Dou hoje destaque a três excertos de três reflexões do Jorge Bateira, que se inscrevem na tradição de Karl Polanyi e do institucionalismo crítico, referência comum a muitos dos autores deste blogue. Contêm pistas fecundas para a investigação e intervenção no campo da economia política e da política económica: virtudes e limites do mercados e sua indeterminação e plasticidade institucionais; a natureza das chamadas mercadorias fictícias – trabalho, moeda e natureza – e insustentabilidade da mercadorização sem fim; e redacção de rascunhos para as cozinhas do futuro. Um projecto colectivo.
“São bem conhecidas as limitações dos mercados. Hoje muitos economistas assumem que, embora o mercado seja a forma preferencial (alguns diriam natural) de organização da economia, apresenta frequentemente falhas de funcionamento que o Estado tem obrigação de corrigir. Para além da dificuldade em identificar com rigor tais falhas de mercado, tomando por referência um óptimo imaginário sem Estado, no fundo esta posição também não rompe com a ideologia liberal. Não percebendo que sem Estado não há mercado, para estes economistas a intervenção do Estado é uma ‘impureza’, algo como um mal menor. Assim, quando alguns defendem a desintervenção do Estado, na realidade o que defendem é uma outra forma de intervenção que consideram ‘correcta’” (Estado Estratego).
“Ao tratar o trabalho, a natureza e o dinheiro como mercadorias, o capitalismo, enquanto sistema articulado de mercados com a finalidade do lucro, suportado pela relação salarial como forma dominante de sobrevivência do ser humano e a troca monetarizada como modo de validação social da produção, produz consequências nefastas que não podem ser ignoradas. Quando se conjugam o forte predomínio do capital sobre o trabalho no âmbito da relação salarial, com uma concorrência empresarial pouco e/ou mal regulada pelo Estado, geram-se efeitos de vária ordem que afectam as pessoas e as estruturam em classes sociais, o que implica diferente acesso a recursos, poderes e bens simbólicos. Eventualmente, geram-se situações de pobreza que se transmitem entre gerações, degrada-se a saúde de segmentos da população que trabalha por turnos ou em cadeias produtivas desumanas, impõe-se aos trabalhadores ritmos e horários que geram graves desequilíbrios nas relações familiares, mercantilizam-se bens/serviços que deveriam permanecer públicos, ou estar fora do mercado por razões morais, degrada-se gravemente o ecossistema e, paradoxalmente, chega-se ao ponto de destruir o sistema financeiro sem o qual o próprio capitalismo entra em colapso” (Tornar possível a esquerda necessária).
“Os mercados (não há mercados sem regulação, embora no capitalismo neoliberal ela seja frequentemente mínima e/ou má) são absolutamente indispensáveis. Mas também, como se sabe, não são a única configuração institucional disponível para afectar os recursos da comunidade. Os serviços públicos, incluindo os ditos 'de interesse geral', não devem estar sujeitos à gestão empresarial competitiva, nem à nova gestão pública mimetizando os métodos daquela. Como socialista, defendo a progressiva socialização da economia: a expansão e coexistência de diferentes formas de propriedade (empresas privadas, públicas, cooperativas e outras formas do chamado 'terceiro sector'), diferentes formas de participação dos trabalhadores no seio das empresas, e diferentes formas de relacionamento do Estado com os restantes actores sociais (Estado que ‘faz’, que ‘faz-fazer’, que ‘faz com’). Trata-se de ver o socialismo como um processo histórico de combate, no plano social e no das ideias” (O socialismo como socialização da economia).
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5 comentários:
Caro JR,
Pode desenvolver a ideia de Polany considerar a moeda como uma mercadoria-isto no capitalismo,claro-?
Caro Nuno,
Polanyi considerava a moeda como uma mercadoria ficticia (para atalhar: coisas que não foram criadas, que não existem, com o intuito de serem vendidas, mas que podem ser alvo de mercadorização, sempre parcial, com consequências geralmente desastrosas). Na realidade, a moeda é uma criação do Estado. No entanto, podem existir representações da moeda como mercadoria e essas representações podem inscrever-se em instituições (Polanyi menciona o caso do padrão-ouro...).
Esta discussão leva muito longe. Deixo apenas uma questão fulcral:
Em vez de colocar o enfase no papel do mercado não seria mais produtivo centrar-mo-nos na substituição da relação salarial por uma relação de novo tipo.
Penso que o problema no essencial não está na troca de bens (a distinção entre bens reais e irreais parece-me até ultrapassada) mas sim na forma como os excedentes da troca são distribuídos entre os intervenientes da produção (material ou imaterial).
Parece-me que, pelo menos numa primeira fase, é mais exequível e produtiva esta transformação.
Antes de mais, votos de um Bom Ano de 2010.
Vou fazer link. Obrigado :)
Um abraço solidário.
Análise deveras interessante neste blogue, tópicos como aqui vemos realção a quem analisar nesta página .....
Faz mais do teu sítio, aos teus cybernautas.
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