sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Monti, Cameron e companhia
A pergunta de José Manuel Fernandes no Público de hoje é pertinente: “Será que Seguro leu a carta de Cameron?” De facto, uma pessoa lê o Público de ontem e não acredita: António José Seguro concorda com a “carta do crescimento” enviada à Comissão por doze “líderes europeus”, lamentando que o governo não tenha sido nela incluído, talvez porque não fica bem ter um país numa crise tão profunda na foto. Porquê esta concordância? Por ser a favor do crescimento? Na realidade, esta carta não é favor do crescimento, mas sim a favor do aproveitamento da crise e das políticas de austeridade para intensificar aquilo que esta integração europeia, que há muito inscreveu nas suas regras o neoliberalismo dos Montis, agora estranhamente beatificados, sabe fazer: abrir mercados às grandes multinacionais a golpes de política europeia, liberalizar, alargar a lógica do mercado interno a cada vez mais sectores, incluindo sectores como a energia e outros serviços públicos, continuar a mercadorizar o trabalho. Isto para não falar na insistência em promover serviços financeiros integrados e “competitivos”, quando precisamos de os fragmentar e controlar de forma directa e pública, ou em favorecer a integração global sem barreiras, quando precisamos é de organizar a desglobalização, de ter modelos regionais centrados na recuperação da procura salarial e social. Enfim, a crise é aproveitada para recuperar o espírito de directivas à Bolkenstein que o preconceito ideológico dos jornalistas do Público Miguel Gaspar e Isabel Arriaga e Cunha acha que foram denodadamente combatidas por causa dos “mitos” do “canalizador polaco”. Na realidade, esta directiva punha em causa princípios simples – as regras laborais e sociais de um país aplicam-se a todos os que aí trabalham – e pretendia também pôr em causa os serviços públicos, favorecendo a concorrência mercantil, ou seja, o poder da grande empresa para se apropriar de sectores muito apetecíveis. Trata-se sempre de favorecer corridas para o fundo em matéria de direitos sociais e laborais, de comprimir os salários e de destruir os serviços públicos. Os efeitos depressivos das sucessivas vagas de reformas estruturais, geradas por esta integração europeia, estão à vista. Esta carta é mais do mesmo.
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