quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Albert Hirschman (1915-2012)


A generosidade, a benevolência e a virtude cívica não são recursos escassos de oferta limitada, mas também não são competências que possam ser melhoradas e expandidas de forma ilimitada com a prática. Em vez disso, tendem a exibir um comportamento complexo e compósito, atrofiando quando não são praticadas e invocadas pelo regime socieconómico prevalecente e tornando-se de novo escassas quando são defendidas e estimuladas em excesso. Para tornar as coisas ainda mais complicadas estas duas zonas de perigo (...) não são conhecidas e muito menos são estáveis.

Albert Hirschman

Através de Rui Tavares, que lhe faz hoje uma bela e justa homenagem no Público, fiquei a saber que morreu ontem um dos gigantes da economia política, da teoria do desenvolvimento económico à história das ideias. Nascido numa família judaica, na Alemanha, anti-fascista na era dos extremos, Hirschman combateu na Guerra Civil de Espanha. Passou fronteiras e ajudou muitos a passá-las. Na academia, já nos EUA, para onde como tantos emigrou, apostou em superar as fronteiras disciplinares, começando pela estratégia de crescimento desequilibrado. O seu Pensamento Conservador, estranha tradução portuguesa para A Retórica da Reacção, a da perversidade, futilidade e risco, invocadas para tentar bloquear os avanços progressistas, mas que serve para outros usos, e as Paixões e os Interesses sobre “os argumentos a favor do capitalismo antes do seu triunfo” estão disponíveis entre nós. Também em Portugal, a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra atribuiu-lhe, em 1993, o Doutoramento Honoris Causa: pensamento luminoso, de facto. Agora é continuar a traduzir, ler, discutir e prolongar a reflexão. Falta traduzir, por exemplo: Exit, Voice and Loyalty, onde analisa, de forma tão brilhante quanto sistemática (os finos livros que eu li dele são um modelo de elegância argumentativa), os modos como os indivíduos e os colectivos podem exprimir o seu descontentamento, em diversos contextos institucionais, sair ou fazer-se ouvir, e a forma como a lealdade molda essa expressão (muito útil para aplicar aos actuais dilemas do euro); o Shifting Involvements, que é sobre as oscilações na predisposição para a acção colectiva ou individual; ou o seu Rival Views of Market Society, que compila alguns dos seus artigos, dispersos por várias revistas académicas, incluindo uma das melhores críticas que conheço à parsimónia excessiva da economia convencional na consideração do vasto repertório das motivações humanas, de onde retirei a citação que encabeça este post, relevante para a economia política que que ir muito para lá do egoísmo racional, mas que não quer confiar apenas no altruísmo. Ilustra bem o pensamento de quem viveu tempos suficientemente interessantes para recusar soluções simplistas e para aprender a pensar as virtudes da impureza e da diversidade, tanto institucional quanto motivacional, que as duas parecem andar associadas. A não perder por todos os interessados em compreender as intricadas e inevitáveis relações entre política e economia.

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