Os interesses privados do ensino, nos quais a Igreja Católica pontua com especial relevo, parecem ter sido subitamente ungidos por um sentimento de compaixão relativamente ao esforço financeiro do Estado português para com a educação dos seus cidadãos. Há dois dias, ouvimos o clamor de Rodrigo Queiroz e Melo, director executivo da AEEPC, sobre o «aumento substancial dos custos públicos» que poderá advir da fuga de alunos de colégios e escolas privadas, suscitada pelas crescentes dificuldades dos pais em pagar as mensalidades destas instituições.
Na semana passada, tinha sido a vez de o Reitor da Universidade Católica, Manuel Braga da Cruz, dizer que «a sociedade, as empresas, as famílias e os estudantes têm responsabilidades inalienáveis», não podendo empurrar «para as costas do Estado a obrigação quase exclusiva de financiar a universidade». Traduzindo por miúdos, Braga da Cruz defendeu, nos 45 anos da Universidade Católica, «um corajoso aumento das propinas para o nível de custo real» (como fez recentemente o Reino Unido), ao mesmo tempo que reivindicava uma alteração da lei de financiamento do ensino superior, por forma a permitir o «alargamento de um sistema de bolsas de mérito ao ensino não estatal», possibilitando assim «aos melhores alunos optar livremente pelas instituições onde pretendem estudar».
Estes testemunhos revelam, em conjunto, as duas faces do ataque predador dos interesses privados sobre os sistemas públicos de educação: exigindo por um lado a crescente transfega de verbas do Estado para o ensino particular (com o sacrifício, pois claro, do financiamento do ensino público) e procurando - por outro lado - reduzir a esfera da educação pública, ao reivindicar que a mesma se transfigure e abdique dos princípios e objectivos que lhe são intrínsecos (a democratização do ensino), subordinando-se consequentemente às lógicas de mercado (o lucro, o elitismo e a meritocracia, que em regra não é mais do que premiar quem já nasce premiado). Uma coisa torna-se demasiado evidente: seja pela exigência de ajudas directas, seja pela pressão para que o sistema público de educação «encolha», estes falsos arautos do liberalismo e da livre concorrência não conseguem (sobre)viver sem o Estado que cobiçam e a que se encostam, atraiçoando hipocritamente os próprios princípios que defendem.
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