sábado, 11 de fevereiro de 2012

As origens monetárias da pós-democracia

Esta semana ficámos a saber que os empréstimos do BCE, com prazos cada vez mais longos e taxas de juro cada vez mais baixas, à banca nacional totalizam cerca de 47 mil milhões de euros, mais 13% do que no mesmo período de 2011. Para além disso, o colateral que um BCE com cada vez mais dívida pública periférica em carteira aceita, como contrapartida dos empréstimos à banca, é cada vez mais duvidoso. O economista Paul De Grauwe, uma das referências convencionais dos estudos sobre economia da integração monetária europeia, contrasta, em artigo no Expresso da semana passada, esta generosidade do BCE para com os bancos com a sua atitude face aos Estados: “O BCE está na verdade a dizer à banca: tomem lá este dinheiro; não fazemos perguntas”.

Por sua vez, os Estados sem soberania monetária estão entalados entre as forças desestabilizadoras da especulação, cujos principais mecanismos De Grauwe identificou em artigo académico, e intervenções do BCE, mas apenas no mercado secundário, ou empréstimos da troika com demasiadas perguntas e exigências contraproducentes. Esta diferença de tratamento foi ainda esta semana confirmada por Draghi, que recorre a todos os truques para evitar o que considera ser um pecaminoso financiamento directo a um Estado. Esta diferença está inscrita nos tratados, na ideologia do euro e do banco central “independente” do poder de que deve sempre depender, o democrático.

Este arranjo exprime a total captura do BCE e de todas as operações monetárias pelos interesses do capital financeiro, de que fala Joseph Stiglitz. É isto que está na base do que De Grauwe também denuncia: os mesmos bancos irresponsáveis que geraram a crise podem determinar o essencial da política económica, dificultando qualquer estabilização. Os termos de uma recapitalização indispensável e a transferência de custos para o público também aí estão para nos indicar que vivemos mesmo num regime fundado no comando do capital financeiro.

Quem furtou a moeda à soberania democrática sabia bem o que estava a fazer. Um tal de Vítor Gaspar foi dos que esteve em Maastricht, onde tudo se trancou, a “negociar” em nome de Cavaco. Faz agora vinte anos. Quem é que ainda quer celebrar o nascimento da pós-democracia?

4 comentários:

José M. Sousa disse...

Pessoas como Francisco Louçã parecem ainda acreditarem nas virtudes da moeda única...

e-ko disse...

talvez que o problema não seja a moeda única, mas as regras criadas para o funcionamento do BCE... ou será que não estou a ver bem?

Anónimo disse...

José M. Sousa, se me permite, o problema - segundo o post, e cuja posição subscrevo - reside na arquitectura do poder financeiro q foi montado e não na moeda única em si.
F.

Zuruspa disse...

E porquê, JMS? O problema näo está em haver uma moeda única, está na subserviência aos especuladores financeiros (nomeadamente os bancos).

A Finlândia é bem mais periférica que qualquer dos "periféricos" e está a dar-se bem com o Euro. Talvez porque já antes se dava bem com a Markka. Esta desvalorizou tanto ou mais que o Escudo em 1982, mas a evoluçäo daí para cá foi totalmente diversa. E Portugal estava a receber os milhöes diários da CEE em 1991, enquanto a Finländia mergulhou em crise por 3 anos--sem nunca "quebrar a moeda". Mesmo assim, a Finländia estava a anos-luz à frente de Portugal, e assim continuou nos 20 anos seguintes...

O problema näo é o Euro, mas as políticas. Sem Euro estávamos como a Hungria, o Fiorint está aqui está a servir de papel de embrulho, e já väo no 2.o plano de "ajuda" do FMI. Näo é 2.a tranche, é 2.o *plano*..