quarta-feira, 26 de março de 2025

Quem ganha com a subida das prestações da casa?

Também disponível no substack

Nos últimos três anos, a subida das prestações da casa teve um impacto significativo na carteira de muitas pessoas. A prestação média dos créditos à habitação em Portugal passou de pouco mais de €250 mensais no início de 2022 para mais de €400 no final do ano passado. Além disso, os juros representam uma fatia cada vez maior das prestações: em 2022, correspondiam a cerca de 17% do valor pago todos os meses, no ano passado passaram a representar quase 60% do total.


Fonte: INE

A subida das prestações foi uma consequência da política monetária adotada pelo Banco Central Europeu (BCE), que começou a aumentar as taxas de juro há três anos com o objetivo de combater a inflação. Isso fez com que, para quem tem empréstimos com taxas variáveis, as prestações tenham aumentado de forma acentuada, já que o indexante utilizado nos contratos - a taxa Euribor - acompanha a flutuação das taxas de juro de referência.

O aumento das taxas de juro agravou a crise do custo de vida e a prestação média equivale hoje a um terço de um salário médio. No entanto, não foi uma má notícia para todos. Na economia, os gastos de uns são o rendimento de outros. Neste caso, como as prestações são pagamentos associados a uma dívida que foi contraída, é preciso olhar para quem emprestou o dinheiro: os bancos.

Desde que os juros começaram a subir, o lucro dos bancos disparou. Em 2023, os lucros acumulados dos vinte maiores bancos na União Europeia aumentaram em 36% face ao ano anterior, superando os 100 mil milhões de euros, de acordo com os dados recolhidos pela agência Bloomberg. Em 2024, os lucros voltaram a aumentar e atingiram os 110 mil milhões de euros.

Fonte: Bloomberg

Em Portugal o cenário é idêntico. Em 2022, os bancos em Portugal tiveram os melhores resultados financeiros em 15 anos. Em 2023, os lucros atingiram o valor recorde de 5,6 mil milhões de euros. No ano passado, com a descida ligeira dos juros a ser compensada pelo aumento das comissões bancárias, os cinco maiores bancos - CGD, BCP, Santander, BPI e Novo Banco - viram os seus lucros aumentar novamente e alcançar um novo recorde.

Estes lucros extraordinários devem-se, em boa medida, ao aumento da margem financeira - a diferença entre os juros que cobram aos clientes nos empréstimos e os que pagam nos depósitos. Enquanto os juros que os bancos portugueses cobram nos empréstimos aumentaram em linha com a subida definida pelo BCE, seguindo a política monetária, o mesmo não aconteceu com os juros que pagam nos depósitos. O desfasamento ajuda a explicar os ganhos extraordinários.

A política monetária deu um contributo valioso, como explica o Paulo Coimbra. Depois de uma década de quantitative easing, em que o banco central injetou enormes quantidades de liquidez no sistema financeiro a taxas de juro próximas de 0%, o BCE decidiu passar a remunerar as reservas dos bancos privados a taxas de juro crescentes para receber a liquidez de volta e, com isso, aumentar a taxa de juro. Como os bancos privados passaram a receber valores avultados pelas reservas, não precisam de competir para atrair depósitos e, por isso, não oferecem juros mais elevados aos clientes.

O setor bancário aproveitou os lucros para bater recordes na distribuição de dividendos e recompra das próprias ações. Os vinte bancos europeus analisados pela Bloomberg anunciaram dividendos de 18,4 mil milhões de euros nos primeiros dois meses deste ano, o que corresponde a um aumento de 29% face ao mesmo período do ano passado. Uma análise mais abrangente, noticiada pelo Financial Times, mostra que, nos últimos dois anos, os maiores bancos da UE e do Reino Unido bateram recordes na distribuição de dividendos aos acionistas e em operações de recompra das próprias ações (que contribuem para aumentar o seu valor no mercado).


O impacto da política monetária não é igual em todos os países e depende, entre outras coisas, da proporção do crédito à habitação a taxa variável. Como Portugal é um dos países onde este tem maior peso, é particularmente afetado. Os dois gráficos em baixo ilustram o caso português. As famílias portuguesas foram as mais afetadas pela subida dos juros na Zona Euro e o aumento do custo das prestações suportado pelas famílias, segundo um estudo do FMI (gráfico da esquerda). Ao mesmo tempo, a rentabilidade do setor bancário nacional disparou desde o início da subida dos juros e passou a ser das mais elevadas do continente (gráfico da direita).

Fonte: FMI (gráfico da esquerda) e Reuters (gráfico da direita)

Apesar da subida dos juros ter agravado a crise do custo de vida, esse agravamento não é captado nas estatísticas da inflação porque, como já foi aqui discutido, a despesa com prestações não está incluída no indicador que usamos para a medir - o Índice de Preços no Consumidor. Ao não incluir uma parte importante dos custos da habitação, o IPC não permite avaliar o impacto que a política monetária tem no custo de vida das pessoas e isso enviesa o debate sobre o poder de compra e os salários reais. 

O tipo de inflação que tivemos nos últimos anos tende a penalizar mais quem ganha menos. Só que a resposta adotada pelos bancos centrais também tem impactos distributivos que têm de ser tidos em conta. Ao aumentar as taxas de juro, os bancos centrais operaram uma transferência de rendimento das famílias e do setor produtivo para o setor financeiro.

Mais sobre inflação e poder de compra


Sem comentários: