sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Nos passos da Grécia


Com eleições dentro de dois meses, os partidos que apoiam o governo grego estão encurralados. Para evitar a bancarrota já em Março, aceitam as condições que lhes são impostas. Mas sabem que o acordo é rejeitado pela população e que serão penalizados nas eleições. As sondagens apontam para uma pesadíssima derrota dos socialistas e uma vitória magra da direita. Porém, falta saber até que ponto a fúria dos eleitores é (ou não) canalizada para uma votação nos partidos da esquerda do protesto a um nível tal que ponha em causa a estabilidade do apoio parlamentar de que o novo governo precisa. Em breve os gregos vão ter a última palavra: suportam o aprofundamento do desastre sem fim à vista ou vencem o medo de deixar o euro. E veremos se os partidos que se batem contra a austeridade estarão à altura do drama que o seu país vive.

O drama da Grécia diz-nos respeito. Por muita propaganda que o governo faça, a verdade é que, no essencial, Portugal também é a Grécia. No comentário que passa nas televisões já se admite que Portugal vai ter de recorrer a novo financiamento em 2013. A razão invocada é quase sempre o efeito de contágio da situação grega. Quer dizer, os mercados financeiros teriam deixado de acreditar que a Grécia é caso único e passaram a incorporar nos preços das suas transacções um futuro corte nos seus créditos. Mas a questão é muito mais complexa.

Por muito que os economistas da ortodoxia ocultem o fundo da questão quando chamados a comentar nas televisões, a verdade é que a falta de competitividade da economia portuguesa no seio da zona euro, a política recessiva entretanto imposta e a consequente dinâmica da dívida pública, no seu conjunto, criaram um problema que não é resolúvel com sucessivas injecções de liquidez. Portugal tem um problema de insolvência (pública e privada) de que só sairá com uma restruturação drástica da dívida pública e dos seus bancos, acompanhada de uma estratégia de desenvolvimento económico que não é compatível com a integração numa zona monetária liderada pela Alemanha. O afundamento da nossa economia ao longo do corrente ano vai tornar claro que um novo pacote de financiamento, mesmo sem as condições cruéis que agora foram impostas à Grécia, apenas permitirá reciclar dívida velha e financiar o défice, mantendo-se o país na depressão. Entretanto, as ditas reformas estruturais vão passar ao lado do problema, ou vão mesmo agravá-lo produzindo retracção do consumo e aumento do desemprego.

Quando o fracasso da estratégia de empobrecimento tiver sido assimilado pela maioria dos portugueses, e com a aproximação das negociações para o segundo pacote financeiro, em 2013, não faltarão vozes a clamar por um governo de salvação nacional com o apoio do Partido Socialista. Para a Alemanha, esse apoio seria uma garantia adicional de que a reengenharia ordoliberal do país seria de difícil reversão. Que o país fique arrasado social, económica e financeiramente e que grande parte da população jovem tenha de emigrar, isso é coisa que não preocupa a Alemanha. Tal como na Grécia, haverá sempre alguém em Bruxelas ou Berlim para nos lembrar que a saída do euro é a alternativa para quem não aceita a punição. O pior é que os partidos da esquerda portuguesa continuam tolhidos por uma dupla ilusão: com eleições em França, e com a luta social na Europa, haverá condições para uma reforma da UE que crie um “euro bom”; com transferências orçamentais da Europa rica, no quadro de uma outra União, Portugal teria condições para se desenvolver. Enquanto estas ilusões se mantiverem, não haverá luz ao fundo do túnel para os portugueses. Pela simples razão de que não será possível construir uma solução política alternativa, portadora de regeneração e de esperança. Algo de que os gregos, aliás, também carecem.

(Artigo no jornal i de ontem)

7 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Jorge Bateira,
o meu problema é só um, mas de monta: será fatal que a zona euro seja dominada pelo governo oligárquico e neo-reichiano da Alamenha ou - se quiser - de qualquer outro dos Estados-nação que subsistem na UE?
Outra maneira de formular a pergunta: a integração política, fiscal, social, etc. da UE será uma impossibilidade intrínseca ( mas por que razões, então?), ou uma viragem política, uma evolução da relação de forças no sentido da democratização das formas de governo e da direcção da economia política governante, alteraria essa impossibilidade?
E, por fim: porque acreditar que, após a saída do euro (com os riscos económicos e políticos que comporta), os cidadãos gregos, ou portugueses, ou…, serão capazes de se bater melhor do que no terreno europeu e com a solidariedade de outros cidadãos europeus?

Cordiais saudações democráticas

msp

Jorge Bateira disse...

Caro Miguel Serras Pereira

O ordoliberalismo é parte da cultura alemã. O Keynesianismo nunca foi generalizadamente assimilado pelas elites alemãs, académicas e políticas. A arquitectura da zona euro foi formatada neste quadro ideológico. A Alemanha, mesmo que governada por uma coligação SPD+Verdes, nunca aceitará uma "Europa das transferências", políticas keynesianas, um BCE que promova o emprego e medidas de "desglobalização" que favoreçam as periferias.
Mais ainda, numa união monetária com grandes desníveis de desenvolvimento, os mecanismos de polarização da riqueza são muito poderosos. Ficar no euro significa aceitar que o destino do país é ser uma província subdesenvolvida de uma europa germanizada.

Uma resposta rápida à última pergunta: sair do euro é uma condição absolutamente necessária para que o país se possa desenvolver; mas não é uma condição suficiente. Para além de os custos da saída deverem ser pagos por quem até agora pouco ou nada pagou, será preciso que a mobilização social e política para uma estratégia desenvolvimentista seja eficaz. À semelhança do que fizeram alguns países asiáticos (Ler: Ha-Joon Chang, Bad Samaritans). Mas nada está ganho de antemão.

Obrigado pela participação.
Cumprimentos

meirelesportuense disse...

Entristece-me ver esta situação na Grécia, não a queria ver repetida em Portugal, mas esperem pela reacção das pessoas quando estas sentirem a sério as consequências deste PAC!...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Jorge Bateira,
agradeço a sua resposta que torna mais claras as nossas concordâncias e divergências.
Suponho que convirá comigo em que não há defesa (ou extensão) das liberdades e direitos democráticos sem democratização da economia. Pois, na medida em que as realidades e funções da economia continuarem a ser um conjunto de relações de poder governando a vida de cada um de nós e a existência colectiva, não há democracia possível sem democratização igualitária dessas relações de poder. E também porque, hoje, cada vez mais, a esfera económica é sede de decisões políticas que não se assumem enquanto tais e escapam aos mecanismos de controle que os cidadãos apesar de tudo detêm sob outrtas formas do exercício do poder.

Convirá também em que, sendo assim, só um redespertar da cidadania democrática, só a emergência de um movimento democratizador entre a maioria dos cidadãos, que são os homens e as mulheres comuns dos quais fazemos parte, poderá inflectir contra a desigualdade oligárquica crescente o governo da economia e transformar democraticamente os seus fundamentos institucionais.

A partir daqui, as divergências começam. Você entende que um tal sobressalto democrático e a refundação correspondente das bases institucionais do governo da economia é verosímil e mais fácil definindo o Estado-nação como arena, ao passo que eu penso que o combate pela democratização federal da UE é, no imediato e a médio prazo, a via que devemos assumir por ser aquela que dá mais hipóteses a uma transformação das relações de poder existentes, tanto no que se refere a cada região da UE, como à própria Europa, no horizonte de uma mundialização alternativa e, para já, à resistência à globalização dominante. O avanço de uma integração europeia, que tornasse as velhas sobereanias caducas, acompanhada de um processo de refundação democratizador da UE, permitiria aos cidadãos comuns de todos e cada um dos seus países uma resistência mais efectiva à globalização dominante, ao mesmo tempo que lhes permitiria um horizonte de iniciativa e ousadia alargado.

Espero não ter abusado da hospitalidade que me ofereceu nesta caixa de comentários.

Seu leitor cordial e atento

msp

Jorge Bateira disse...

Caro Miguel,

O seu texto é muito clarificador. Só tenho a agradecer. Pelo meu lado, acrescentaria apenas que a minha ontologia da realidade (do universo em geral) é multinível. No que toca às alavancas mais eficazes de transformação social, a realidade 'nação' é incontornável e ocupa (pelo menos neste tempo histórico) o lugar central. Há uma comunidade, um espaço público, uma pólis, nacional. Não há isto à escala europeia, nem sequer ibérica. Portanto, se queremos outro projecto europeu ... temos que começar por mudar politicamente uma nação. Os gregos tentam mudar a deles e nós, apesar da grande apatia, tentaremos mudar a nossa. Na chamada "revolução árabe" tudo começou na Tunísia e não em vários países, coordenadamente, ao mesmo tempo.

Um abraço.
JB

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Jorge,
só para clarificar um pouco melhor as coisas e agradecendo a sua resposts, eu diria que, neste preciso momento, quando as coisas ardem na Grécia, quando em Espanha o governo-capataz de Rajoy dá passos de gigante para o desastre social (a ultra-liberalização dos despedimentos é só um deles), etc. etc., parece-me inegável estarmos perante uma ofensiva oligárquica generalizada e concertda que tem por alvo a "Europa social" (ainda que esta o venha a ser cada vez menos) e cuja cabeça é o imperial-nacionalismo das classes dirigentes alemãs, contando esta com a solidariedade espontânea (ainda que contrariada com alguns efeitos da evolução em curso) das suas homólogas nos restantes Estados-nação da UE.
Ora, pensar que, perante esta ofensiva e, ainda por cima, num contexto mundial marcado pela "globalização dominante", haverá forças para resistir e contra-atacar ao nível de cada um dos países europeus isoladamente considerados parece-me um sonho acordado. É verdade que as condições de federação democrática das lutas que mobilizem os cidadãos comuns contra a mesma ofensiva também quase não existem. Mas apostar na sua construção, na coordenação dos esforços por cima das fronteiras nacionais e na afirmação de uma plataforma alternativa a nível europeu, capaz de inflectir as lógicas da globalização neoliberal, parece-me, apesar de tudo, mais realista do que pretender voltar atrás, reinstaurando uma plenitude das diferentes soberanias, de resto sempre democraticamente perigosas. Parece-me mais verosímil que a resposta ao imperial-nacionalismo alemão seja o federalismo democrático e uma democratização da Europa capaz de travar com poder e força suficientes uma batalha pela mundialização da democratização económica que, creio, V. considera tal como eu condição sine qua non de qualquer projecto democrático digno desse nome.

Abraço

msp

Anónimo disse...

Acreditar que num país com o nível de luta de classes como a que está a existir na Grécia, ainda existe eleições livres é mesmo do que acreditar no Pai Natal. Onde há repressão e fome não escolhas livres. Tenho a certeza que na Grécia se está a preparar a maior fraude eleitoral e que poderá ser uma experiência importante para uso noutros paises como em Portugal. Uma coisa é certa uma espécie de democracia acabou de cair na Europa, e com ela a máscara.