sexta-feira, 2 de maio de 2014

Aceita um federalismo orçamental antidemocrático?



As eleições para o Parlamento Europeu estão aí. Em entrevista ao "Jornal de Negócios" (28 Abril), Francisco Assis confirma o discurso do europeísmo da terceira via social-democrata: generalidades inócuas ("recusa da política ultraliberal conservadora", "romper com esta situação de divisão da Europa"), propostas irrealizáveis ("fundo de amortização da dívida acima de 60% dos PIB de todos os estados", "alterar a política monetária"), tacticismo político ("lutar por uma leitura inteligente do Tratado Orçamental, para que este não impeça o crescimento") e fuga para a frente ("é óbvio que não pode haver maior integração económica sem maior integração política"). Ignorando as implicações profundas da perda da soberania (moeda e orçamento), o discurso de Assis não oferece aos portugueses uma saída para o desastre em que o país foi lançado.

É deplorável, embora não seja uma surpresa, que as propostas de política económica da social-democracia europeia estejam impregnadas da ideologia neoliberal, mesmo com a maior crise ocorrida depois da Grande Depressão. Assumindo que "tem de haver uma preocupação séria com o equilíbrio orçamental", Assis abdica da política orçamental como instrumento de política contracíclica. De facto, não é a atenuação dos ciclos económicos em resultado do funcionamento dos estabilizadores automáticos (subsídio de desemprego, impostos) que caracteriza o exercício de uma política orçamental, mas, para além destes, a variação discricionária da despesa pública (sobretudo de investimento) e da tributação. Os défices e os excedentes orçamentais são instrumentos de política económica para ser usados ao serviço dos objectivos do pleno emprego e de uma inflação contida. Hoje nenhum partido à esquerda se atreve a defender explicitamente uma política orçamental keynesiana, o que é revelador do quanto as esquerdas se deixaram condicionar pelo discurso neoliberal.

A verdade é que a política orçamental está proibida na zona euro com o apoio da social-democracia europeia. Aproveitando a crise, a Alemanha eliminou a pouca margem de manobra que ainda havia, como bem notou um ex-conselheiro de Durão Barroso: "Uma crise que podia ter unido a Europa num esforço conjunto para vergar os poderosos bancos, em vez disso, dividiu a zona euro em países credores e devedores, transferindo o "crédito malparado" dos bancos [alemães e franceses] para dívida intergovernamental. As instituições da União Europeia converteram-se em instrumentos dos credores para impor a sua vontade aos devedores, subordinando a "periferia" do Sul ao "centro" do Norte, nos termos de uma relação quase colonial. Berlim e Bruxelas estão agora interessados em consolidar este sistema, em vez de ceder poder e admitir erros" (Philippe Legrain, Euro-Zone Fiscal Colonialism, "New York Times", 21 de Abril). Era conveniente que Francisco Assis explicasse aos eleitores como é que os social-democratas, ganhando a maioria, vão promover o crescimento nos países da periferia sem política orçamental, sem política monetária - o BCE nem sequer consegue cumprir o objectivo da estabilidade dos preços, deixando-nos à beira da deflação - e sem política cambial (o euro como sucedâneo do marco).

Aceitando uma maior integração política, Francisco Assis também aceita "o direito de análise prévia das opções orçamentais, que eventualmente será reforçado". Portanto, aceita que fiquemos sujeitos à pressão política, ao veto das nossas escolhas e aos castigos impostos por uma Comissão que não elegemos. Em suma, Assis aceita o federalismo orçamental antidemocrático.

Fica o alerta de Cécile Barbier: "A União Europeia está, mais que nunca, confrontada com o desafio da irreversibilidade de escolhas ideológicas carregadas de implicações cujos estragos políticos e sociais, no plano nacional e europeu, não podemos deixar de temer." (La prise d'autorité de la BCE et les dangers démocratiques de la nouvelle gouvernance économique dans l'UE, OSE, p. 33).


(O meu artigo no jornal i)

6 comentários:

Manuel de Castro disse...

Em quem podem votar então os que acreditam que o keynesianismo poderia fazer a diferença?

Anónimo disse...

Se não houver uma modificação significativa das políticas praticadas actualmente na UE , não vejo qualquer possibilidade de alteração da situação degradante do Sul da Europa.
Por vezes parece que se pretende criar uma sub-região de subdesenvolvimento generalizado no Sul, uma espécie de noe-colonialismo.
Portugal é hoje um País em desindustrialização acelerada e com uma alta destruição de activos,
não podendo ser alvo de qualquer desenvolvimento perante esta situação.
Os apelos ao monolitismo político são uma constante o que pode ser um indicador que a própria democracia parlamentar e o Estado de Direito estão seriamente em perigo.

Jose disse...

Conclusões possíveis:
A mais imediata - é profundamento anti-democrático que uma geração decida viver à custa da dívida que as gerações seguintes devem pagar.
A mais razoável- uma geração deve poder endividar-se para alcançar retornos de que beneficiarão as gerações futuras, que por isso a pagarão proporcionadamente.
A mais dissimulada - experiência recente indica que a razoabilidade é democraticamente arrasada pelo oportunismo que converte maioritáriamente em benefícios, direitos e garantias imediatos, suportados em dívida a pagar pelos vindouros. Chamam-lhe por isso A LUTA, e dizem-na virtuosa em si mesma!!!

Anónimo disse...

Será pedir muito ao jose para ler o texto em causa em vez de nos bombardear com o refugo neoliberal tantas vezes aqui desmontado?

É que tal postura é, não só cansativa, como sobretudo desonesta.

O estar constantemente a citar a despropósito a lenga-lenga mediática da dupla passos coelho/ portas mostra também a "qualidade" e a completa falta de juízo crítico por parte do jose.
Mas mostra também o seu posicionamento profundamente anti-democrático de pugnar pela submissão acéfala e anti-patriótica à troika, aos troikistas, aos credores e aos agiotas.
Quererá provavelmente que paguemos a crise despoletada pelos seus amigos?Quererá continuar a viver das rendas e dos negócios à merkel? Quererá simplesmente que Portugal passe a falar alemão, repetindo o estribilho Deutschland Uber Alles?
Que tristeza.

De

Rogério G.V. Pereira disse...

Tudo certo, mas...

"Hoje nenhum partido à esquerda se atreve a defender explicitamente uma política orçamental keynesiana, o que é revelador do quanto as esquerdas se deixaram condicionar pelo discurso neoliberal." ????

um Judeusito disse...

" É deplorável, embora não seja uma surpresa, que as propostas de política económica da social-democracia europeia estejam impregnadas da ideologia neoliberal"

Ou seja, o neo-liberalismo está em todo o lado.
Uma boa maneira de o combater, é fazer ver que as medidas da Troika são neo-liberais. Não são medidas a vulso.
Desconstruir as medidas da Troika é essencial.