segunda-feira, 3 de março de 2025

Qual é o custo de ter o verão no ano todo?

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Em 2025, o verão parece ter chegado mais cedo à Índia. As previsões meteorológicas apontam para que o mês de março seja o mais quente de que há registo no país. É uma tendência que se tem verificado nos últimos anos: não só o calor é cada vez mais intenso - no verão do ano passado, as temperaturas em Nova Delhi atingiram os 50ºC, provocando enormes dificuldades às pessoas -, como as ondas de calor começam mais cedo no ano.

A onda de calor precoce vem na sequência de um inverno mais seco do que o comum. Entre janeiro e fevereiro, as regiões de Gujarat e Goa tiveram um défice de precipitação de 100% - por outras palavras, não houve chuvas neste período. Maharashtra teve um défice de 99% e houve muito pouca chuva noutras regiões. A maioria dos cientistas reconhece o papel das alterações climáticas neste processo. Um especialista citado pelo jornal britânico Independent explica que “o aquecimento global afetou a precipitação na Índia durante o inverno. Os verões têm-se alargado e a época de inverno tem-se reduzido, com os padrões de precipitação erráticos a ter impacto nos perfis de temperatura no país”.

As temperaturas anormalmente elevadas para esta altura colocam riscos para a produção agrícola, em especial no caso do trigo. A Índia, que é o segundo maior produtor de trigo do mundo, já tem tido problemas com as colheitas nos últimos anos devido às ondas de calor que afetam o norte e o centro do país, onde se concentra a produção.

As previsões para este ano não são animadoras e o impacto das colheitas mais fracas já se faz sentir: os preços do trigo atingiram valores recorde neste mês devido aos constrangimentos da oferta. A subida dos preços traduz-se num aumento do custo de vida para a maioria.

Não é uma tendência nova. Nos últimos anos, a Índia tem registado níveis elevados de inflação dos alimentos, em boa medida devido ao impacto das alterações climáticas. Além das colheitas de trigo, as produções de açúcar e de tomate também foram afetadas pelo clima, aumentando o custo da alimentação e acentuando tensões sociais. Esta tendência é especialmente preocupante num país que tem um quarto da população subnutrida de todo o mundo e onde 190 milhões de pessoas passam fome.

Os fenómenos meteorológicos extremos (como as ondas de calor, secas prolongadas, incêndios ou cheias), que têm sido amplificados pelas alterações climáticas, estão a afetar a produção agrícola e, com isso, os preços que pagamos pelos produtos. É uma parte importante da explicação para o aumento dos custos do café ou do chocolate, aqui discutidos recentemente.

Uma análise publicada no ano passado pelo banco central da Índia alerta para os riscos que as alterações climáticas colocam para a inflação dos produtos alimentares. A subida média dos preços dos alimentos passou de 2,9% entre 2016 e 2020 para 6,3% nos anos mais recentes. De acordo com os autores, “um fator distintivo determinante para esta diferença significativa tem sido a incidência de múltiplos choques da oferta simultâneos devido a eventos climáticos”.

E os impactos não se resumem à Índia. As fracas colheitas levaram o governo a impôr restrições às exportações de trigo ou arroz não-basmati. Como a Índia é um dos principais produtores mundiais, as restrições afetam o acesso a alimentos e o custo de vida em muitos outros países, sobretudo em África e na Ásia. Por sua vez, a disrupção na produção de açúcar repercutiu-se num aumento dos preços das bolachas e outros doces a nível mundial.

Embora os problemas sejam mais acentuados nos países mais pobres, esta está longe de ser uma realidade distante. Este tipo de choques tem-se tornado mais frequente um pouco por todo o mundo devido às alterações climáticas. Um estudo publicado por investigadores do Banco Central Europeu (BCE) concluiu que, em 2022, as temperaturas-recorde registadas no verão aumentaram a inflação dos alimentos entre 0,43 a 0,93 pontos percentuais na Europa. Com o aquecimento projetado para o continente nos próximos anos, poderá haver um aumento da taxa de inflação dos alimentos de até 3,2 pontos percentuais, o que levaria a uma subida de até 1,2 pontos percentuais na taxa de inflação total, aumentando o custo de vida.

Este fenómeno pode ser descrito como “shockflation” – inflação provocada por choques que afetam a produção (e os preços) em setores específicos e depois se repercutem no resto das atividades económicas que dependem destes. Com o aquecimento global, é provável que este tipo de choques se torne mais frequente no futuro, sendo que a pressão sobre os preços é amplificada pelo poder das grandes empresas para proteger (ou aumentar) as margens de lucro.

Aumentar as taxas de juro para combater a inflação não ajuda a resolver nenhum destes problemas. Uma das alternativas que têm sido propostas é a criação de stocks de reserva de bens alimentares e matérias-primas à escala internacional, que permitem aos países estabilizar a oferta e evitar oscilações excessivas dos preços.

A Índia possui uma reserva de trigo e tem utilizado essa reserva nos últimos anos. Para compensar a quebra das colheitas, as autoridades aumentaram o volume de trigo vendido aos compradores (como produtores de farinha ou de bolachas), com o objetivo de reforçar a oferta e conter a pressão sobre os preços. No entanto, no ano passado, as reservas de trigo atingiram o valor mais baixo desde 2008. Se as colheitas não recuperarem, esta estratégia tem limites.

Face a estes constrangimentos, é cada vez mais difícil justificar adiar o investimento em medidas de adaptação às alterações climáticas. É necessária uma discussão mais abrangente sobre a transformação estrutural dos sistemas de produção e distribuição de bens essenciais, sem ceder a teses catastrofistas que asseguram que não há soluções. Como argumenta o economista James Meadway, “à medida que a crise de adaptação [às alterações climáticas] se acentua, é expectável que sejamos confrontados com questões mais determinantes: sobre como produzimos o que comemos, quem o produz e como deveria ser distribuído de forma justa”. O preço a pagar pela inércia é demasiado alto.

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2 comentários:

Lowlander disse...

A Humanidade, la para 2040 ou 2050, vai gastar anualmente trilioes de dolares a extrair artificialmente CO2 da atmosfera.

Lowlander disse...

... o cenario risonho exposto acima e contingente na condicao de se se evitar ate 2040/50 um conflicto militar em larga escala na Europa. Tal conflicto anularia a necessidade e capacidade de se extrair CO2 artificialmente da atmosfera.