As eleições para o
Parlamento Europeu estão aí. Em entrevista ao "Jornal de Negócios"
(28 Abril), Francisco Assis confirma o discurso do europeísmo da terceira via
social-democrata: generalidades inócuas ("recusa da política ultraliberal
conservadora", "romper com esta situação de divisão da Europa"),
propostas irrealizáveis ("fundo de amortização da dívida acima de 60% dos
PIB de todos os estados", "alterar a política monetária"), tacticismo
político ("lutar por uma leitura inteligente do Tratado Orçamental, para
que este não impeça o crescimento") e fuga para a frente ("é óbvio
que não pode haver maior integração económica sem maior integração
política"). Ignorando as implicações profundas da perda da soberania
(moeda e orçamento), o discurso de Assis não oferece aos portugueses uma saída
para o desastre em que o país foi lançado.
É deplorável, embora não
seja uma surpresa, que as propostas de política económica da social-democracia
europeia estejam impregnadas da ideologia neoliberal, mesmo com a maior crise
ocorrida depois da Grande Depressão. Assumindo que "tem de haver uma
preocupação séria com o equilíbrio orçamental", Assis abdica da política
orçamental como instrumento de política contracíclica. De facto, não é a
atenuação dos ciclos económicos em resultado do funcionamento dos
estabilizadores automáticos (subsídio de desemprego, impostos) que caracteriza
o exercício de uma política orçamental, mas, para além destes, a variação
discricionária da despesa pública (sobretudo de investimento) e da tributação.
Os défices e os excedentes orçamentais são instrumentos de política económica
para ser usados ao serviço dos objectivos do pleno emprego e de uma inflação
contida. Hoje nenhum partido à esquerda se atreve a defender explicitamente uma
política orçamental keynesiana, o que é revelador do quanto as esquerdas se
deixaram condicionar pelo discurso neoliberal.
A verdade é que a política
orçamental está proibida na zona euro com o apoio da social-democracia
europeia. Aproveitando a crise, a Alemanha eliminou a pouca margem de manobra
que ainda havia, como bem notou um ex-conselheiro de Durão Barroso: "Uma
crise que podia ter unido a Europa num esforço conjunto para vergar os
poderosos bancos, em vez disso, dividiu a zona euro em países credores e
devedores, transferindo o "crédito malparado" dos bancos [alemães e
franceses] para dívida intergovernamental. As instituições da União Europeia
converteram-se em instrumentos dos credores para impor a sua vontade aos
devedores, subordinando a "periferia" do Sul ao "centro" do
Norte, nos termos de uma relação quase colonial. Berlim e Bruxelas estão agora
interessados em consolidar este sistema, em vez de ceder poder e admitir
erros" (Philippe Legrain, Euro-Zone Fiscal Colonialism, "New York Times", 21 de Abril). Era
conveniente que Francisco Assis explicasse aos eleitores como é que os
social-democratas, ganhando a maioria, vão promover o crescimento nos países da
periferia sem política orçamental, sem política monetária - o BCE nem sequer consegue
cumprir o objectivo da estabilidade dos preços, deixando-nos à beira da
deflação - e sem política cambial (o euro como sucedâneo do marco).
Aceitando uma maior
integração política, Francisco Assis também aceita "o direito de análise
prévia das opções orçamentais, que eventualmente será reforçado".
Portanto, aceita que fiquemos sujeitos à pressão política, ao veto das nossas
escolhas e aos castigos impostos por uma Comissão que não elegemos. Em suma,
Assis aceita o federalismo orçamental antidemocrático.
Fica o alerta de Cécile Barbier: "A União Europeia está,
mais que nunca, confrontada com o desafio da irreversibilidade de escolhas
ideológicas carregadas de implicações cujos estragos políticos e sociais, no
plano nacional e europeu, não podemos deixar de temer." (La prise
d'autorité de la BCE et les dangers démocratiques de la nouvelle gouvernance
économique dans l'UE, OSE, p. 33).
(O meu artigo no jornal i)
6 comentários:
Em quem podem votar então os que acreditam que o keynesianismo poderia fazer a diferença?
Se não houver uma modificação significativa das políticas praticadas actualmente na UE , não vejo qualquer possibilidade de alteração da situação degradante do Sul da Europa.
Por vezes parece que se pretende criar uma sub-região de subdesenvolvimento generalizado no Sul, uma espécie de noe-colonialismo.
Portugal é hoje um País em desindustrialização acelerada e com uma alta destruição de activos,
não podendo ser alvo de qualquer desenvolvimento perante esta situação.
Os apelos ao monolitismo político são uma constante o que pode ser um indicador que a própria democracia parlamentar e o Estado de Direito estão seriamente em perigo.
Conclusões possíveis:
A mais imediata - é profundamento anti-democrático que uma geração decida viver à custa da dívida que as gerações seguintes devem pagar.
A mais razoável- uma geração deve poder endividar-se para alcançar retornos de que beneficiarão as gerações futuras, que por isso a pagarão proporcionadamente.
A mais dissimulada - experiência recente indica que a razoabilidade é democraticamente arrasada pelo oportunismo que converte maioritáriamente em benefícios, direitos e garantias imediatos, suportados em dívida a pagar pelos vindouros. Chamam-lhe por isso A LUTA, e dizem-na virtuosa em si mesma!!!
Será pedir muito ao jose para ler o texto em causa em vez de nos bombardear com o refugo neoliberal tantas vezes aqui desmontado?
É que tal postura é, não só cansativa, como sobretudo desonesta.
O estar constantemente a citar a despropósito a lenga-lenga mediática da dupla passos coelho/ portas mostra também a "qualidade" e a completa falta de juízo crítico por parte do jose.
Mas mostra também o seu posicionamento profundamente anti-democrático de pugnar pela submissão acéfala e anti-patriótica à troika, aos troikistas, aos credores e aos agiotas.
Quererá provavelmente que paguemos a crise despoletada pelos seus amigos?Quererá continuar a viver das rendas e dos negócios à merkel? Quererá simplesmente que Portugal passe a falar alemão, repetindo o estribilho Deutschland Uber Alles?
Que tristeza.
De
Tudo certo, mas...
"Hoje nenhum partido à esquerda se atreve a defender explicitamente uma política orçamental keynesiana, o que é revelador do quanto as esquerdas se deixaram condicionar pelo discurso neoliberal." ????
" É deplorável, embora não seja uma surpresa, que as propostas de política económica da social-democracia europeia estejam impregnadas da ideologia neoliberal"
Ou seja, o neo-liberalismo está em todo o lado.
Uma boa maneira de o combater, é fazer ver que as medidas da Troika são neo-liberais. Não são medidas a vulso.
Desconstruir as medidas da Troika é essencial.
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