sábado, 26 de julho de 2014

Clima e propaganda

O governo tem uma newsletter, onde divulga as iniciativas e os "sucessos" alcançadas pela maioria de direita. Na sua edição mais recente, ficamos a saber que «Portugal é o maior investidor estrangeiro em Angola», que a «Economia deverá assumir um papel cada vez mais central na lusofonia», que um «Investimento de 27 milhões vai criar redes de rega na baixa de Óbidos», e que «Miguel Macedo faz um balanço positivo das primeiras semanas da época de fogos florestais».

Relativamente à última notícia, temos que ser justos: em nenhum momento o ministro procura chamar a si os louros pelo facto de 2014 ser «o quarto melhor ano da última década em termos de área ardida pelos fogos florestais». Embora, como é óbvio, o enquadramento desta nota informativa não deixe, subliminarmente, de sugerir que há nisto méritos do governo. Aliás, para dissipar dúvidas sobre possíveis intenções propagandísticas da notícia, teria sido importante não omitir o facto de o primeiro semestre de 2014 ter registado níveis de precipitação bastante acima dos verificados na última década, quando a média de temperaturas médias mensais é idêntica nos dois períodos considerados.

E é claro que isto não se compara com as surreais explicações dadas por Vítor Gaspar, em Junho do ano passado, relativamente ao suposto impacto que as «condições meteorológicas» adversas teriam tido na «actividade da construção», e que explicariam - de acordo com o rigoroso ministro, cujo "talento" está agora ao serviço do FMI - a queda do «investimento» ocorrida no primeiro trimestre daquele ano.

O problema, de facto, é que começamos a ficar escaldados com os exemplos que vêm de cima: se as condições climatéricas não ajudam à propaganda, omitem-se; se ajudam, então é culpá-las pelos fracassos. Não se espantem por isso se, um dia, saltarem da ficção para a realidade títulos como o que ontem fazia o Inimigo Público: «Alunos garantem que a queda histórica nas notas do exame de Matemática é devida à sazonalidade».

11 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Surreais porquê? Não só os dados posteriores demonstraram que de facto foi exactamente como Vítor Gaspar disse, como todas as análises económicas posteriores, feitas por todas as entidades com um mínimo de credibilidade na matéria (desde o Banco de Portual, ao INE, ao FMI, à OCDE, à Comissão Europeia), dizem exactamente o mesmo: a crescimento do PIB do primeiro trimestre de 2013 for fortemente afectado pela queda da formação bruta de capital fixo, que se explica por um comportamento especialmente negativo do sector da construção civil, que resultou das condições meteorológicas especialmente desfavoráveis nesse trimestre. Qual é a dúvida a esse respeito?

Nuno Serra disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos,
Talvez valha a pena seguir a ligação indicada no post, sobre dados do «Inquérito Qualitativo de Conjuntura à Construção e Obras Públicas».
Reproduzo-a novamente aqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/06/tapar-o-fracasso-com-chuva.html

Anónimo disse...

depois dos oito mortos do ano passado, que se devem ter devido à ausência por licença de maternidade da melhor ministra das florestas de sempre, qualquer "época de incêndios" é maravilhosa.

Mário Estevam disse...

Nuno Serra: o verão ainda nem chegou a meio. Agosto costuma ser desastroso. 2013 chegou a ter 9 mil bombeiros na rua por dia e isso é ter toda a gente fora do quartel.

Não me importa muito se chove ou não chove no inverno... Bastam meia dúzia de dias com o anticiclone dos açores a noroeste da peninsula para o vento de leste entrar e secar tudo. Depois basta alguém ir assar sardinhas para o campo.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Nuno Serra, eu falo-lhe na realidade, o Nuno Serra responde-me com um inquérito global sobre quais são os maiores problemas do sector. Com certeza que o maior problema é a falta de procura, mas o que interessa, para este caso, é saber se no trimestre em causa a produção concreta (para a procura que existe), foi ou não afectada pela meteorologia. Todas as análises que conheço dizem que sim.

Anónimo disse...

Conhece pouco o sr Henrique Santos.

Repare-se na mudança qualitativa do discurso do Sr Santos de um comentário para o outro e como o "fortemente afectado " se transformou para um anódino "a produção concreta (para a procura que existe), foi ou não afectada pela meteorologia.

Porque e cito:"As famosas condições climatéricas desfavoráveis, que segundo Gaspar teriam sido responsáveis pela quebra do investimento e pela contracção da economia nos primeiros meses do ano, surgem na cauda da tabela (sendo referidas por apenas 5% dos inquiridos)"

Assim se escamoteia a desonestidade intrínseca de um ministro.Assim se pinta uma realidade tão ao gosto do gosto do poder e assim se percebe onde ir buscar o "pessoal" para a função necessária.

Mas a situação fia mais fino e põe em causa a douta opinião do banco de Portugal, do INE, do FMI,da OCDE, da Comissão europeia.. a atestar que o sentido de classe neoliberal justifica todas as aldrabices e todas as desonestidades para tentar levar a água ao seu moinho.
E há quem lhes beba as águas.

Vejamos os enganos de Gaspar ao ler o boletim meteorológico

De

Anónimo disse...

Vamos então falar mesmo da realidade, ultrapassando a propaganda oficial e oficiosa

"Todos os meses, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) publica o seu boletim climatológico, com a análise daquilo que sucedeu, digno de nota, a nível meteorológico, nos 30 dias anteriores: principais ocorrências, valores máximos e mínimos de precipitação e temperatura, fenómenos extremos e variações em relação à média.
Depois de se ouvir o ministro das Finanças afirmar, no Parlamento, que o "investimento no primeiro trimestre deste ano" foi "adversamente afectado pelas condições meteorológicas dos primeiros três meses do ano que prejudicaram a actividade da construção", vale a pena voltar a ler os boletins do IPMA, referentes aos primeiros três meses de 2013. E tentar encontrar, então, as condições adversas de que fala Vítor Gaspar.
O que dizem os especialistas da meteorologia sobre Janeiro? "O mês classificou-se como normal a chuvoso em quase todo o território, exceto no Sotavento Algarvio onde foi seco." A única nota relevante a que Vítor Gaspar se poderia referir foi o "vento muito forte ou excepcionalmente forte" registado nos dias 18 e 19 - mas que ocorreram a uma sexta-feira e a um sábado, que dificilmente podem ser caracterizados como dias relevantes para o investimento económico ou até para a actividade da construção.
Fevereiro foi, segundo o IPMA, "caracterizado por valores médios da quantidade de precipitação e da temperatura média do ar inferiores ao valor normal 1971-2000." E, logo a seguir, ao analisarem a quantidade de chuva caída em Portugal nesse período, os técnicos que elaboraram o relatório não podiam ser mais eloquentes: "O mês classificou-se como muito seco a seco em todo o território." A única ocorrência digna de nota, foi uma onda de frio entre os dias 24 e 28 de fevereiro - e, mesmo assim, a temperatura mais baixa registada foram -6 graus, no dia 26, em Carrazeda de Ansiães (em contrapartida, dez dias antes, em Évora, o termómetro chegara aos 21,5 graus).
Finalmente , o mês de março é o único em que Vitor Gaspar pode encontrar justificação para a sua tese. Segundo o IPMA, "março de 2013 foi o segundo mais chuvoso em Portugal continental nos últimos 50 anos e o sétimo desde 1931.". Durante esse período foram mesmo "excedidos os valores máximos da quantidade de precipitação nos últimos 50 a 73 anos em alguns locais das regiões da Beira Interior, Estremadura, Ribatejo e Alentejo."
Resumindo: ao contrário do que disse Vitor Gaspar, não se registaram três meses com condições meteorológicas adversas, mas apenas um, o de março. Os outros dois, estiveram perfeitamente dentro do que é normal chamar-se... inverno.
Está, assim, encontrada a explicação para muito daquilo que temos vivido em Portugal nos últimos dois anos. A culpa não é da chuva, mas sim de Vítor Gaspar fazer previsões económicas com o mesmo método com que lê o boletim meteorológico: confunde três meses com um, tira conclusões apressadas e... engana-se no fim".


Ler mais: http://visao.sapo.pt/gaspar-tambem-se-engana-a-ler-o-boletim-meteorologico=f734685#ixzz38cVpI6Ro
(o "engano" de gaspar e o das doutas entidades que nos têm levado para o abismo. Por isso é que o convidaram para a sua corte apodrecida )

De

Unknown disse...

Para o Sr. Henrique o clima português é um misto de Sibéria com a época de monções da Índia mais os tornados americanos. Assim não se pode mesmo trabalhar!!

Jose disse...

Mal suportam o facto de ter-mos o governo menos gabarola e propagandístico dos últimos decénios.
Não que seja uma qualidade intrínseca, mas seguramente porque assume, como pilar primeiro de política, que é tempo de enfrentar a realidade, o que incomoda muito mais gente!

Anónimo disse...

Um apontamento rápido, a precipitação nos meses de inverno e a ocorrência de fogos no verão não são duas variáveis correlacionadas negativamente. Isto quer dizer que por haver mais chuva não existem menos incêndios.

Pelo contrário, nos anos com mais chuva no inverno existem muito mais incêndios e maior área ardida (dados do INE).

Isto deve-se ao crescimento maior do mato propenciado pela chuva.

Em Portugal não há muita área ardida pela temperatura ou pela ausência de precipitação. Há muita área ardida pela ausência de política florestal.

Anónimo disse...

Alguém que afirma que este é o governo "menos propagandista e menos gabarola" dos últimos decénios está seguramente a fazer uma afirmação propagandística, porque totalmente gratuita.

A ausência de dados que comprovem e alicercem este tipo de afirmações remete-nos para o reino dos assessores e dos "rapazes" que enxameiam os meios de comunicação social ao serviço do poder vigente

O "ter-mos" remete-nos para outra coisa.Mais comezinha

De