperialista, para uma alternativa. Tem, simultaneamente, o conteúdo necessário, o programa necessário e a possibilidade de concretização. Porque é (ainda) letra e não apenas desejo. 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Quem ganha com a descida dos impostos às empresas?

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Os impostos sobre as empresas foram um dos temas que dominou o debate do último Orçamento do Estado e voltaram a ter destaque nesta campanha eleitoral. A descida do IRC tem sido apresentada pelo governo como a bala de prata para promover o crescimento em Portugal e foi eleita como prioridade dos próximos anos, caso o governo seja reconduzido nas eleições do próximo fim de semana.

Quando se discute a tributação sobre as empresas, é frequente ouvir-se o argumento de que Portugal tem a taxa estatutária mais alta da União Europeia. Mas a verdade é que é muito difícil - para não dizer impossível - encontrar uma empresa que a pague. Quando olhamos para taxa média efetiva - isto é, a taxa que as empresas pagam efetivamente, depois de descontados os benefícios e deduções -, o valor é muito inferior: em 2023, foi de 18,5%, de acordo com os dados mais recentes da Autoridade Tributária.


As taxas de imposto que as empresas pagam efetivamente não só são bastante mais baixas do que a taxa máxima, como têm vindo a diminuir em praticamente todos os setores da economia nos últimos dez anos. Neste cenário, é difícil argumentar que uma nova redução marginal do IRC tenham um impacto muito expressivo sobre o investimento do setor privado.

Tendo isso em conta, a questão que se coloca é: quem ganha verdadeiramente com a medida? Quando olhamos para os dados da AT sobre a distribuição do IRC liquidado por dimensão das empresas, o que vemos é que mais de metade da receita é paga pelas empresas com volume de negócio superior a 25 milhões de euros, que representam... menos de 1% do tecido empresarial do país.


Além disso, se olharmos para o IRC liquidado por setor de atividade, mais de metade da receita é proveniente de cinco setores: o setor financeiro, o imobiliário, a construção, o alojamento e restauração e o comércio.


Estes dados dizem-nos duas coisas:

1. Uma redução do IRC beneficia de forma desproporcional as grandes empresas;

2. A maior parte dos ganhos concentra-se em setores com pouco potencial para a transformação estrutural da economia e que, com níveis de receita e de lucros avultados nos últimos anos, não precisam de incentivos.

Apesar deste cenário, os defensores da medida costumam argumentar que a redução do IRC permite atrair investimento estrangeiro. Há várias décadas que esta ideia serve de justificação para a corrida para o fundo na tributação das empresas um pouco por todo o mundo e, em especial, nos países europeus, sem que isso tenha impedido a estagnação do investimento no continente.

No entanto, podemos dizer que uma redução do IRC promoveria o crescimento da economia? Um artigo publicado na European Economic Review, onde é feita uma revisão de dezenas de estudos empíricos, mostra que os resultados são inconclusivos: os estudos existentes não nos permitem afirmar que baixar impostos às empresas estimularia necessariamente o crescimento.


Mesmo os estudos mais otimistas, que assumem que as empresas aproveitariam a descida do IRC para reinvestir e aumentar salários - e não para aumentar a distribuição de dividendos -, reconhecem que a medida gera uma perda significativa de receita do Estado, o que é especialmente relevante se tivermos em conta que os estudos empíricos sugerem que o investimento público tende a ter um impacto mais positivo para a economia do que os cortes de impostos.

É um erro olhar para a descida de impostos como a resposta para os problemas de fundo da economia portuguesa. O que sabemos é que as principais beneficiadas desta medida serão as empresas que menos precisam.


Mais sobre a economia portuguesa




Hoje, em Lisboa


A partir das 17h30, no Instituto de Ciências Sociais (Sala Maria de Sousa), debate promovido pela Rede H. Com Susana Peralta (economista), Helena Roseta (arquiteta), Simone Tulumello (geógrafo), Luís Mendes (geógrafo), Rita Silva (economista política) e Gonçalo Antunes (geógrafo).

sábado, 10 de maio de 2025

Um jornal luminoso


A rede elétrica — fulcral para qualquer transformação ecológica, de acordo com o consenso das forças sociais que se concentram em torno das energias renováveis — reflete, por isso, a mesma colonização que outros sistemas infraestruturais sob condições neoliberais: estrutura-se para dar gás a empresas financeirizadas, enquanto estas exigem, a Estados depauperados e sociedades às escuras, que suportem os custos de qualquer investimento adicional que ocorrerá, sem dúvida, sob a égide das únicas entidades hoje capacitadas para mobilizar conhecimento e planear sistemas, a saber, essas mesmas empresas. 

Obviamente, houve quem se apressasse a exigir o costumeiro resgate neoliberal em troca da segurança quotidiana: se querem uma rede mais resiliente, os custos adicionais terão de ser suportados pelos consumidores ou pelo orçamento do Estado. E, provavelmente, não será compensador. Um apagão a menos por cada vinte simulações não é compensador. Pelo menos do ponto de vista dos acionistas da EDP: em abril de 2024, a empresa aprovou a distribuição de 812 milhões de euros em dividendos. Até ao fim de maio de 2025, a REN distribuirá mais de 100 milhões. Estes números não incluem a recompra de ações. O apagão não apagou a obrigatoriedade da remuneração do capital investido. 

Entretanto, a Agência Internacional para a Energia tem chamado a atenção para a necessidade de se pensar na adaptação das redes elétricas como componente fundamental da segurança energética do futuro. Se o futuro é elétrico, as redes construídas nas últimas décadas precisam de investimento. E a União Europeia, ultimamente ocupada com uma resposta financeira com 800 mil milhões de euros de voltagem à sua (construída) impressão de ameaça militar, já nos ofereceu uma quantificação deste megaprojeto infraestrutural: 584 mil milhões de euros. Resta saber se, mais apagão ou menos apagão, o investimento em infraestruturas críticas passa a ser mais importante do que a despesa em armas acríticas.

Luís Bernardo, Portugal apagado e a União rearmada, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, maio de 2025. 

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Ainda, e sempre, Francisco


Para quem viveu a infância e a adolescência num contexto enraizadamente católico e conservador, à procura de um nexo entre a fraternidade simples da mensagem cristã e a doutrina católica que tantas vezes a renegava, a escolha de Francisco para liderar a Igreja, décadas depois, e mesmo que tardia para a fé, assumiu um significado absolutamente singular e avassalador.

Em artigo publicado a 21 de abril, dia da morte do Papa Francisco, João Costa identificou, de forma certeira, a distinção relevante: «Todos os Papas, ao longo da história, foram católicos. Nem todos os Papas foram cristãos. O Papa Francisco foi-o, porque soube sempre posicionar-se do lado do amor, da recusa da segregação e do ódio».

Reside aqui, de facto, a separação de águas que permite resolver o desencaixe entre a mensagem de Cristo e o catolicismo mais atreito ao dogma, à ideia de pecado e de culpa, ao julgamento do outro, juízo final e à fé que não se discute, que se impunham em meios onde as diferenças de classe, os estatutos sociais e as hierarquias eram inquestionados, fomentando uma certa cultura de subserviência e de ordem natural das coisas.

A rejeição veemente de tudo o que pudesse, no campo político, ser associado a comunismo ou socialismo, em muito alimentada pela narrativa das aparições de Fátima, com a conversão da Rússia, era talvez a expressão mais forte desta dissonância entre Cristo e Igreja. Como se a máxima «ama o próximo como a ti mesmo» tivesse mais que ver com o individualismo e o exercício discricionário da caridade que com o sentido de comunidade e de verdadeira igualdade.

É por isso que Francisco não foi, não é, apenas mais um Papa. Francisco foi o pontífice que, até hoje, melhor soube interpretar e encarnar, pela palavra e pelos gestos, a mensagem cristã, afirmando-a como prática concreta para este mundo e não o outro. Com a coragem de denunciar «a economia que mata» e a riqueza obscena, a indiferença pelas desigualdades e todas as formas de opressão e exclusão, na defesa da dignidade humana e da Terra como «Casa Comum». Com um espantoso sentido de humildade, alegria e simplicidade.

Fecharam-se há dois dias, para eleger o novo Papa, as portas da Capela Sistina. O escolhido, Robert Francis Prevost, surgiu ontem na varanda do Vaticano com um ar afável, conhecedor e despretensioso. Um bom sinal, a que se soma o da palavra que mais repetiu: Paz. E mais outro: a escolha de Leão XIV para nome pontifício, evocando as origens da doutrina social da Igreja, na senda de Francisco. Confiemos pois que dará continuidade à mudança iniciada por Jorge Bergoglio, num mundo que precisa de pensamento ciente e vozes determinadas, que não pactuam nem transigem.

Dia da Vitória


Já estou na Rússia para participar das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória, que marcou o fim da Segunda Guerra. Esse dia, que define a vitória contra o nazismo. A vinda à Rússia reafirma nosso compromisso com o multilateralismo. Iremos assinar acordos de cooperação em Ciência e Tecnologia e buscar a ampliação das nossas parcerias comerciais.
Lula

Hoje é o Dia da Vitória. Ontem, em Berlim, proibiram símbolos soviéticos. Querem apagar a memória para favorecer o belicismo. São os mesmo que apoiam o genocídio do povo palestiniano. A União Soviética fez tanto pelo anticolonialismo, antes e depois de ter dado o maior contributo para a derrota do nazifascismo. 

No Dia da Vitória celebra-se em Moscovo. Lula está lá, tem memória nos oitenta anos. Tendo condenado a invasão russa da Ucrânia, sabe que a guerra não começou em 2022 e que é preciso falar com todos para que haja paz, ao mesmo tempo que favorece um mundo mais multipolar, para lá da propaganda da NATO, e que cuida dos interesses brasileiros. 

E, não, a União Europeia, criada pelo Tratado de Maastricht, não merece ser celebrada, o austeritário euro-liberalismo armado nela inscrito tem de ser combatido com a força da razão, com a força da democracia de base nacional.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Lã, neve, memória, futuro


Horácio, o jovem pastor de Manteigas que em
A Lã e a Neve sonhava com uma vida digna na Covilhã, trocando a serra e o pastoreio pelo trabalho na fábrica, é hoje mais do que uma personagem — é símbolo de uma luta que continua. Quis uma casa para viver com Idalina, uma família, um futuro. Mas viu-se confinado a um casebre. 

Como é possível que, ainda hoje, tantos Horácios continuem à procura da casa a que têm direito? Como é possível que, 80 anos depois, o acesso à habitação continue a ser negado a quem trabalha, a quem sonha, a quem constrói esta terra todos os dias? 


Por acasos da vida, cheguei tarde à leitura de Ferreira de Castro, agora muito bem reeditado pela Cavalo de Ferro. E o que andei a perder. Só há umas semanas li A Lã e a Neve. É o romance de Ferreira de Castro que mais se aproxima do neorrealismo, aprendi isso num livro sobre esta corrente que me foi recomendado por um amigo. E melhor coisa no mundo não há: livros que são amigos, amigos que são livros. 

Enfim, também por acaso, tive de ir à Universidade da Beira Interior, na Covilhã, participar numa conferência sobre interdisciplinaridade, organizada por alunos do mestrado de ciência política, uma semana depois de ter acabado o livro. 

Lá citei uma passagem deste romance fulgurante, o melhor que conheço a retratar, com empatia profunda, o que era empobrecer e envelhecer a trabalhar nos lanifícios durante a guerra e depois, ao fim de décadas, ser despedido sem mais, sem direito a nada mais do que a sopa dos pobres, a esmola e, vá, a um dinheiro do “sindicato” que dava para duas ou três refeições numa semana. 

Um romance que tem lá dentro serra e fábrica, vida e morte, luta de classes e consciência social. Está lá tudo, incluindo a questão da habitação, ponto de encontro de tudo o que é substancial. Há ali uma vontade de “habitar a substância do tempo”, digamos. 

E citei este romance, porque há muito que argumento nas aulas, o que também fiz desta vez: lede romances, romances com sociedade lá dentro, não há nada melhor para cultivar a empatia, para conhecer de dentro para fora e de fora para dentro outras vidas, a variedade de circunstâncias e motivações humanas nestes e noutros tempos e espaços; sereis melhores pessoas, melhores profissionais, melhores cidadãos. 

Quereis saber o que é perder tudo e ter fome na Grande Depressão, por exemplo? Lede As Vinhas da Ira. Ciências sociais e humanas, sem separações. Não há maior alegria profissional do que me dizerem: obrigado, li, etc. Os livros mudam-nos. 

Bom, lá falei de economia política, do Estado social enquanto configuração socialista que deve proteger quem cria tudo o que tem valor, falei de trabalho, do desencontro entre a ciência política e a economia em Portugal. 

Defendi que a economia dominante no nosso país finge que lida com questões económicas politicamente resolvidas e que a ciência política dominante finge que lida com questões políticas economicamente resolvidas. 

O resultado é que, ao contrário do que acontece lá fora, não se estuda, com escala relevante, o capitalismo histórico nacional. Há um défice de economia política e logo de política económica com propósito social. Já estivemos pior, dados os factos brutos que se vão impondo e o esforço intelectual coletivo, mas continua a ser muito insuficiente.

Imagino, porque tive contacto com parte da sua biblioteca, que este tipo de problemas já preocupasse Ferreira de Castro. Gosto de pensar que sim. Seja como for, haja quem se lembre dele, quem se lembre. Há memórias que estão prenhes de futuros.

Spasibo


Todo o ser humano que ama a liberdade deve ao Exército Vermelho mais do que conseguirá pagar numa vida. 
Ernest Hemingway

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Os tempos da educação e as obsessões de Crato

De tempos a tempos, Nuno Crato vem a público com a banha da cobra habitual: no desempenho dos alunos portugueses em testes internacionais, «Portugal teve uma notável subida até 2015, seguida de uma preocupante descida». Sim, 2015, o «ano em que obtivemos os nossos melhores resultados internacionais de sempre», acrescenta, em auto-aclamação infundada, o ministro da Educação da maioria de direita que governou entre 2011 e 2015.

De facto, assim que o PISA 2015 foi divulgado, Crato e a direita tentaram apropriar-se dos resultados, contornando sem pudor uma impossibilidade cronológica factual: como o PISA avalia apenas alunos com 15 anos de idade, a larga maioria dos que participaram no exercício desse ano fez o seu percurso escolar sem «beneficiar» das medidas do ex-ministro, como oportunamente aqui assinalou Maria João Gouveia. Ou seja, os tais «melhores resultados de sempre» não foram obtidos por «alunos de Crato», mas sim por alunos da por si designada «década perdida» na educação.


Como demonstra Maria João Gouveia, apenas 21% dos alunos que integraram a amostra do PISA 2015 foram abrangidos pelas Metas Curriculares de Crato para a Matemática (ver gráfico), subindo esse valor para 89% em 2018 (ano em que se mantém os 492 pontos alcançados em 2015), tendo já o total de alunos sido abrangidos pelas metas do ex-ministro no PISA 2022, quando Portugal cai para os 472 pontos de que Crato se queixa e que associa, convenientemente, às políticas educativas seguidas após o seu mandato. Ou seja, o ex-ministro que se apropria dos bons resultados que não são seus é o mesmo que rejeita os resultados mais baixos que refletem as suas políticas.

A obsessão de Nuno Crato com o «declínio da educação», perfilhada, aliás, pelo seu acólito João Marôco, tem dois problemas essenciais. Por um lado, como aqui assinalou Pedro Abrantes, «as políticas educativas (...) demoram vários anos entre o desenho (...) e a implementação nas escolas», não sendo sério «extrair conclusões imediatistas dos seus resultados». Por outro, a associação estrita e linear dos resultados a períodos de governação é analiticamente pobre, ao desvalorizar a riqueza das trajetórias cumulativas e dos tempos e contextos. No fundo, a mesma pobreza, falácia e falta de rigor em que assenta o racional dos rankings de escolas - como João Costa aqui assinalou -, e que Nuno Crato, curiosamente, tanto aprecia. Mera coincidência, claro.

Sabeis isso melhor do que eu


Fazer campanha é ter o privilégio de poder almoçar, em Ribeira de Frades, com mais de uma centena de sindicalistas de Coimbra. Eis o que lhes disse: 

Poderia dizer-vos que o trabalho cria tudo o que tem valor, mas vós sabeis isso melhor do que eu. Poderia dizer-vos que sem um movimento sindical forte e atuante não há Estado Social de Direito Democrático, mas sabeis isso melhor do que eu. Poderia dizer-vos que a redução dos direitos laborais das últimas décadas implicou um aumento dos direitos patronais, mas sabeis isso muito melhor do que eu. 

Dir-vos-ei apenas que esta transferência de direitos do trabalho para o capital contribuiu para criar uma economia cada vez mais medíocre, sem pressão salarial suficiente para impulsionar a procura, sob a forma de consumo e de investimento. 

No último quarto de século, entre 1999 e 2024, os salários reais cresceram apenas 13,5%, mas a produtividade do trabalho cresceu 20,8%, o que também não é famoso. Seja como for, a produtividade cresceu mais do que os salários reais, o que significou automaticamente uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital, uma quebra do peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional em cerca de quatro pontos percentuais, mais de dez mil milhões de euros. 

Por isso, quando dizemos que é necessário um choque salarial, sabeis bem que estamos a ser a voz da sensatez económica e da justiça social. Num contexto de desglobalização, em que os mercados internacionais estão periclitantes, o mercado interno é o porto seguro. 

PS e PSD preferem “espirros salariais”, como disse Paulo Raimundo, atirando aumentos salariais, como o do Salário Mínimo Nacional, que tem de ultrapassar os mil euros, para daqui a vários anos. Nós dizemos, tem de ser já, amanhã é tarde. E a valorização decidida do Salário Mínimo Nacional tem de ser parte de um aumento de dois dígitos de todos os salários, recuperando o que nos foi tirado. 

Sabeis muito melhor do que eu como é difícil negociar com associações patronais empoderadas, num quadro de negociação coletiva enfraquecida. No entanto, quando os patrões são individualmente inquiridos pelo Instituto Nacional de Estatística, dizem que as “expetativas de vendas” são o principal fator que explica as suas decisões de investimento. Sabeis melhor do que eu que é o poder de compra da classe trabalhadora que determina a formação de tais expetativas. 

Numa economia de baixa pressão salarial, o investimento empresarial é baixo, um círculo vicioso acentuado pelo baixo nível de investimento público no nosso país: só há na UE um país com mais baixa percentagem de investimento público no Produto Interno Bruto; países como a Polónia têm níveis de investimento público duas vezes superiores, em percentagem do PIB. Temos  inscrito no programa o firme propósito de alcançar os níveis de investimento público que já foram os nossos.

No medíocre contexto austeritário que ainda é o nosso, o Governo comunicou o seguinte: “No âmbito do Plano de Defesa Europeu, o Governo português vai solicitar a ativação da cláusula de derrogação nacional. Esta cláusula permitirá estabelecer uma exceção ao cumprimento das regras orçamentais de modo a acomodar o aumento da despesa com a defesa. O Partido Socialista foi ouvido no processo de tomada de decisão”. 

O Governo fez esta reveladora comunicação a 23 de abril, por coincidência, dois dias depois da morte do Papa Francisco: “Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento!”, disse este homem bom a 20 de abril. 

Tudo o que queremos fazer, podemos pagar, assim haja vontade soberana com expressão monetária. O constrangimento não é financeiro, mas de recursos reais e de poder para os mobilizar. 

Da habitação ao Serviço Nacional de Saúde, sabeis melhor do que eu que há cada vez mais necessidades por satisfazer, mas esta gente prefere investir no desperdício e num cortejo de corrupção, arrastando o país para uma corrida armamentista geradora de guerra. 

Nunca foram tão claras as ligações entre paz, direitos de quem trabalha e salário direito e indireto, entre paz entre os povos e paz e segurança sociais. É em nome dessas ligações que aqui estamos. 

Sabeis isso melhor do que eu.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Vamos falar sobre a carga fiscal?

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A carga fiscal em Portugal voltou a aumentar no ano passado. Depois de ter ficado nos 35,6% do PIB em 2023, a carga fiscal registou uma ligeira subida para 35,7% em 2024, de acordo com os dados do INE. Apesar do ano passado ter sido marcado por uma redução dos impostos sobre o rendimento, com a diminuição do IRS para a maioria dos escalões, isso não impediu a carga fiscal de aumentar, o que ainda se torna mais relevante pelo facto de a redução da carga ter sido uma das principais bandeiras do atual governo. Como é que isso se explica?

A carga fiscal já está presente no debate público há vários anos. O indicador mede a receita total com impostos e contribuições sociais em percentagem do PIB de um país. Isto significa que a carga fiscal pode aumentar mesmo que as taxas de imposto sobre o rendimento diminuam, se o emprego crescer a um ritmo mais elevado do que o PIB num ano. É isso que tem acontecido em Portugal na última década: depois do desemprego ter atingido máximos históricos durante o programa de austeridade, a recuperação do emprego levou a um aumento dos impostos e contribuições pagos mesmo sem alterar (ou até, nalguns casos, reduzindo) as taxas dos diferentes impostos.

Portugal tem uma carga fiscal bastante abaixo da média da União Europeia, de acordo com os dados mais recentes, referentes a 2023. Apesar do ligeiro aumento registado em 2024, é expectável que a carga fiscal da economia portuguesa se mantenha inferior à média europeia e bastante abaixo da que se observa nos países mais desenvolvidos.

Fonte: Eurostat

O ligeiro aumento da carga fiscal é pouco relevante para avaliar a situação do país. Por si só, diz-nos pouco sobre o nível de tributação. O verdadeiro problema não é a carga fiscal, mas a forma como está distribuída pelos diferentes grupos da sociedade. Há três dimensões em que a distribuição da carga fiscal gera situações de injustiça: o peso dos impostos diretos face aos indiretos, a diferença entre a tributação dos rendimentos do trabalho e do capital e os benefícios fiscais dirigidos a grupos específicos.

Como se distribui a carga fiscal?

A distribuição da carga fiscal entre impostos diretos e indiretos tem consequências distributivas. Os impostos diretos - nomeadamente, o IRS, que incide sobre os salários, e o IRC, que incide sobre os lucros das empresas - são progressivos, o que significa que quem ganha mais paga proporcionalmente mais. Os impostos indiretos, como o IVA, que incide sobre o consumo, não são: as taxas de IVA são aplicadas sobre o valor dos produtos que todos compramos, independentemente do nosso rendimento. Nesse sentido, o IVA constitui um imposto regressivo, que pesa mais na carteira de quem ganha menos.

Portugal é o 4º país da OCDE com maior peso da receita do IVA (9,4% do PIB), segundo os dados da instituição. Já a receita com o IRS e o IRC é de 10,4% do PIB, abaixo da média da OCDE (12,2%) e dos países europeus mais desenvolvidos, incluindo alguns dos que são normalmente destacados pelos impostos baixos, como a Irlanda e os Países Baixos. Além disso, também ficamos abaixo da média da OCDE no peso dos impostos sobre a propriedade (como o IMI ou o IMT): representam 1,4% do PIB, abaixo dos 1,8% registados em média nos países da OCDE.

Fonte: OCDE (aqui e aqui)

Um segundo problema da tributação em Portugal é a diferença na forma como tratamos os salários e os rendimentos de capital (dividendos, juros, rendas, etc.). Os rendimentos de capital são sujeitos a uma taxa efetiva menor do que os do trabalho: enquanto quem recebe um salário ou uma pensão é tributado às taxas progressivas do IRS, quem recebe dividendos pode optar por pagar a taxa fixa de 28% e quem recebe rendas paga entre 5% e 25%, dependendo da duração do arrendamento.

Portugal é o 3º país da OCDE com maior diferença entre a taxa efetiva aplicada aos salários e a que é aplicada aos dividendos. Esta diferença beneficia fundamentalmente os mais ricos: permite-lhes optar por uma taxa liberatória mais baixa do que aquela que pagariam se os rendimentos de capital fossem tributados segundo a mesma progressividade que se aplica aos do trabalho, como é explicado num estudo do economista Alexandre Mergulhão para a associação Causa Pública.

Além disso, focando no IRS, há um conjunto de benefícios fiscais que introduzem distorções na progressividade. O regime dos residentes não-habituais é o mais conhecido: com esta benefício, os trabalhadores estrangeiros qualificados podiam pagar apenas 20% de IRS e os pensionistas estrangeiros pagavam 0% ou 10%. O regime foi recentemente substituído pelo IFICI (Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação), que continua a oferecer uma taxa de IRS de 20% a estrangeiros ou a portugueses que tenham emigrado e regressem para exercer profissões consideradas “qualificadas”, em que se incluem gestores de empresas, diretores de serviços, médicos ou investigadores universitários, ou seja, profissões em que se pagam salários muito acima da média.

Não é, por isso, surpreendente que estes benefícios tenham um impacto orçamental significativo. Portugal é o segundo país da UE onde a receita fiscal abdicada tem maior peso, de acordo com um estudo do Observatório Fiscal da União Europeia. E enquanto na maioria dos países os benefícios fiscais em IRS contribuem para diminuir a disparidade de rendimentos, em Portugal acontece o oposto: como se dirigem a quem ganha mais, os benefícios aumentam a desigualdade.

Fonte dos gráficos: Jornal de Negócios (aqui e aqui)

Menos impostos para quem?

No último ano, o IRS foi reduzido por duas vezes. A primeira redução aconteceu no Orçamento do Estado para 2024, aprovado pelo governo anterior, e a segunda foi introduzida pelo atual governo. O que ambas têm em comum é que beneficiam proporcionalmente mais quem ganha mais, como se observa numa análise do Banco de Portugal.

Fonte: Boletim Económico do Banco de Portugal (Dezembro de 2024)

Este resultado não é surpreendente. Quase metade das pessoas em Portugal não paga IRS por não ter rendimentos suficientes para o fazer, pelo que é expectável que os escalões mais altos sejam os que, de uma forma geral, mais têm a ganhar com reduções do IRS.

O atual governo também aprovou o alargamento do IRS Jovem para este ano. As simulações do Banco de Portugal sobre o impacto que a medida deixam poucas dúvidas: a redução do IRS beneficia bastante mais os jovens que ganham mais. A análise refere que a medida “diminui o poder redistributivo do IRS por via da redução da receita deste imposto” e “esta perda de capacidade redistributiva do imposto é visível no aumento da desigualdade na distribuição de rendimento”. Como 3 em cada 4 jovens em Portugal ganham até €1000 líquidos por mês, a maioria beneficia muito pouco.

Fonte: Boletim Económico do Banco de Portugal (Dezembro de 2024)

O outro lado da moeda das reduções de impostos são a quebra da receita com que se financiam os serviços públicos disponíveis para todos. Só as alterações ao IRS Jovem têm um impacto estimado de mais de €500 milhões para o Estado. É dinheiro que não é usado para investir na rede de creches gratuitas, em melhores transportes ou em habitação acessível - medidas que reduzem o custo de vida e dão um contributo maior para a qualidade de vida da maioria das pessoas do que as reduções do IRS.


Mais sobre a economia portuguesa

O que medimos – e o que nos escapa – quando medimos o poder de compra?



Não estou só


No passado domingo, antes de ir almoçar com a minha mãe, fui à feira da Espinheira, perto de Penacova, uma vez mais, em campanha. Procuro ser objetivo, mas são sou neutro, sendo candidato por Coimbra, uma vez mais

Cheguei mais cedo ao encontro, como é meu hábito. Estava um céu plúmbeo. Por acaso, estacionei perto de um grupo de fascistas; estavam a tirar centenas de sacos de boa lona, com o logotipo do Chega, da mala do carro: só em brindes, o Chega vai gastar oficialmente 250 mil euros ouvi depois na rádio. 

Nós só temos bons panfletos. Pus-me a observar a cena, que incluía uma câmara de filmar toda xpto, passaram por mim dois cidadãos, provavelmente de etnia cigana, e perguntaram: Estes panfletos são do chega? – se forem não queremos. Respondi que não, que eram da CDU, a força que combate o racismo e o fascismo. Sorriram e aceitaram o panfleto. 

De repente, ouvi a empolgante Carvalhesa. Não estava só. Nunca estive, na realidade.

Amanhã, debate da Causa Pública, em Lisboa


Mobilizando estudos já realizados ao longo do último ano e meio, «em torno dos principais desafios que se colocam à democracia portuguesa e às suas políticas públicas», a Causa Pública debate, na livraria Almedina (Atrium Saldanha) em Lisboa, a partir das 18h30, as próximas eleições legislativas. Com particular enfoque nas questões do desenvolvimento económico e do perfil salarial em Portugal, fiscalidade, habitação, saúde e imigração, participam na sessão Alexandre Mergulhão, Ana Drago, Manuela Silva, Ricardo Paes Mamede e Rui Pena Pires. A entrada é livre, apareçam.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Solidariedade

As crianças palestinianas são as principais vítimas do genocídio em curso na Palestina, perpetrado pelo Estado colonialista de Israel: uma criança morta a cada 45 minutos durante mais de 500 dias, 245 calorias diárias disponíveis para as crianças que sobrevivem aos bombardeamentos diários, mais de 290 mil crianças à beira da morte por fome. 

E toda esta barbárie perante o silêncio cúmplice da elite do poder ocidental, confirmando a racista linha de cor. Ontem, no debate televisivo, por exemplo, só Paulo Raimundo se lembrou de a denunciar. Haja voz e luta solidárias.

Parabéns

Karl Marx (1818-1883) faz hoje anos
“[A] essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais.”

sábado, 3 de maio de 2025

Escolhas


Esta escolha passou demasiado despercebida, dada o manto de silêncio: “No âmbito do Plano de Defesa Europeu, o Governo português vai solicitar a ativação da cláusula de derrogação nacional. Esta cláusula permitirá estabelecer uma exceção ao cumprimento das regras orçamentais de modo a acomodar o aumento da despesa com a defesa. O Partido Socialista foi ouvido no processo de tomada de decisão.” 

Tudo o que queremos fazer, podemos pagar, assim haja vontade soberana com expressão monetária. O constrangimento não é financeiro, mas de recursos reais e de poder para os mobilizar. A seguidista elite do poder é a melhor aluna dos piores mestres

Sabeis o mais cínico? Os trabalhadores da CP chegaram a acordo com a administração para aumentos salariais, mas o Governo recusou promulgar, alegando estar em gestão. Por isso, estão marcadas uma série de greves da CP. Mas o mesmo Governo de gestão tomou esta decisão belicista, tornando-a pública, por coincidência, dois dias depois da morte do Papa Francisco: “Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento!”, disse a 20 de abril.

Lembro o Papa Francisco, num dos seus últimos alertas, a 18 de abril: “Enquanto a guerra apenas devasta as comunidades e o meio ambiente, sem oferecer soluções para os conflitos, a diplomacia e as organizações internacionais precisam de nova força vital e credibilidade.”

Por cá, da habitação ao Serviço Nacional de Saúde, há cada vez mais necessidades por satisfazer, num país com o penúltimo nível mais baixo de investimento público (em percentagem do PIB) da UE, mas esta gente prefere investir no desperdício e num cortejo de corrupção, arrastando o país para uma corrida armamentista geradora de guerra. 

Do Livre ao Chega, há demasiados cúmplices desta escolha, mas também há quem resista, quem diga não. Esta escolha vai a votos no dia 18.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Lembrete


Israel já lançou o equivalente a seis bombas atómicas numa área três vezes inferior a Hiroshima, reduzindo as crianças palestinianas que sobrevivem a estes bombardeamentos a um consumo de 245 calorias diárias, seguindo o terrivelmente informativo Mohamad Safa

Em pleno genocídio, a tão seletiva quanto belicista UE apoia o Estado colonialista de Israel. Os que foram à embaixada israelita, a festas ou a outras formas de solidariedade, do Livre ao Chega, são vassalos disto.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Os vassalos não aprendem

“Em 100 dias, o presidente Trump está a cumprir as suas promessas aos contribuintes americanos, enquanto os aliados da NATO aumentam os seus gastos com defesa”, afirma Mike Waltz, Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. 


Como é evidente, o rearmamento na UE não visa superar a dependência dos EUA mas antes acomodar as suas exigências. 

Que ninguém se deixe enganar pelas encenações pseudo-soberanistas dos que defendem o rearmamento da UE. 

Que ninguém se impressione pelos súbitos assomos pretensamente anti-NATO dos que, defendendo rearmamento, afirmam que, agora, com Trump, os EUA já não são nossos aliados, enquanto fingem não saber quem sabotou o Nord Stream, ou enquanto chutam para debaixo do tapete o que não pode ser chutado para debaixo do tapete: a responsabilidade de Biden e Kamala no genocídio ainda em curso na Palestina. 

Entretanto há quem na Bloomberg não tenha receio de reconhecer o que se tornou evidente, o “regime de sanções está a desmoronar-se”. 

E isto enquanto na mesma fonte, noutro artigo, se dá nota da possibilidade de um empresário dos EUA adquirir a empresa que detém o Nord Stream II e retomar o fornecimento de gás à UE. 

“Se, por exemplo, os EUA e a Rússia concordarem em cooperar no setor energético, então um gasoduto para a Europa poderá ser garantido”, afirmou Putin numa conferência de imprensa em Moscovo, a 13 de março”, pode ler-se também na mesma peça. 

“A UE e a Alemanha podem ter apenas uma influência limitada sobre uma possível venda do Nord Stream, uma vez que o processo decorreria ao abrigo da legislação suíça. No entanto, o gasoduto Nord Stream 2 continuaria a necessitar de uma licença de exploração emitida pelo Ministério da Economia alemão para poder ser reativado — o que não se prevê venha a acontecer, segundo fontes familiarizadas com o assunto”, diz-se aqui

Veremos se vai, ou não, acontecer, quando Annalena Baerbock, talvez a mais tresloucada e enérgica defensora europeia do genocídio palestiniano, dos verdes com bombas, ceder a sua posição ao conservador Johann Wadephul, mas parece-me provável que sim. Até porque pelo menos para parte do capital industrial alemão, o gás russo é uma questão de sobrevivência: “[p]ara Christof Günther, diretor de uma das maiores indústrias químicas da Alemanha, a única maneira de revitalizar setores como o seu é voltar a obter gás russo barato”. 

Somando tudo, o acordo que parece estar a desenhar-se entre Trump e Putin e o interesse do capital do centro e do norte da Europa, parece seguro poder afirmar-se que a UE se deixou encurralar entre duas más possibilidades: continuar a comprar gás caro aos EUA, ou comprar gás russo mas agora, concretizando-se o negócio, pagando um tributo aos novos detentores do NordStream, também os EUA.

Tributo que soma à estagnação económica entretanto incorrida, e que no futuro se perspectiva, ao recente surto inflacionista e correspondente crise de custo de vida, às tarifas e ao desperdício da despesa com compra de armamento. Tudo se conjuga para a UE se confirmar como um dos claros perdedores de uma guerra que ela própria alimentou. 

Vassalas dos EUA, como sempre foi claro que o eram, juntando-se caninamente ao ladrar da NATO à Rússia, sem respaldo nos tratados para tratar das questões da guerra, com frágil, se alguma, legitimidade política, a inépcia – para dizer o menos - destas lideranças da UE não podia ser mais clara. 

Não são melhores, contudo, aqueles que, nos Estados nacionais, parecem não ter aprendido nada nestes mais de três anos e se submetem, comprometendo os seus países com as perdedoras decisões belicistas de uma nomenklatura em quem ninguém votou mas foi instalada nas instituições da UE pelos partidos da direita e do extremo-centro.

Por fim, já depois de ter escrito o texto acima, vejo nos jornais que “EUA e Ucrânia assinam acordo sobre recursos naturais”, a notícia menos surpreendente desde o início da guerra. 

A confirmação da qual não precisávamos de que na Ucrânia a questão da autodeterminação foi sempre e apenas e só o sinistro engodo que possibilita a pilhagem e a expansão imperial. Como afirmou Jeffrey Sachs, recordemos, “se a China ou a Rússia decidissem instalar uma base militar no Rio Grande ou na fronteira canadiana, os Estados Unidos não só se passariam como entrariam em guerra em cerca de dez minutos”.

Não estamos sós


O CESP fez um debate em frente à creche que está no UBBO da Amadora, que pertence ao Grupo Auchan. E enquanto estávamos nesse debate, vimos exatamente isso: crianças a entrar a horas muito diferentes, que estão a cumprir os turnos e os horários de trabalho desregulados dos pais e que estão a crescer preparados para a desregulação de horários. Tivemos conhecimento de uma creche, de iniciativa privada, em Braga, aberta 24 horas. E também se inclui aqui a questão do encerramento aos domingos e feriados, decisões políticas que, claramente, não podem estar na mão das grandes empresas. Não podem ser os grandes grupos económicos, no nosso país, a decidir sobre encerrar o comércio aos domingos e feriados ou sobre os horários das creches para os filhos dos seus trabalhadores. O interesse do Estado tem de ser o melhor para a sua população e a melhor organização para o nosso país.

Inês Branco, coordenadora da direção regional do Porto do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços (CESP).

Dia do trabalhador


Dos Açores a Viseu, hoje há iniciativas por todo o país da única central sindical que conta para defender quem trabalha, quem cria tudo o que tem valor. Viva o Primeiro de Maio.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Não acabou


Berlim, 30 de abril de 1945; Saigão, hoje Ho Chi Minh, 30 de abril de 1975. As forças da vida, com as suas bandeiras, derrotam o nazifascismo, com o suicídio de Hitler, e o imperialismo norte-americano, com a libertação de Saigão. 

No dia 30 de abril de 2025, lembro os líderes político-militares Gueorgui Júkov, Chefe do Estado-Maior General do Exército Vermelho, e Vo Nguyen Giap, Comandante Supremo do Exército do Povo do Vietname. Lembro dois libertadores imortais, que são recordados por esse mundo afora. 

Por cá, campeia a desmemória, mas há sempre quem se lembre, quem nos lembre. Haja memória, haja futuro. A história não acabou.

E o «-Liberdade», depende de quê? Da desinformação?

É matemático. Entra-se em período eleitoral e o stink stank da Iniciativa Liberal volta à carga com um gráfico manhoso (a que cheguei através de Tomás Pereira), assente numa tese desconchavada que não cumpre, sequer, os mínimos de seriedade técnica. Partindo de um ensaio de Vítor Bento, escrito após as legislativas de 2022, a ideia é simples: desde 1980, o número de eleitores que «dependem do Estado» quase duplicou (de 34% para 61%). O que impede, de acordo com os defensores desta tese, que se façam as «reformas transformacionais» de que o país precisa.

As contas para chegar aqui são todo um programa. Incluem funcionários públicos (10%), beneficiários de subsídios de desemprego e RSI (4%), pensionistas (35%) e até trabalhadores que recebem salário mínimo (12%), com o argumento de que este é «estabelecido pelo Governo». «Dependências do Estado» a que a IL gostaria inconfessadamente de pôr cobro, para eleger governos à la Milei. Ou seja, governos que desprezam a existência de salário mínimo e legislação laboral, apoios ao desemprego e prestações sociais, antes advogando a privatização do sistema de pensões e a redução drástica do emprego público e de serviços públicos. 


Vítor Bento, IL e «-Liberdade» deviam começar por espreitar para lá da cerca e ver o que se passa por essa Europa fora. Talvez assim dessem conta que muitos dos países que apontam como modelo a seguir têm ainda mais «dependentes do Estado» do que nós. Da Finlândia à Suécia, da França à Dinamarca, da Áustria à tão aclamada Irlanda. Tanto funcionário público, pensionista, beneficiário de prestações sociais e trabalhador com o salário mínimo à viver à custa do Estado e a bloquear eleitoralmente, como cá (presume-se), as ditas «reformas transformacionais». Como é possível?

Embebidos na sua visão individualista do mundo e egoísmo desenfreado, não conseguem perceber coisas simples. Que não é necessário ser funcionário público para defender serviços públicos de acesso universal. Que não é preciso receber salário mínimo para defender a sua existência e equilíbrio e decência nas relações laborais. Que não é preciso estar desempregado ou em situação de pobreza para defender o acesso a apoios sociais. A linearidade que estabelecem entre «rendimentos» do Estado» e «dependência» eleitoral é reveladora da incapacidade de compreender a realidade para lá da lei da selva e da competição. Não alcançam o sentido de comunidade, solidariedade, empatia e justiça social. Como se não houvesse mais nada para lá do salve-se quem puder.

Deixai-vos de tretas


No início de 2012, criticava o Público, um desporto que deixei de praticar, porque, francamente, deixei de o ler diariamente: 

O Público tem um trabalho sobre como a crise nos obriga a “mudar de vida”. No fundo, a crise é vista como uma oportunidade para redescobrir os valores e as “coisas simples” ou lá o que é – “vamos” deixar de ter empregadas domésticas ou de ir de férias para o estrangeiro, de ser “consumistas” e tudo, “em 2012, vamos conhecer o vizinho, cuidar da horta e integrar uma associação”. Não há mesmo pachorra para este romance da austeridade. 

Depois veio a pandemia e esta conversa desmultiplicou-se. Com o apagão, voltámos a ter sinais dos que escrevem do alto do seu privilégio, sinalizando toda a sua virtude. Apetece dizer-lhes só: se quereis mesmo uma sociedade fraterna lutai pelo socialismo e deixai-vos de tretas.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Haja memória, haja luz na economia política


“A privatização da REN (Rede Eléctrica Nacional) está a tornar-se um exemplo paradigmático da má gestão da coisa pública em Portugal”, garantia Nuno Teles, em 2008, neste blogue. 

A vida vem confirmando a justeza desta posição. Lembro, entretanto, o que os vende-pátrias destruíram: 

A Eletricidade de Portugal (EDP) foi uma empresa pública criada em 1976 pelo Estado democrático, integrando numa única entidade as empresas deste setor que haviam sido nacionalizadas em 1975, incluindo a infraestrutura controlada pela atual REN. Todas as atividades, da produção à infraestrutura, passaram a ser controladas por um Estado que levou a luz a todo o país. 

Desgraçadamente, a EDP foi desintegrada e privatizada, num contexto de economia política crescentemente pós-democrática, entre 1997 e 2012. Há iniciativas liberais até dizer chega neste setor desde os anos 1990. Lembro-me de um secretário de Estado da Indústria do PS que, na segunda metade dos anos 1990, declarava abrir uma garrafa de champanhe por cada empresa que privatizava. O PS privatizou mais do que o PSD. 

Neste contexto, convém lembrar, como fez João Ferreira ontem, que:  “Em França, o liberal Macron nacionalizou a EDF, adquirindo a totalidade do capital da empresa em 2023. Justificação: fortalecer a independência energética nacional e facilitar projetos de longo prazo. Na Alemanha, o governo nacionalizou a empresa de energia UNIPER em 2022. Justificação: garantir a segurança do abastecimento energético.” 

Por cá, e como sublinhou Bruno Simão: “É um desfilar de especialistas a afirmar que são necessários investimentos de modernização da rede eléctrica nacional, mas são muito dispendiosos! A REN privatizada gerou em 10 anos mais de 1000 milhões de euros de lucros e distribuiu mais de 400 milhões aos seus accionistas!”