sábado, 12 de outubro de 2024

Algo não bate certo


Procurando aparentemente dar um sinal de agrado aos proprietários, que não tardaram a aplaudir a intenção, o governo inscreveu, na proposta de OE, o propósito de adotar «as medidas necessárias para a conclusão dos processos de transição dos contratos de arrendamento habitacional anteriores a 1990». Para tal, e «de modo a repor a justiça no tratamento destas situações», comprometeu-se a assegurar, «aos arrendatários em situação de carência», o apoio necessário para «suportar a atualização das rendas».

Tudo leva a crer, portanto, que o governo se dispunha a descongelar as rendas antigas. Contudo, a secretária de Estado da pasta veio já esclarecer que o executivo não só não vai proceder ao descongelamento das rendas como não pretende alterar o regime em vigor. Do que se trata, segundo Patrícia Gonçalves Costa, é apenas «garantir um tratamento justo» a inquilinos e senhorios, assegurando a estes últimos «a eficácia do mecanismo de compensação» e «condições para que os imóveis se mantenham em bom estado e proporcionem melhor qualidade de vida aos inquilinos».

Dir-se-á, portanto, que estamos perante uma subsidiação das rendas antigas (visando compensar os senhorios) e não perante o seu descongelamento. Mas algo aqui não bate certo.

Por um lado, se apenas se trata de subsidiar as rendas antigas, então as mesmas não passam para o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano). Isto é, não são liberalizadas, não são descongeladas. Mas sendo assim, por que pretende o governo tomar «as medidas necessárias para a conclusão dos processos de transição dos contratos de arrendamento habitacional anteriores a 1990»? Transição para onde, transição para o quê?

Por outro lado, subsidiar as rendas antigas, em casos de carência, significa que o senhorio passa a receber pelas mesmas o respetivo valor de mercado (pagando o inquilino, como até aqui, apenas o valor congelado). Mas que sucede então nos restantes casos, de não carência? O inquilino passa a pagar por inteiro a renda atualizada? Isso não é descongelamento? Ou vai afinal o Estado, ao contrário do que é dito, subsidiar todas as rendas? Não se percebe.

O que se percebe, no meio deste arrazoado e do recuo do governo, é que a coisa parece ter sido feita em cima do joelho. A intenção de concluir a liberalização dos contratos anteriores a 1990 está lá. Mas por alguma razão - as reações entretanto surgidas, a memória dos despejos com a Lei Cristas, ou o não querer fazer nada que lembre a PAF (apesar da mesma visão) - o governo decide recuar, ficando atarantado no meio de uma ponte que parece não ter saída.

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