domingo, 17 de janeiro de 2016

A reversão da desgraça

Está a fazer escola na comunicação social a ideia de que a reversão das medidas adoptadas pelo anterior Governo PSD/CDS é a forma de o PS ganhar as próximas, muito próximas, eleições. O Governo, prevendo dificuldades com a estabilidade parlamentar ou com a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, estaria a governar já em campanha eleitoral.

Sérgio Figueiredo apelida o Governo de "fofinho" ao cumprir o seu programa eleitoral - e o seu acordo parlamentar - de rever as medidas de austeridade aplicadas pelo governo PSD/CDS. Pedro Santos Guerreiro no Expresso ("O Estado sou eu?") lembra a tese de Sérgio Figueiredo, usa a onomatopeia brincalhona "Gugu? Dá, dá, dá, dá" e, apesar de ser a favor da reversão da política falhada de direita (que ele chegou a apoiar entusiasticamente durante anos), critica este governo de ser apenas o reverso do governo de direita. Pedro Sousa Carvalho critica a política do "desfaz" e que já estão à vista os seus custos na futura emissão de dívida. Clara Ferreira Alves - no programa "Eixo do mal" - acha que o Governo está a ceder à shopping-list do Partido Comunista, na semana de trabalho da Função Pública de 35 horas. Pedro Passos Coelho alinha na mesma tecla, com um certo tom egocêntrico, ao acusar o governo PS de ser "contragoverno", como se ele ainda fosse o chefe de um governo exilado. Está em formação um novo consenso nos media.

É triste como a espuma dos dias acaba por toldar a memória. Convirá relembrar que as medidas de austeridade, adoptadas de 2010 a 2013, tinham um propósito mágico: o de reequilibrar rapidamente as contas orçamentais e externas; e com isso, recriar as condições para uma virtuosa retoma económica, e reduzir o desemprego em ascensão desde a criação do euro. E o rolo compressor avançou.


Cortou-se nos rendimentos de trabalho e nas pensões (por via fiscal), cortou-se nos rendimentos do trabalho e no tempo de lazer do sector privado (ao introduzir um pacote laboral sem precendentes que redundou numa transferência anual para as empresas superior a 3 mil milhões de euros), cortou-se nos apoios sociais e visou-se cortar ainda mais ao defender-se uma reforma do Estado feita a mata-cavalos, sem fito nem visão, que apenas reduzir o défice orçamental abaixo dos 3% do PIB, valor fixado comunitariamente sem qualquer nexo económico.

E conseguiu-se? Não. Isto é, conseguiu-se baixar os défices, mas afundando a economia e baixou-se o desemprego com a subida da emigração definitiva de quadros qualificados e em idade procriadora, delapidando a população activa e as bases de um Estado Social. Brilhante como sucesso económico! E é este programa que se quer reverter. Será que já nos esquecemos disso? Será que conseguimos branquear um passado tão recente?

Mas se não se defende a reversão, o que fazer? Insistir na desgraça? Quem critica a reversão, não defende abertamente a manutenção das medidas. Mas tão-pouco defende uma alternativa. Por que não se pensa até ao fim?

14 comentários:

Carlos Sério disse...

Sejamos sinceros.
Toda a irritação que a direita da direita (linguagem marceliana) vem demonstrando é apenas derivada do profundo receio que sentem de que a populaça descubra, finalmente, o logro em que caiu quando acreditou nas medidas “sem alternativa” e do “empobrecimento virtuoso” impostas pelo governo Coelho/Portas e acabe por perceber que afinal a suprema austeridade e os múltiplos sacrifícios a que foi sujeita eram perfeitamente escusados.

Maria disse...

Mas pensam, sera mesmo????
Sao infelizmente a voz do dono! O capital!
Quo vadis???
Furar estes meios de comunicacao nao estou a ver como. Criar outros nao sei como...
O governo ter?a que governar com a ar. Espero que as pontes sejam fortes, pois armadilhas nao faltam! Forca e coragem a todos os intervenientes!!!

Unknown disse...

ainda me lembro que foi com uma governação e medidas semelhantes as que agora alegremente vamos "repor" que foi chamada a troika. Tenho receio que se as medidas são tão virtuosas porque chamamos a troika?

Anónimo disse...

Defende-se a pilhagem do chamado Estado Social e o neo-liberalsimo puro e duro. Defende-se uma sociedade de classes em que os parasitas continuam o seu processo de apropriação do que não é seu.
Os papagaios dos pafistas aí estão de cartola afiada e de faca na liga ,prontos a darem o seu contributo para o branqueamento dos crimes do consulado Passos/Portas/Cavaco. Chamem-se Sérgios Figueiredos, Claras Fereiras Alves, Antónios Barretos e outros trastes a equivalentes

João Ramos de Almeida disse...

Caro António Cristóvão,
Recorde-se que foram medidas como as que agora se reverte que se tornaram ineficazes para evitar a troika. E na altura criticava-se o Govewrno de então por ser tímido a adoptar a "justa" dose. Não foi eficaz em 2010 como não o foi posteriormente.
Quanto à vinda da troika, está mais que provado - até por declarações de um próprio conselheiro de Durão Barroso - que ela veio para resgatar os capitais investidos pela banca alemã e francesa. Quem pode fala mais alto.

Anónimo disse...

Caro JRA,

A "austeridade" não foi uma escolha ideológica do governo anterior assim como não é uma escolha ideológica, por exemplo, do actual governo Grego: "Milhares de manifestantes protestam na Grécia contra o corte nas pensões" (http://economico.sapo.pt/noticias/milhares-de-manifestantes-protestam-na-grecia-contra-o-corte-nas-pensoes_239876.html). Resulta apenas de um simples facto: há défices orçamentais, não é possível imprimir dinheiro para os pagar, não é possível sustentá-los com mais dívida pública.

Que o governo português anterior tenha sido idiota fazendo passar a ideia de que as suas opções eram ideológicas ("mais troikista do que a troika") foi trágico. Querer acreditar nele (no governo anterior) ainda mais trágico é.

meirelesportuense disse...

O grande problema reside cada vez mais na Comunicação Social -bem organizada- que está coladíssima aos interesses de determinados sectores da Sociedade e por arrasto aos que lhes defendem os seus interesses muito específicos. A candidatura de Marcelo é uma candidatura desse Sistema de interesses implantado em Portugal desde há muitos anos. O Expresso foi o pioneiro dessa construção virtual da realidade. Hoje alargou os seus meios de influência e outros grupos de interesses semelhantes acompanharam-nos nesse caminho. Estes factos ajudam a deturpar ou lapidar diáriamente a verdade e é essa "realidade" trabalhada cientificamente, que é transmitida em jactos sucessivos diários, aos espectadores e leitores dos diversos meios de comunicação. Chama-se a isso manipulação das massas e as pessoas aderem a esta manipulação inconscientemente, porque a Comunicação Social especialmente a Televisão que é consumida de forma ávida e quotidiana.

Anónimo disse...

Clara Ferreira Alves revelou-se mais um "inconseguimento" do panorama putrefacto dos media. Estas "celebridades intelectuais" pensam que somos todos parvos e que o seu cinismo classista passa despercebido.
Não fosse o padrinho Pinto Balsemão lhe pagar as contas não sei se poderia ser a pessoa viajada que parece ser, é que auferir rendimento de tertúlias +- cor-de-rosa/ conversa de café num pequeno país não é fácil, talvez nos EUA, país que a Clara acha perfeito talvez conseguisse viver deste tipo de actividade...

É (re)lembrar que a Clara Ferreira Alves tem sido defensora dos bailouts da banca privada, ela diz que tinha que ser feito, mais um caso de "não há alternativa" portanto, para esta cabecinha pensante tem que haver sempre dinheiro para os banqueiros mas se o governo faz alguma coisa para melhor as condições de vida da reprimida classe trabalhadora, classe que tem sido sujeita a incessantes ataques por parte dos neoliberais é pecado, vai habituar os trabalhadores a luxos e o apocalipse é logo a seguir!!
E depois ainda tem o descaramento de acusar outros de estarem a defender o status quo... HIPÓCRITA!

Digo já, no dia que Clara Ferreira Alves defender a cassete Medina Carreira não vou ficar admirado.

Anónimo disse...

João Ramos de Almeida acerta plenamente na mouche:
"Quanto à vinda da troika, está mais que provado - até por declarações de um próprio conselheiro de Durão Barroso - que ela veio para resgatar os capitais investidos pela banca alemã e francesa"
Quem se quiser dar o trabalho de ler este texto no insuspeito Expresso:
http://expresso.sapo.pt/economia/2015-12-30-O-diabo-que-nos-impariu

Anónimo disse...

Sérgio Figueiredo chegou a militar na juventude comunista nos seus tempos de universidade
mais...nos seus primeiros tempos profissionais chegou a ter o colinho do deputado comunista Sérgio Ribeiro, professor de Sérgio Figueiredo no ISEG.
depois, descobriu as gravatas, o pragmatismo e a filha da putice e renegou o passado
um lacaiozito menor que agora mora na TVI

Dias disse...

As políticas seguidas pelo governo de direita PSD/CDS tiveram um cariz sobretudo ideológico, cujos resultados foram desastrosos.
Os “spin doctors” continuam nos seus postos de trabalho, pelo que não é de admirar a profecia da desgraça. A lengalenga é sempre a mesma: o que é preciso é haver dinheiro e muito, para pagar as fraudes e a má gestão dos bancos (já são 4!)…
Aconselho-os a ler o que escreveu o JPP, aqui:
http://abrupto.blogspot.pt/2015/11/diario-de-um-tempo-diferente-12-quando.html

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo,
Haveria muitas formas de atacar o problema financeiro do país. Mas nunca uma política de asfixia o poderia solucionar. Estava na cara de qualquer um, até do quase ex-presidente da República, autor de uma expressão feliz: "espiral-recessiva".

Apenas um sistema de crenças - ideológicas e baseadas em ideias simplistas - poderia justificar tudo o que foi feito. O resultado está à vista. A economia não desponta, os jovens não encontram emprego, os velhos de 45/50 anos desempregados vêem escoar o subsídio de desemprego (cortado em montante e duração) sem solução à vista que não a de uma cantina, de um apoio social ou, para os mais velhos, de uma pensão de velhice cortada. Que milagre!

Até já hoje, o FMI vem abraçar a tese da esquerda radical de 2010 - reestruture-se a dívida, condição básica para aliviar a despesa pública. Isto é, um FMI, porque outro chegará em breve a Lisboa para insistir na mesma tecla de 2011, como se nada se tivesse passado!!

Anónimo disse...

"Apenas um sistema de crenças - ideológicas e baseadas em ideias simplistas ..."

Caro JRA,
Quando este governo diz que vai procurar estimular o crescimento através do consumo, o que está a fazer senão assentar a sua política numa ideia simplista? Ou acha que são os modelos do Excel que Mário Centeno produziu que acrescentam rigor efectivo à "ideia simplista" de base?

O que designa por ideia simplista (quer no caso do governo anterior quer no caso do governo actual) são as grandes orientações da política económica. E para ser sincero, prefiro que a discussão se centre nestas "ideias simplistas" do que se esconda atrás de modelos econométricos muito rigorosos (calculam défices às centésimas de ponto percentual!!) ... que depois falham porque os pressupostos (a realidade) mudam todos os dias.

Quer-me convencer que o governo anterior se orientava por "crenças" e este se orienta por teorias económicas provadas cientificamente cujo resultado será inevitavelmente o que está no Excel do Ministro Mário Centeno?

Anónimo disse...

Caro JRA,

Ainda sobre o "sistema de crenças" veja esta entrevista de João Galamba:
"O Governo anterior apostava numa redução mais rápida do défice ... no nosso entendimento, essa estratégia era errada economicamente. Nós ... criamos uma margem orçamental significativa para financiar grande parte das propostas que apresentamos ..."
http://www.noticiasaominuto.com/politica/499164/ps-menos-ambicioso-com-meta-do-defice-em-prol-de-outras-propostas"

João Galamba coloca a questão nos exactos termos em que deve ser colocada: são diferentes estratégias políticas, sendo que a estratégia do governo anterior era errada "no entendimento do PS" não porque tal foi provado cientificamente.
Para provar cientificamente que a estratégia seguida pelo anterior governo foi errada não basta olhar para os resultados: era necessário ter como termo de comparação um país como Portugal (exactamente como Portugal, o que é impossível) onde tinha vigorado no mesmo período uma estratégia política diferente. E isso repito, é impossível.

Para terminar, e considerando a estima intelectual que tenho por João Galamba, tenho a certeza de que se lhe fosse perguntado se estava provado cientificamente que a estratégia que o PS pretende seguir dará os resultados pretendidos, ele diria que tal não pode ser garantido. Chama a isso um "sistema de crenças"?

Afirmar que "Estava na cara de qualquer um" que o resultado seria o que se verificou, isso sim é uma crendice.