terça-feira, 8 de outubro de 2024

Para lá do liberalismo


“Os vinte contributos reunidos no livro não esgotam o mapeamento do progressismo”, afiançam as coordenadoras. Tenho dificuldade em compreender o que leva pessoas que se dizem radicalmente de esquerda a dinamizar e participar num livro que junta, no meio de gente de facto progressista, liberais apoiantes da troika e do atual governo e/ou do genocídio perpetrado por Israel. Sistematizando, esta dificuldade assenta em quatro razões. 

Em primeiro lugar, o livro em causa reage diretamente a um outro livro coletivo, abertamente reacionário, deixando inadvertidamente que seja este último a fixar a linha de fronteira do debate, assim puxado para a direita, como se estivéssemos intelectualmente em plena França macronista. 

Em segundo lugar, um livro coletivo deste calibre é muito diferente do excelente, até porque consistente, manifesto de João Costa. Nada lhe acrescenta. 

Em terceiro lugar, o livro tem logicamente muito menos espaço do que o que seria recomendável neste contexto para os temas do feminismo socialista, os da reprodução social e sua repartição, os das relações laborais e suas formas de exploração, etc. Lembro, entretanto, que a troika foi a maior adversária recente das famílias da classe trabalhadora em toda a sua diversidade. E que as regras europeias austeritárias o continuam a ser. 

Em quarto lugar, o livro permite que figuras nada recomendáveis, objetiva e/ou subjetivamente de direita, estejam sempre em pé e possam passar por progressistas, em modo “neoliberalismo progressista” versus “neoliberalismo reacionário” (mais uma útil dicotomia da autoria de Nancy Fraser), como se o primeiro tivesse alguma coisa que ver com o progresso, um truque de colonizador em que algumas destas “personalidades” de resto se especializaram. A esquerda não sobrevive com esta complacência em relação a elas. 

Não, por uma vez não me apetece mencionar nomes, estão na capa, andam por aí, com todo o mediatismo, com todo o capital. Apetece-me antes lembrar Amílcar Cabral: “não se trata de unir todos em torno da mesma causa, por mais justa que ela seja, de realizar a unidade absoluta, de unir-se não importa com quem”. 


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