No bizarro universo de alguma direita intransigente, quem oferece razões pós-keynesianas, como eu fiz na crónica do i, para reformas nos capitalismos realmente existentes corre o risco de ser acusado, por alguns senhores, de propaganda soviética e, anonimamente, de defender a Coreia do Norte (atenção, eu também já fui apodado de sul-coreano por outros, acusação que, à luz destes argumentos, pelo menos tem uma nesga de plausibilidade…). Eu percebo por que é que isto é feito: nada melhor do que recorrer a espectros para tentar manter velhas e infelizes divisões, que estão a ser intelectualmente superadas, entre as esquerdas para assim assegurar a continuidade do “enviesamento de direita do sistema político português” (André Freire).
Enfim, vamos aos argumentos propriamente ditos, que me parecem escassos. Diz-se que as agências de notação “subestimaram os riscos”, um belo eufemismo. Na realidade, as agências de notação atribuíram notas máximas aos produtos expelidos pelo sector financeiro que tinham por base o crédito imobiliário e recebiam, das próprias empresas financeiras, chorudas comissões por isso. Contribuíram para a bolha.
São três agências, numa estrutura de oligopólio, fortemente dependentes do poder político dos governos centrais, EUA e Reino Unido, a quem nunca fazem más avaliações. Daí que economistas, como Paul De Grauwe, assessor do Cherne, tenham proposto a sua extinção ou, pelo menos a sua limitação, numa série de artigos no FT. Curiosamente, o descrédito destas agências, que vêm agora ameaçar alguns governos, é tal que os próprios mercados não parecem ligar muito. Mas causam mossa porque os seus modelos de análise e as suas prescrições erradas, assentes no corte das despesas, tendem a recair sobre os países periféricos, no que mimetizam as acções de instituições como o FMI.
Daí a proposta de economistas pós-keynesianos como Geral Epstein do PERI: criar instituições públicas independentes de avaliação que, no quadro de um sistema financeiro reconfigurado, possam substituir o papel das agências privadas, que, de qualquer forma, devem ser impedidas de receber dinheiro das instituições financeiras cujos produtos avaliam. Deixará de haver falhas e contradições? Claro que não. A questão é que hoje o peso da prova está do lado dos defensores do status quo neoliberal que fracassou clamorosamente. É todo um mundo novo. Habituem-se e deixem-se de reflexos pavlovinianos.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
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3 comentários:
Neocoms esquizóides, meu deus!
Com que então defensores do regime norte-coreano…Que mau gosto o vosso, João:)
Vamos ao que interessa: é evidente que as referidas agências de notação não são neutras (infelizmente, tal como não são neutros alguns economistas comentadores da nossa bela praça, a quem são encomendados serviços…).
Os erros de avaliação patenteados no período pré-crise retiraram qualquer credibilidade às ditas agências, mostrando a sua falta de independência.
Mesmo assim, há alguns “comentadores de economia” que lá vão dizendo que sim senhor, que elas erraram, mas enfim, que temos que lidar com isso…Que estranho conformismo vindo de gente que se diz campeã do rigor!
O seu texto é contraditório nalguns aspectos. A influência das agências de rating nos mercados assenta exclusivamente no prestígio que possuem junto dos investidores, ou seja, de quem financia os governos. Ora, se não têm prestígio, são irrelevantes e não é necessário perder tempo com elas; se têm prestígio, é porque os investidores reconhecem que, com todos os defeitos que têm, não existe nenhum método mais fiável de medição do risco de crédito.
Nuno Sousa
esse qusro do magritte é genial!!!!
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