sexta-feira, 8 de março de 2024

A crise da habitação no país de Abril


A crise habitacional é o resultado de políticas da habitação equivocadas e de opções de política recentes que privilegiaram o corte desnecessariamente abrupto e acelerado do défice e da despesa pública, que induziram a retracção do investimento público e promoveram, em sua substituição, a especulação imobiliária e o turismo desenfreado. 

É sobejamente sabido que em Portugal nunca existiu uma política de habitação capaz de garantir uma oferta pública capaz de resolver as necessidades habitacionais. Optou-se por transferir para as famílias esta responsabilidade. Tal opção foi decisivamente reforçada a partir da década de 1990, quando se enveredou por medidas de apoio ao crédito para a aquisição de casa própria, através da bonificação do crédito bancário e de concessão de benefícios de natureza fiscal. As famílias com maiores recursos puderam, então, aceder à habitação, endividando-se. 

A crise financeira e as medidas austeritárias que se seguiram, ao contraírem os salários directos e indirectos e ao precarizarem o trabalho, tornaram insustentável o modelo de acesso à habitação por via do crédito bancário. Porém, a retracção da compra de casa própria não foi acompanhada pela expansão do arrendamento. Ao contrário do prometido, a liberalização do arrendamento, promovido pela então designada Lei Cristas, contribuiu para a retirada maciça de imóveis e a sua reafectação a outros usos bem mais rentáveis, como o alojamento local ou o segmento de mercado de luxo dirigido a uma procura internacional abastada. 

Esta profunda transformação do sector imobiliário não foi um acontecimento espontâneo. Foi o resultado de medidas deliberadas de política, que incentivaram fortemente um mercado concorrencial ao do sector da habitação. Falamos do segmento voltado para uma procura externa com um poder de compra muito superior ao dos residentes nacionais, por via de benefícios fiscais ou de cidadania. Ao sector do imobiliário foram atribuídos benefícios que não estavam disponíveis para outros sectores de actividade económica, como o regime de renovação urbana, que beneficiou os rendimentos de propriedade, rendas e ganhos de capital, e as isenções concedidas a sociedades e fundos imobiliários. 

Em suma, os trabalhadores residentes e as empresas de outros ramos de actividade económica acabaram por ser preteridos em favor de cidadãos não residentes com elevado poder económico, que posteriormente abrangeu também os designados trabalhadores digitais, e de um sector imobiliário com uma presença crescente de sociedades e fundos internacionais. Isto significou que as mais-valias realizadas com a escalada dos preços acabam por ser capturadas por cidadãos estrangeiros com elevado poder económico e ao invés de serem reinvestidas no país acabam por ser expatriadas para o estrangeiro, donde vem o capital.

O resto do artigo está disponível no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, em papel ou no site (para assinantes).

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