domingo, 4 de dezembro de 2016

Como foi que certa esquerda alinhou nisto?

Enquanto não se sabe do referendo italiano e tudo indica que a extrema-direita perdeu na Áustria - com 48% dos votos...! - olhe-se para o passado de Portugal, a partir das contas nacionais do INE.


Não tem sido um passado brilhante, estas duas últimas décadas. Desde a criação da moeda única em 2000 que coincidiu com o desmantelamento das barreiras alfandegárias, os anos de retoma medíocre têm intercalado com períodos de recessão. Na maior parte dos casos, foi uma recessão importada. Fosse pelo arrefecimento externo (2003), fosse por ondas de choque externas (2007/8), fosse graças a essa estúpida ideia comunitária de que todos os males do mundo vinham da existência de um Estado Social que teria de ser cortado (2010/2013).


Se de 1995 a 2016, o PIB cresceu 9 mil milhões de euros, isso deveu-se sobretudo ao período anterior a 2000. Desde aí, o PIB apenas cresceu 3 mil milhões de euros! E tudo graças à famosa contracção da procura interna: de 1995 a 2016, a procura interna cresceu 8 mil milhões de euros, mas de 2000 a 2016, não cresceu nada: em dezasseis anos caiu mais de mil milhões de euros! Foram as exportações que mais beneficiaram com o período da moeda única: subiram 11,5 mil milhões de 1995 a 2016, dos quais 9,5 mil milhões de 2000 a 2016. Mas convém referir que as exportações de nada valem se não contarmos com as importações. Ou seja, o montante relevante é o valor das exportações líquido das importações, porque esse o valor que fica no país.

Ora, como não há valores das importações ligadas apenas à exportação, ter-se-á de fazer contas agregadas. De 1995 a 2016, as importações cresceram 10,5 mil milhões de euros (fosse para alimentar a procura interna, fosse as exportações). Desses, 5,6 mil milhões de 2000 a 2016. E isto apesar da contração da procura interna!


Por outras palavras, se quisermos avaliar o peso do conteúdo importado - tanto da procura interna, como da externa - ver-se-á que, de 1995 a 2016, as importações corresponderam a 54% do valor da procura interna somado às exportações. Mas de 2000 a 2016, essa percentagem passou para 66%. Ou seja, parece que Portugal se expôs mais ao exterior. E isso apesar da forte contracção da procura interna...

Como foi possível que esse maravilhoso projecto nacional de integração europeia tivesse falhado tão redondamente?


É esse o grande objectivo da moeda única: comprarmos mais coisas ao exterior? Ou deveria ser o contrário: conseguirmos exportar mais com menor - nem que fosse proporcionalmente - conteúdo importado?

E agora, andamos neste exercício de passar por entre os pingos da chuva. A ganhar tempo. À espera que os tempos mudem na Europa. Mais não seja à boleia da aversão dos europeus - que tendem a votar na extrema-direita - aos frutos deste monstro que foi criado desde 1992, com o Tratado de Maastricht.

Os socialistas portugueses criticavam os critérios de Maastricht por serem estúpidos (as famosas metas de 3% e 60% do PIB para a o défice orçamental e para a dívida pública). Mas aplaudiam a integração europeia e acabaram a seguir a mesma política de integração monetária dos governos Cavaco Silva (Vítor Constâncio acabou no BCE). Os socialistas estavam cientes dos riscos do Tratado Orçamental e do semestre europeu, mas aprovaram no Parlamento a maior integração orçamental de sempre. Estiveram contra a ideia de austeridade, mas aplicaram-na em 2010 em nome da integração europeia, da defesa do euro. E, no fim, perderam as eleições em 2011. Só recuperaram - e mal, tardiamente - com um pensamento contrário à austeridade à la europeia.

É interessante verificar que, à saída do congresso do PCP, a convidada do PS, Ana Catarina Mendes reafirmou que o governo apoiado à esquerda em nada põe em causa o compromisso socialista com a integração europeia, com a ideia de que a União Europeia é capaz de se reformar e enveredar por um caminho mais solidário, de solver o problema da dívida pública que ata de pés e mãos o Orçamento nacional, mas que se discutirá esse assunto apenas no "local próprio" - ou seja, no Conselho Europeu. Se calhar, foi uma frase de circunstância. Veremos.

O certo é que, se os europeus votam cada vez mais na extrema-direita, conviria perceber onde é que certa esquerda não está a saber canalizar o voto de descontentamento a uma Europa que morre aos poucos. Onde é que os socialistas e sociais-democratas sucumbiram no oceano, abrindo as portas à extrema-direita que se agarrou a um discurso de esquerda: soberanista, de defesa de postos nacionais de trabalho (não necessariamente de nacionais residentes), com um pensamento crítico ao livre comércio que redundou na defesa do mais forte? E isso sem que a esquerda comunista europeia - ciosa do combate às injustiças do sistema capitalista - tivesse sabido galvanizar esse espírito europeu frustrado.

Mais tarde ou mais cedo, a esquerda nacional vai acordar tarde para o problema. Isto se a extrema-direita não contribuir para rebentar, entretanto, com a União Europeia. De qualquer das maneiras, resta saber qual vai ser o "local próprio" para solver o problema. Porque, para já, os problemas de Portugal não irão resolver-se com mais uma purga, com mais um passo na integração europeia, como a que começa a delinear-se.

10 comentários:

Anónimo disse...

Os euro-fanáticos do PS ainda vão conseguir que o PNR chegue ao parlamento...

Jaime Santos disse...

Concordo com a afirmação de que o crescimento residual da nossa Economia nos últimos 20 anos se deve à moeda única, mas dizer que é necessariamente mau a Economia portuguesa estar mais exposta ao exterior obriga a analisar por que é que ela se tornou mais dependente, isto é, quais foram os bens e serviços que contribuíram para o aumento das importações. Não me surpreenderia se uma parte significativa desse aumento das importações se devesse a bens ou serviços de elevada componente tecnológica. E em relação a esses, não há muito a fazer, porque não temos condições para os produzir por cá. Julgo que ninguém no seu juízo irá agora defender o regresso a modelos produtivos baseados na Indústria pesada que o desenvolvimento tecnológico tornou obsoletos (algo que os votantes em Trump não perceberam, por exemplo), com ou sem Euro ou com ou sem UE. Fico pois à espera de uma análise mais fina...

Anónimo disse...

Duma clareza que torma mais aflitiva a cegueira de alguns

João Ramos de Almeida disse...

Caro Jaime,
Tem toda a razão. Esse estudo deveria ser feito para se perceber se estamos a importar bens de equipamento - com possíveis retornos futuros - ou apenas peças de uma linha de montagem em que somos um ponto intermédio. Isto já não falando dos bens básicos de consumo ou da exportação de capitais para off-shores.

Esses são, dde facto, pontos essenciais para se retirar uma conclusão sobre esse periodo.

Anónimo disse...

Alguém disse(escreveu!(...)"Quer isto dizer que venceu o populismo e o nacionalismo? Sim, mas... Entre quem defendia o voto no “não” encontramos figuras mais do que moderadas, incluindo dois ex-chefes de Governo: Massimo D’Alema, do centro esquerda, e, pasme-se, Mario Monti, esse primeiro-ministro não eleito que governou entre o fim de 2011 e 2013 à frente de um governo de tecnocratas nomeado para afastar Silvio Berlusconi e tranquilizar Bruxelas. Não é preciso outra prova de que “podia votar-se ‘não’ a partir do decoro institucional”, como escreve no El País Rúben Amón"!
Mas não vai haver outra solução!  Mais tarde ao mais cedo vamos ter que sair do euro... Ainda não foi o momento do Não, porque a dita "esquerda" esta de mãos atadas perante acordos secretos, que nunca foram denunciados....

João Pimentel Ferreira disse...

Mais uma vez faz uma análise simplista e redutora, como é caso.
Caso queira uma análise um pouco mais profunda: http://www.veraveritas.eu/2014/10/o-euro-falacia-economica-do-prof-joao.html
E já agora, todo o mundo desacelerou nesses períodos, Portugal não foi exceção. O que teria de fazer era um comparativo com o resto da UE. O Euro deu-nos liberdade, deu-nos crédito, e certos indigentes não merecem ter crédito pois não o sabem usar responsavelmente.

Anónimo disse...

Não diga disparates João Pimentel.Porque o pedaço daquela droga que mostra é não só redutora como ideologicamente enviesada. mais a eleição e outras gorduras na inteligência dos demais

E por favor deixe-se de boçalidades. Não insulte para não o ser também

Essa história de indigência atribuída aos outros é parida por algum pavão emfatuado?

Anónimo disse...

Errata: Enfatuado

Anónimo disse...

O euro deu-nos liberdade?

Isto é o quê? Uma afirmação gratuita apenas ou a desconsideração pela inteligência de quem está a ler?


Anónimo disse...

Alguns dados concretos e reais que contribuem para o afundar das loas que se tecem ao euro e à governança neoliberal:
- Com as privatizações o Estado arrecadou 40 mil milhões de euros, porém só entre 2014 e 2014 as empresas privatizadas no PSI 20 tiveram de lucro 44 mil milhões.
- Entre 2000 e 2014 a banca distribuiu de dividendos 8,5 mil milhões de euros mas as imparidades atingiram 16 mil milhões
- Entre 1996 e julho de 2016 o que saiu do país em juros, lucros e dividendos, foi superior em 82 mil milhões de euros ao montante líquido de tudo o que recebemos da UE.
- Desde a entrada no euro o crescimento económico médio foi nulo