terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pluralismo

O programa «Zona Euro», conduzido por Márcia Rodrigues e que ontem estreou na RTP1, constitui um exemplo raro de zelo jornalístico, em espaço televisivo, para com o pluralismo de opinião no debate político-económico.

Desde logo, porque estabelece um painel de convidados (António Vitorino, Adriano Moreira, Octávio Teixeira, Luís Campos e Cunha, Maria João Rodrigues, Adelino Maltez e Viriato Soromenho Marques) que não inclui apenas economistas e que procura, nesse âmbito disciplinar, assegurar a presença de distintas interpretações sobre as origens da crise e os modos de a ultrapassar.

Ao contrário, portanto, do padrão seguido pela generalidade dos programas congéneres, onde os omnipresentes Medinas, Duques, Camilos, Bessas, Cantigas e demais representantes de um pensamento económico caduco e irresponsável tecem, sem contraditório nem debate, as incessantes ladainhas da «austeridade redentora e inevitável» e os mantras moralistas do «andámos a viver acima das nossas possibilidades». Por mais que a realidade - na ausência de opositores em contexto de debate televisivo - se encarregue de os desmentir.

5 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Nuno:
Discordo de algumas coisas que diz no Post.
1.ª - No primeiro grupo, o pluralista, há alguns exemplos de tralha que nada ficam a dever à tralha do 2.º grupo.
Que diferença há entre o oportunista Campos e Cunha (que anda sempre a apregoar austeridade para os outros e se bate com uma reforma vitalícia de 4500 euros, obtida aos 49 anos de idade, e apenas por 6 anos de trabalho no BdP, agora está no CCB e em mais 500 tachos) e os oportunistas do 2.º grupo?
Ainda neste 1.º grupo, para que pluralismo contribuem as ideias de Octávio Teixeira? O homem não diz o mesmo desde que nasceu? O mundo pode mudar, a URSS acabar, mas ele defende sempre o mesmo. Já nem o Adriano Moreira o faz em relação ao Estado Novo, ao menos modernizou-se, apesar dos seus 89 anos.
2.ª – No segundo grupo de quase só tralha há um que é bastante diferente dos outros. Não é um «cristão-novo» da austeridade, há mais de 10 anos que nos avisa para erros crassos que andamos a cometer. E quanto aos dados macroeconómicos que ele tem coligido (e apresentado de forma muito didáctica, constituindo verdadeiras lições de educação económico-financeira das massas) gostava de ver os economistas contestá-los.
Dou-lhe apenas um exemplo: é ou não um facto que desde 1973 a linha geral do nosso crescimento económico tem vindo sempre a descer, ao mesmo tempo que a linha geral das despesas públicas com o Estado Social têm vindo sempre a aumentar? Isto é sustentável? Eu acho que o Medina Carreira, ao contrário dos outros, não é contra o Estado Social, não acha é que o mesmo possa ser defendido apenas com retórica.
Eu não concordo com tudo o que diz, dou apenas um exemplo, a desvalorização que faz da necessidade de introduzir justiça relativa nas remunerações das elites gestoras, remetendo isso para a categoria de «peanuts» sem relevância.
Mas igualá-lo aos restante deste grupo acho bastante injusto.

gaf disse...

Caro António Pedro Pereira, antes de 1973 é que era bom, sempre a subir.

Nuno Serra disse...

Caro António Pedro Pereira,
O ponto essencial que queria aqui sublinhar, referindo a diversidade de intervenientes que o programa convocou, era justamente o de permitir o acesso dos espectadores - num espaço televisivo de informação - a pontos de vista distintos sobre a crise.
De facto, não me incomoda rigorosamente nada que os «economistas austeritários» tenham acesso ao espaço mediático. Aliás, é uma exigência tão relevante para uma discussão verdadeiramente plural da crise, como a exigência de acesso dos «críticos da austeridade» a esses espaços de debate e informação. O que não é tolerável é a manifesta discrepância de tempo de antena que é dado, em regra, a uns e a outros.
Quanto ao Medina Carreira, a troca de impressões poderia levar-nos muito longe. Desde a tónica de fundo que conduz a sua análise (marcada por um azedume sistemático e intelectualmente desonesto contra o Estado e as políticas públicas) à sua incapacidade em apresentar propostas sérias e consequentes para os problemas que identifica. É nesse quadro que assegura um nicho de mercado comunicacional, populista, que facilmente cai no colo da opinião pública menos esclarecida.
O exemplo que refere (quebra do crescimento e aumento insustentável do Estado social), não só é contraditado por uma análise detalhada dos dados (o peso das despesas sociais no PIB, por exemplo, encontra-se abaixo da média europeia), como requer a consideração mais complexa de factores (o atraso estrutural do país, gerado pelo Estado Novo que Medina Carreira vai aplaudindo de onde em onde e as disfunções estruturais da integração monetária, por exemplo), que a simples redução à incompetência política e aos malefícios de um suposto «Estado gordo».
Um abraço,
Nuno

António Pedro Pereira disse...

gaf:

Onde é que leu no que eu disse que antes de 1973 é que era bom?
Infelizmente conheci bem a triste realidade do Estado Novo a partir dos anos 50 para que não tivesse gostado minimamente dela.
Não se pode é extrair conclusões a partir de uma palavra ou curta frase, isolando ou distorcendo o seu sentido.
O que eu disse foi que a economia portuguesa a partir de 1973 (crise petrolífera) tem vindo numa curva de crescimento cada vez mais descendente.
Entre 1961 e 1973 cresceu entre 5,5% e 11,2% (em 1970 atingiu mesmo os 12,6%), média de 7,13%.
Entre 1974 e 2010 cresceu entre 1,1% e 1,3% (com um máximo de 7,5% em 1988 e 5 anos de crescimento negativo de 4,3%, 0,2%, 1,9%, 0,2%, 0,9% e 2,6%), média de crescimento de 2,52%.
Por sua vez, em 1973 tínhamos um Estado Social minúsculo hoje temos um Estado Social incomparavelmente maior e melhor.
Portanto, enquanto a receita do Estado diminuía a olhos vistos a despesa aumentava substancialmente.
Se acha que estas duas trajectórias são favoráveis ao Estado Social explique-me como.
E pior, nos 10 anos de euro (2002 a 2011) a economia cresceu apenas 0,29%, não se vendo como é que, dentro do euro ou com estas políticas europeias restritivas e austeritárias, podemos crescer, pagar as dívidas e manter este Estado Social (ainda que muito incipiente para vastas camadas da população).
Este é o meu ponto, não o que me quis atribuir.

António Pedro Pereira disse...

Nuno:
Eu percebi o seu ponto, e concordo que os «austeritários» têm tido muito mais tempo de antena do que os das outras posições.
Mas eu manifestei discordância apenas em 2 pontos:
1.º - A utilidade de certas presenças no seu 1.º grupo pluralista;
2.º - A equiparação a 100% que fez do Medina Carreira aos restantes «austeritários»
Quanto ao Medina Carreira, é evidente que eu não concordo com algumas posições dele (como referi no meu comentário), mas a explicação de certos aspectos essenciais só ele o tem feito. E não vi até hoje ninguém contestar as tendências macroeconómicas insustentáveis que ele tem desnudado, como, por exemplo, a trajectória para o desastre entre a curva descendente da economia e a curva ascendente do nosso (apesar dos progressos desde o 25 de Abril, ainda incipiente) Estado Social.

Na parte final do seu comentário o Nuno faz 3 afirmações genéricas, muito agradáveis para as pessoas, mas que gostaria de ver melhor explicadas, pois «de boas intenções está o Inferno cheio», como se diz no dito popular.
1.ª – Diz: A «(quebra do crescimento e aumento insustentável do Estado social), não só é contraditado por uma análise detalhada dos dados (o peso das despesas sociais no PIB, por exemplo, encontra-se abaixo da média europeia)»;
Pergunto: Será que considera que o facto de as despesas sociais no PIB se encontrarem abaixo da média europeia se resolve continuando a aumentá-las sem tratar de prover às receitas (crescimento da economia) que as sustentam?
2.ª - Diz: O «atraso estrutural do país, gerado pelo Estado Novo»;
Pergunto: É evidente que a herança do Estado Novo foi pesada quanto à modernização da economia, das infra-estruturas e do país. Mas voltamos ao mesmo, como podemos atenuar o atraso do Estado Social sem prover às receitas (crescimento da economia) que sustentam essa atenuação?
3.ª - Diz: A «incompetência política»;
Pergunto: Resolver-se-á a incompetência política fazendo despesa essencial e necessária (a par de muita não-essencial e desnecessária) a esmo?