quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Crises há muitas

Pode dizer-se muita coisa sobre a crise política que está a paralisar o Estado federal nos EUA e a forçar a austeridade, incluindo tentar indicar o que é da luta de classes e o que está para lá dela, como faz Krugman de certa forma. O desastre à vista nos EUA pode então ser interpretado como um produto da captura do processo democrático por uma elite endinheirada e por certas fracções da grande indústria, a coligação social na base do chamado Estado predador e que apostou fortunas numa profunda viragem à direita no panorama político, convertendo dinheiro em poder político e poder político em dinheiro, no processo fomentando ideologias aberrantes e que agora até podem virar-se contra muitos dos seus interesses. Tea Party e companhia.

Pode então dizer-se muita coisa, o que não pode dizer-se, como já li por aí, é que esta crise, apenas porque o orçamento e a dívida estão metidos ao barulho, tem semelhanças com o que se passa, sei lá, em Portugal, uma região periférica sem moeda própria, um país é outra coisa do ponto de vista monetário e orçamental, e muito menos sem a moeda mundial, o dólar, cuja posição, de resto, se reforçou desde a crise, ao contrário de algumas análises apresadas sobre o declínio da posição hegemónica dos EUA nesta e noutras matérias.

A possibilidade distante de um incumprimento norte-americano pode colocar-se devido a uma artificial regra política que fixa um limite para a dívida pública, cujo aumento está sujeito a aprovação. Mas nunca podemos perder de vista que os EUA contraem dívida na sua própria moeda e que esse facto faz toda a diferença em termos substantivos, da autonomia soberana da política orçamental para lá das regras artificiais, dado que, em primeira e última instâncias, existe sempre um Banco Central para o que der e vier. Um Estado que está endividado numa moeda que controla, no sentido em que é puro produto do seu poder soberano, como são todas as moedas viáveis, só entra em incumprimento se quiser.

Uma região como Portugal é diferente: dependente do sistema financeiro e com um Banco Central que não é de Portugal, endividada numa moeda estrangeira chamada euro, com estranhos pouco bondosos, o incumprimento pode ser uma inevitabilidade, restando saber o que se faz depois disso. Questão decisiva, claro. Em matérias destas e das outras, a soberania monetária ou a ausência dela conta. Dos EUA a Portugal e para lá das especificidades institucionais da aprovação do orçamento e do aumento necessário da dívida pública para assegurar a recuperação económica.

3 comentários:

Mário Estevam disse...

Veja-se a evolução do César das Neves... agora já lhe parece que há grupos que não querem que os assuntos da troika andem... que palhaçada.

http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO280204.html

Mário Estevam disse...

e veja-se como o bloqueio orçamental americano é um retrato do bloqueio orçamental portugues... não há onde cortar mais senão nos de cima só que isso é «virar-se contra muitos dos seus interesses.»

Anónimo disse...

"Um Estado que está endividado numa moeda que controla, no sentido em que é puro produto do seu poder soberano, como são todas as moedas viáveis, só entra em incumprimento se quiser."
Esta afirmação, formalmente correcta, presta-se pelo seu simplismo a interpretações erradas. Como se pode ver logo a seguir noutra frase
"aumento necessário da dívida pública para assegurar a recuperação económica".
Lendo as duas frases dá a entender que Portugal, com uma moeda própria, teria automaticamente condições para assegurar o aumento da dívida nos mercados, uma vez que que poderia sempre assegurar o seu pagamento nominal.
Ora a possibilidade de assegurar o pagamento nominal da dívida não é, como bem sabe, condição suficiente para atrair financiamento externo.
Se é verdade que o pagamento (nominal) dos encargos com financiamentos passados estaria automaticamente assegurados (com perdas reais para os investidores), as condições para a obtenção de novos financiamentos "para assegurar a recuperação económica" estaria longe de ser "fácil".

Assim, o seu post é no mínimo "superficial", mas acho que roça a demagogia ao deixar no ar a ideia de uma solução fácil para a resolução do problema português.