sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Social-democrata o tanas


Saindo em defesa de Montenegro e do seu governo - o que já de si é sintomático - Cavaco Silva regressou hoje às páginas do Público, aproveitando de caminho para divulgar mais um livro de sua autoria (desta vez não publicado no estrangeiro). Com a costumeira sobranceria, declara que a dicotomia esquerda-direita é «uma velha divisão totalmente ultrapassada», sugerindo, como motivação para a escrita, ter sido «levado a pensar que, nos meios mediáticos e opinativos, reinava um certo esquecimento do que é a social-democracia europeia moderna».

No referido artigo, Cavaco defende que a moderna social-democracia «reúne o melhor dos valores do liberalismo e da justiça social». Mas em nenhum momento faz a mais ténue alusão à provisão direta de serviços públicos, marca de água incontornável da social-democracia. Não espanta, claro, ou não fora Cavaco quem instaurou a concorrência entre público e privado na saúde e a substituir o princípio matricial de acesso «universal, geral e gratuito» do SNS por um acesso «tendencialmente gratuito». Sim, o mesmo PSD que votou contra a criação do Serviço Nacional de Saúde, que tentou limitar a gratuitidade à «insuficiência de meios económicos» em 2021, e que hoje, com Montenegro, arranja mil formas de transferir recursos públicos para os privados, fomentando o mercado da doença, em vez de investir no SNS.

Para Cavaco, catalogar as medidas anunciadas por Luís Montengro nos termos da referida dicotomia, serve apenas como «arma de radicalização do discurso e do combate político», por parte de «alguns políticos e analistas» (e sim, só se for mesmo de alguns, nas televisões, dado o manifesto e continuado desequilíbrio e enviesamento da opinião). Mas o Ricardo Paes Mamede já tinha até tratado de assinalar, de forma lapidar, a dissimulação retórica deste partido liberal, mas que continua a apresentar-se como social-democrata. Social-democracia o tanas, de facto.

Sem comentários: