quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Redução ao absurdo


Que grande momento no Prós & Contras da passada 2ª feira, quando ficámos a conhecer a mais recente estratégia argumentativa do campo pró-austeritário para promover a inacção, ou de preferência extinção, do Tribunal Constitucional: a redução ao absurdo. Basicamente, Ricardo Arroja alegou que vivemos num período cuja excepcionalidade deverá sobrepor-se à Constituição e, como argumento, invocou o pretenso facto do Tribunal Constitucional há muito não assegurar o cumprimento do artigo 105, nº 4, que segundo Arroja diz algo como “O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas”, pelo que, ipso facto, a existência de défices públicos constituiria em si mesma uma inconstitucionalidade reiterada. Passo seguinte na argumentação: se o Tribunal Constitucional pode deixar passar esta inconstitucionalidade, pode com certeza deixar passar outras – sobretudo todas aquelas que ele, os seus correligionários e o Governo defendem. A julgar pelos comentários no sempre divertido blogue luso-austríaco da nossa praça, o brilhantismo desta pérola argumentativa terá levado ao êxtase os defensores da austeridade supra-constitucional permanente.

Pela minha parte, ainda me estou a rir com aquele que terá sido certamente um dos argumentos mais disparatados da história do debate político-económico-constitucional em Portugal. É que Ricardo Arroja não conhece, ou esqueceu-se de referir, o resto do nº 4 do artigo 105:

4. O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.”

Ou seja, a interpretação do artº 105 que Ricardo Arroja & Cia. pretendem fazer passar como correcta – segundo a qual todo e qualquer défice público e toda e qualquer contracção de dívida pública seriam inconstitucionais – consegue, de uma penada:

·         ignorar a classificação consagrada dos empréstimos contraídos pelo Estado como constituindo receitas creditícias (e dos reembolsos desses empréstimos como constituindo despesas);
·         implicar a inconstitucionalidade da própria existência do Instituto de Gestão do Crédito Público, cujo objecto estatutário (nº4) consiste na “(...) gestão da dívida pública directa e do financiamento do Estado (...); 
·         tornar incompreensível o debate em torno da inclusão na Constituição, ou em lei de valor reforçado como acabou por se verificar aqui há meses, de enunciado normativo relativo ao saldo orçamental primário equilibrado; e ainda
·         ter como consequência que o nº 4 do artº 105 da CRP se contrarie a si próprio, na medida em que estabelece expressamente a possibilidade de algo (o recurso ao crédito público) que, segundo a interpretação por parte de R. Arroja de parte inicial do artigo em questão, estaria vedado por esse mesmo artigo.

Em suma, este economista não só tem um conhecimento, digamos, limitado da estrutura orçamental (na Proposta de Lei do Orçamento para 2014, por exemplo, lá estão, com o código 12.00.00, quase 130 mil milhões de Euros de novos empréstimos no mapa das receitas), como considera que a Constituição é inconstitucional. Tendo em conta a estratégia argumentativa, é um sucesso estrondoso de Ricardo Arroja: conseguiu reduzir-se a si próprio ao absurdo.

23 comentários:

HC disse...

A impotência da Razão e a fraqueza da Verdade.
"Lembrar todos os erros que os médicos cometeram ao falar sobre
o sexo ou a loucura não adianta nada...Só tem importância a determinação do regime de veridição que lhes permitiu dizer como verdadeiras e afirmar como verdadeiras algumas coisas que, aliás, hoje sabemos talvez não o
fossem tanto assim."
Onde Foucault menciona "médicos" podemos facilmente substituir por "economistas", onde se lê "sexo" e "loucura" leia-se, por exemplo, "défice" e "dívida".
No que concerne à determinação do regime de veridição que sustenta as verdades dos arrojas da nossa praça, este blog surge, sem grandes dúvidas, como um dos seus principais promotores.

Unknown disse...

Acho que complementa o post, até para se compreender o raciocínio de RA&C.ª (que confesso não compreendia antes, como digo no 1.º comentário) os comentários ao post que ele ontem publicou com a transcrição do art.º 105.º da CRP

Alvaro disse...

"sempre divertido blogue luso-austríaco da nossa praça"
Trata-se do Insurgente. Porquê luso-austríaco?

Este blog "não" filtra os comentários, todos aparecem sem necessitar da aprovação do(s) autor(es) do blog.
O pior é que o comentário aparece desaparece pouco tempo depois. Comentários meus já se evaporaram vários.

Anónimo disse...

O Ricardo Arroja é licenciado em gestão e a profissão dele é na área de gestão de patrimónios, daí não me surpreender tal barbaridade.

Ricardo Arroja disse...

Meu caro Alexandre,

Duas notas:

1) Não defendi, em parte alguma do debate, que "se o Tribunal Constitucional pode deixar passar esta inconstitucionalidade, pode com certeza deixar passar outras". Disse apenas, e já o escrevi várias vezes, que Portugal perdeu a sua soberania orçamental e constitucional a partir do momento em que Portugal aderiu ao euro, e sobretudo a partir do momento em que Portugal pediu ajuda externa no espaço do euro. Portanto, se quer citar-me, faça-o com categoria, ou seja, com isenção.

2) Como o meu caro certamente deveria saber, um empréstimo (crédito) não equivale a receita. Trata-se de um recurso. A este propósito, sugiro que leia a interessante discussão que estamos a ter nesse tão peculiar blogue luso-austríaco chamado O Insurgente (http://oinsurgente.org/2013/10/23/saldo-primario-vs-artigo-105o-no4/), e onde o artigo 105º foi por mim reproduzido na íntegra. Mais uma vez, se me quer citar faça-o como deve ser. Vocês que são académicos de profissão, e aqui muitos de vós o são, têm uma obrigação especial de manter a elegância e a seriedade da discussão. A este respeito, pergunte ao Ricardo Paes Mamede se alguma vez fui deselegante com ele...estou certo que ele responderá que não.

Alexandre Abreu disse...

@ Alvaro:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Austr%C3%ADaca

...embora a seguinte personagem sintetize melhor as ideias políticas que por ali pairam:

http://en.wikipedia.org/wiki/Ayn_Rand

(neste caso na versão inglesa, porque mais completa). Obrigado pelos comentários.

Anónimo disse...

Não conhecia o tal R. Arroja embora ultimamente o tenha visto algumas vezes na TV a fazer comentários muito infelizes para não dizer imbecis.
Quando alguém, como parece ser o caso, acredita piamente ser dono da verdade, então alguma coisa vai mal naquela cabeça.
Ás vezes ser um convencido não faz mal a ninguém mas quando não se sabe o que se diz( como foi o caso a propósito da constituição) então o melhor é estar caladinho e guardar as opiniões para si. Assim só faz mal a si próprio e não se faz má figura.
De todo o modo, o tal R. Arroja( bem como o tal João Almeida) deviam era ter agradecido ao Prof. Novais a magistral lição que ele lhes deu sobre Direito Constitucional. É claro que para o tal R. Arroja, viu-se, foi demais e ele não conseguiu acompanhar o raciocínio. O outro que tal João Almeida, esse, se é licenciado em Direito, ficou a saber que se estivesse na faculdade, levava um chumbo de todo o tamanho na cadeira de Direito Constitucional.

Anónimo disse...

O que não pode deixar de ter a sua piada é o Arroja a esgrimir este tipo de estatégia argumentativa face a um constitucionalista!

Nuno Almeida disse...

Pois! O problema de RA e muitos outros RA's é que se o Direito fosse uma colectânea de romances, qualquer RA com a 4ª classe era jurista! Ou não era? Pois, mas não é!

RA não insista na manifestação pública de ignorância e na sua demonstração.

Nuno Costa disse...

Entre o Ricardo Arroja e o Miguel Gonçalves não há qualquer diferença substantiva: ambos julgam que se "baterem punho" com muita força e perseverança será possível violar todas as regras impostas pela realidade. Para eles violar a constituição não é nada. Desde que sejam mesmo chatos e birrentos julgam que isso será o suficiente para convencer os espetadores-clientes da sua verborreia a aderir a tal pseudo-realidade.

Para esta gente até mesmo as leis da física poderiam ser colocadas em causa, desde que se "bata punho" com suficiente energia, indignação e histerismo mal informados.

Estamos a atravessar por um período de coletivização do delírio psicopatológico.
Em vez de se entregar ao proletariado os meios de produção, entregam-se lunatismos e outros delírios que tais.

Anónimo disse...

Se os constitucionalistas dizem que o recurso ao crédito faz parte das receitas, porquê tanta insistência em dizer o contrário, que o recurso ao crédito não pode ser considerado uma receita? No artigo, quando se fala de receitas quer dizer "entrada de dinheiro". Não deve significar receitas no sentido de receitas da actividade económica.
Se é essa a interpretação considerada correcta pelos especialistas, porquê continuar a desafiá-la? É a pergunta que eu deixo.

Anónimo disse...

Caro Ricardo Arroja,

Na Contabilidade Pública há dois grandes tipos de receitas.

Receitas Correntes

Receitas de Capital

O recurso à dívida é considerado como uma Receita de Capital e registado na rubrica Passivos Financeiros.

Não percebo onde é que está a dúvida.

Não há nem nunca ouve qualquer inconstitucionalidade.

Aliás, todos os orçamentos são feitos para que o valor das despesas = valor das receitas.

Anónimo disse...

Isto é uma questão de Contabilidade Pública, nada mais do que isso.


Em Contabilidade Pública temos de um lado as Receitas e do outro lado a Despesa.

Dentro das Receitas há dois grandes tipos:

- Receitas Correntes (Impostos, Taxas, etc...)
- Receitas de Capital (Venda de Bens de Investimento, Transferências de Capital, Passivos Financeiros, etc...)

Os empréstimos enquadram-se nos Passivos Financeiros.

São considerados como Receitas.

No caso do Orçamento a diferença entre Receitas e Despesas tem de ser igual a 0.

Como é óbvio, quando há défice tem de se recorrer aos Passivos Financeiros para equilibrar os pratros da balança. Ou isso ou venda de bens de investimento, i.e. activos.

Se há superavit então regista-se uma despesa em Activos Financeiros através dos depósitos bancários, títulos, etc....

Penso que assim fica tudo explicado.

Alexandre Abreu disse...

Caro Ricardo:

Seja bem-vindo e obrigado pelo comentário. Efectivamente, na guerra, incluindo de classes, nem sempre é fácil mantermos a elegância.

Só estou a responder agora ao seu comentário, que aqui foi publicado tardiamente, pois só agora regressei ao blogue e quando ontem respondi ao Álvaro não me apercebi que havia um comentário pendente. De qualquer forma, lamento esse atraso na publicação.

Ainda em relação às questões de forma, escrevi o meu post tendo apenas visto o P&C e lido a denúncia pelo Insurgente do passado sinistro do Ricardo Paes Mamede, não o seu post com o artº 105 completo. Em todo o caso, isso é irrelevante: no P&C, que apesar de tudo tem uma audiência um pouco maior que o Insurgente, citou o artigo de forma incompleta e errónea, pelo que a minha crítica mantém toda a pertinência.

Entretanto, estamos no campo da política, não do debate académico. Não é necessário apresentar citações ipsis verbis do P&C ou de textos anteriores seus para poder interpretar a sua estratégia argumentativa como visando descredibilizar o Tribunal Constitucional - objectivo que, aliás, foi aparentemente alcançado com grande sucesso entre a maioria dos leitores do Insurgente. Eu, que não só considero que o argumento é muito fraco como sobretudo me oponho radicalmente aos fins para que o utiliza, tomei a meu cargo a tarefa de expor a debilidade da argumentação. E aquilo que alega em defesa da honra no comentário em cima é novamente fraco, uma vez que a eventual inconstitucionalidade dos défices do passado nada tem a ver com a perda de soberania constitucional que alega ter passado a vigorar (independentemente de eu considerar que nenhuma dessas ideias faz qualquer sentido), a não ser, lá está, pela via da tentativa de descredibilização do Tribunal Constitucional e do princípio da legalidade.

Quanto à matéria de fundo, e uma vez que apela à seriedade, sugiro então que baseie a sua argumentação na bondade intrínseca das medidas em curso e/ou que procure mostrar que a alternativa (que a há - chama-se reestruturação da dívida) é pior do que o rumo actual se for promovida de forma soberana pelo devedor (pois penso que saberá tão bem como eu que a reestruturação em si mesma é uma inevitabilidade - o que está em causa é quem a levará a cabo, de que forma e em que momento).

Já utilizar a descredibilização do princípio da legalidade como argumento em favor de opções políticas apresentadas como falsamente inevitáveis parece-me, isso sim, pouco sério. Mas na verdade não lho levo a mal: tenho plena noção do que está em causa nos tempos que correm, pelo que, em lados opostos, ambos recorreremos às armas que forem eficazes e necessárias.

Ricardo Arroja disse...

Caro Alexandre,

Obrigado pela publicação do meu comentário.

Quanto ao seu repique, três observações:

1) "no P&C, que apesar de tudo tem uma audiência um pouco maior que o Insurgente, citou o artigo de forma incompleta e errónea"

Alguma vez você já esteve no P&C? Se sim, saberá com certeza da impossibilidade de citar um artigo inteiro (que contém quatro números e várias alíneas em cada número) num programa onde a probabilidade de ser interrompido ao final de alguns segundos é elevada. Dito isto, e aceitando a parte do incompleto, não entendo a parte do erróneo na medida em que me limitei a reproduzir uma frase muito objectiva do dito artigo 105º.

2) "Não é necessário apresentar citações ipsis verbis do P&C ou de textos anteriores seus para poder interpretar a sua estratégia argumentativa como visando descredibilizar o Tribunal Constitucional"

É sim. Pela simples razão de que eu nunca defendi - como o Alexandre me atribuiu no seu post - que o Governo implementasse medidas inconstitucionais ou contra qualquer lei portuguesa. Apenas disse, e reitero, que a Constituição está desajustada do enquadramento institucional em que vivemos e que, como corolário (este sim que me pode atribuir), deveria existir uma revisão constitucional ou (atendendo a que a CRP tem sido um saco de pancada) uma interpretação diferente da CRP.

3) "sugiro então que baseie a sua argumentação na bondade intrínseca das medidas em curso e/ou que procure mostrar que a alternativa"

Há anos, desde 2009 (num programa da RTP Informação) até aos dias de hoje (leia, por exemplo, o capítulo 8 do meu livro "As contas politicamente incorrectas da economia portuguesa", Guerra e Paz 2012, entre dezenas de outros artigos que tenho publicado na imprensa) que defendo a reestruturação da dívida pública portuguesa. Terei sido talvez dos primeiros em Portugal a falar do assunto, defendendo um reescalonamento de toda a dívida pública (aquela detida pelo sector oficial e também aquela que é detida pelo sector privado) bem como uma revisão dos juros. Portanto, essa sua crítica não colhe e induz em erro os leitores deste blogue quanto às ideias que eu tenho defendido ao longo dos anos. Mas infelizmente só a reestruturação da dívida não chega...

4) "tenho plena noção do que está em causa nos tempos que correm, pelo que, em lados opostos, ambos recorreremos às armas que forem eficazes e necessárias."

É precisamente neste ponto que reside o meu desapontamento, e a minha divergência, maior no tom deste post. O Alexandre apresenta este post como exemplo de uma guerra que, alegadamente, existe entre blogues e bloggers. Ora, e respondo apenas por mim, eu não entendo o debate ideológico como uma guerra entre facções; isso é para é coisa para os partidos políticos, aos quais eu não pertenço. Eu tenho escrito, e continuarei a escrever, numa perspectiva - quiçá ingénua - construtiva, e não destrutiva. Os tempos que correm são para união, e não divisão. Mas escrevei sobre isto um dia destes.

Alexandre Abreu disse...

Obrigado, Ricardo.
Penso que por esta altura os argumentos, contra-argumentos e esclarecimentos de posição já terão ficado suficientemente claros. Como além disso não quero abusar da condição de 'anfitrião', ficar-me-ei por aqui, limitando-me a deixar eu próprio um esclarecimento. É que a guerra a que me refiro não é entre blogues e seguramente não é entre nós, uma vez que naturalmente não me move qualquer animosidade pessoal. É entre interesses e entre classes.
Neste contexto, paz sem voz não é paz, é medo. E união na desigualdade não é união, é dominação.
Até breve,
Alexandre

Zuruspa disse...

O Arroja acabou agora de afirmar que "ai e tal, num programa de TV näo se consegue referir o artigo todo".
Pois näo.
Mas daí a só se referir o que convém vai um grande passo. E o resto é conversa... da treta.
Mas está ao nível da frase do pseudo-jurista Almeida de que mentir em campanha eleitoral é legítimo...

Jorge S. disse...

A referência é mesmo errónea, por uma razão muito simples: não é possível interpretar correctamente essa norma constitucional se não recorrermos a todo o texto da norma.

João Barros disse...

Caro Ricardo,
Caro Alexandre,

Agradeço muito a vossa discussão e contribuição para o esclarecimento do art.105. Sendo um leigo em matérias de constituição e pouco mais do que isso em matérias económicas, parece-me que a discussão nasce das diferentes interpretações que existem do termo "receitas".

Nesta discussão ficou bastante claro os diferentes critérios que os juristas e economistas utilizam para interpretar o termo "receitas". Segundo a interpretação económica, receitas não incluem financiamento e segundo a interpretação júridica, receitas incluem empréstimos.

Sugiro agora a tarefa monumental de interpretar o Art. 13º da CRP e do termo "igualdade".

Que significa esta igualdade ?
Que todos os cidadãos deverão ter mesmo rendimento ?
Que todos os cidadãos deverão ter o mesmo rendimento se tiverem a mesma instrução ?
Que todos os cidadãos deverão ter o mesmo rendimento, se tiverem a mesma instrução e experiência profissional ?

Aparentemente não, senão já teríamos OE inconstitucionais.
Consegue explicar porquê Alexandre?

Mas seguindo em frente,
um dos significados de igualdade segundo o TC no ACÓRDÃO N.º 396/2011 é:
"que os sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas sejam equitativamente distribuídos por todos os cidadãos"
e
"todos os cidadãos deverão contribuir de igual forma para os encargos públicos à medida da sua capacidade contributiva"

E para tornar a sua tarefa ainda mais complexa, o TC introduziu algumas excepções:
"quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual."
"É sabido que a actuação, em combate ao défice, pelo lado da receita, ou, antes, pelo lado da despesa foi (e continua a ser) objecto de intenso debate político e económico"
"Não cabe, evidentemente, ao Tribunal Constitucional intrometer-se nesse debate"
"O que lhe compete é ajuizar se as soluções impugnadas são arbitrárias ... e dentro de “limites do sacrifício”"
"é de aceitar que essa seja uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental."

"Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade."

Foi esta a decisão do TC perante medidas de redução de salários da função pública do PEC IV (salvo erro).

Afinal, certos fins justificam os meios. Afinal, a excepcionalidade pode sobrepôr-se à constituição.

E é neste sentido que não é nada absurda a "inconstitucionalidade" do art. 105 levantada pelo Ricardo Arroja e as diferentes interpretações que podem existir da CRP.

Ricardo Arroja disse...

Para memória futura.

http://economico.sapo.pt/noticias/a-constituicao-e-o-tratado-orcamental_180492.html

Anti-Pedagogia disse...

O respeito que o argumentário da classe dominante demonstra ter pelo Texto constitucional português não parece muito distante daquele que Salazar demonstrou pela Constituição da República, violentamente derrubada pela Ditadura Militar, ou que Adolfo Hitler teve pela Constituição da República de Weimar, cujas regras democráticas lhe permitiram um dia ser nomeado Chanceler da Alemanha.


Isto não é só sobre Economia, muito menos sobre Contabilidade Pública.


Brincar com a CRP numa chafarica com o "prestígio" e a penetração social de um «Prós&Contras» é brincar aos ensaios nucleares junto de Fucuxima.


Os seus efeitos serão devastadores, mas de uma forma não "contabilizável" por recurso a quaisquer ferramentas quantitativas. Lamento, mas é mesmo assim.


E a verdadeira História, a de longo prazo (não a dos transitórios festivais à moda de Nuremberga) não pula e avança à base de Balanços, mas sim de Moralidades.

Estado de Sítio disse...



É pura perda de tempo discutir argumentos como os do Arroja.


Desde que nasceu a História que qualquer labrego pode sempre dizer o mais elementar: defendo acérrimamente o Estado de Direito, desde que ele não belisque os meus interesses, como é EVIDENTE!


Um dia destes alguém faz outra vez um GRAAANDE "disparate" e depois invoca alegremente o seu "direito" de que, face à malignidade deste Poder atual, a CRP e as suas principais garantias - como o Direito à Vida, por exemplo - se encontram completamente desactaulizadas.


E isso até pode dar também uma "belíssima" discussão...


É que, mesmo no brando Portugal, basta uma faísca para se acabar com tudo em menos de nada, como em Fevereiro de 1908...


Capisci?

João Neruda de Castro disse...

Esclarecedor! Muito obrigado, voltarei sempre ao blog.