terça-feira, 12 de março de 2024

Por arrasto


Em artigo do mês passado no Le Monde diplomatique - edição portuguesa defendi que o fascismo que vem por arrasto é objetivamente ajudado por camadas nada negligenciáveis da intelectualidade de esquerda, colonizadas por pelo menos duas hipóteses histórico-filosóficas liberais. 

Em primeiro lugar, o pessimismo antropológico performativo, criador da sua própria realidade, sobre as motivações e capacidades cognitivas dúbias das classes populares, consideradas sempre prontas a apoiar os populismos das direitas extremas. Na verdade, o fascismo chega sempre pela mão do capital e dos seus intelectuais orgânicos bem financiados. 

Em segundo lugar, e de forma mais indireta, a hipótese da ferradura, uma visão histórica distorcida: à noite, o mocho de Minerva não levanta voo e todos os “extremismos” são pardos e igualmente “totalitários”.

Com 48 cadeiras ocupadas por fascistas na AR, para 48 anos de ditadura, estas duas hipóteses vão provavelmente difundir-se ainda mais. Já há idiotas úteis a apodar o povo de estúpido e de racista, merecedor de sessões de reeducação; ou a dizer que houve sobretudo transferências de votos, que nenhuma análise séria autoriza, dos comunistas, condição necessária de um antifascismo intelectual e politicamente sério, para os fascistas. 

A nossa intelectualidade euroliberal mais ou menos televisionada, sobretudo a que se diz de esquerda, é parte do problema. Francamente, prefiro ler os intelectuais assumidamente reacionários. Pelos menos, esses defendem interesses e valores com clareza.

3 comentários:

José Cristóvão disse...

"Em primeiro lugar, o pessimismo antropológico performativo, criador da sua própria realidade, sobre as motivações e capacidades cognitivas dúbias das classes populares, consideradas sempre prontas a apoiar os populismos das direitas extremas. Na verdade, o fascismo chega sempre pela mão do capital e dos seus intelectuais orgânicos bem financiados."

Apenas quando preparadas durante anos, através da degradação da cultura, da educação e da informação. Quando existe um investimento nas três - p.ex., quando o serviço público de televisão é respeitado e não sabotado, e lhe dão os meios necessários para funcionar com qualidade -, o povo, em especial aquela parte do povo que é especialmente susceptível a essas mensagens por, essencialmente, só ter acesso a um meio de cultura, já não cai na esparrela do fascismo.

Mas, quando tudo lhe é retirado e quando é substituído, p.ex., pelo que vemos dia após dia nas televisões, aí não tenham dúvidas: vai votar em massa no fascismo.

antonio disse...

na verdade meu caro João Rodrigues, sendo o comum dos mortais, sem qualquer intelectualidade, mas com a noção básica do bem e do mal, sou então um desses idiotas.
antónio

L. Rodrigues disse...

Ontem um dos Novos Comentadores da SIC já descrevia o parlamento com Chega Á direita, PSD ao centro e o PS mais radical de sempre à esquerda. Para quem conhece o conceito da Janela de Overton isto é a sua expressão mais clara.