quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Diário do Orçamento II - Não é melhor arrumar a casa antes?
Nos discursos sobre todos os Orçamento de Estado de que me lembro, é sistematicamente utilizada a ideia de que primeiro é preciso pôr as contas públicas na ordem, para depois, com uma situação orçamental resolvida, podermos partir para políticas de crescimento, emprego, etc. Soa bem e faz sentido, não é? O país não pode endividar-se indefinidamente.
Este é o paradigma que tem comandado a política económica desde há muitos anos a esta parte. Com variações? Sem dúvida. Mas a continuidade tem sido mais significativa. Hoje, o país tem um dos maiores défices e a maior taxa de desemprego de sempre. Foi a crise financeira e apenas a crise financeira? Vamos aceitar que sim. Mas e agora, voltamos ao mesmo?
Back to basics: há duas formas de intervir sobre o défice: através do aumento da receita ou da diminuição da despesa. O aumento do défice no último ano deu-se essencialmente por via de uma enorme perda de receita fiscal, muito mais do que por despesismo ou por causa de um miserável pacote de investimento público, dos mais baixos da Europa e, mesmo assim, executado em 70%. Por isso, pensar que o ajustamento se poderia fazer unicamente pela despesa é um delírio que só gente insensata ou demagógica poderia alimentar.
A receita pode aumentar de várias formas: aumentando impostos sobre trabalho, lucro, consumo, mais-valias; aumentando a base tributável com mais emprego, salários mais altos, lucros mais altos, promovendo o consumo; combatendo a fraude, ou seja, diminuindo o fosso entre tributação teórica e efectiva; ou ainda integrando lucros de empresas pública ou fazendo pagar por serviços públicos.
A despesa pode diminuir também de várias formas: reduzindo benefícios e deduções fiscais; desinvestindo nos serviços públicos ou nas parcerias com os privados; reduzindo os salários da administração pública ou reduzindo contratação externa; cortando no investimento público; reduzindo as prestações através do seu valor, das condições de acesso ou do número de pessoas a precisar dessas prestações.
Há mais, de ambos os lados. Mas estas são algumas das mais relevantes e de alguma forma exemplares. Agora pensemos na caixa de comentários quais as escolhas que consideramos mais adequadas, enquanto eu escrevo um texto sobre o que é que isto tem a ver com a pergunta do título.
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3 comentários:
As escolhas mais adequadas são opções antes de mais políticas. Qualquer tentativa de transformar a defesa de certas escolhas numa opção tecnocrática, "científica", não passa de treta ignorante. Dum ponto de vista de Esquerda, parece-me que o que é necessário é
aumentar a receita
aumentando impostos sobre rendimentos elevados, lucro, consumo ambientalmente prejudicial ou de bens de luxo, e mais-valias (aproveitando para diminuir impostos sobre o trabalho, na fonte e sobre os menores rendimentos); aumentando a base tributável promovendo o emprego e salários mais altos; combatendo a fraude fiscal;
e diminuir a despesa
reduzindo benefícios e deduções fiscais; desinvestindo nas parcerias com os privados; reduzindo a contratação externa; cortar no investimento público de menor impacto na criação de emprego.
Uma avaliação mais sistemática da eficácia das políticas públicas, que permitisse canalizar de forma mais razoável os recursos disponíveis, talvez ajudasse na redução de despesa e no desenvolvimento do país (quantos fundos autónomos, quantas empresas sem objectivos claros, quantos administradores sem curriculum anterior nas áreas para que são nomeados e que são pagos a peso de ouro, enfim, quanto clientelismo que está por questionar).
Apetece-me concordar com o Pedro Viana. Mas não sei, sinceramente não sei, se o aumento de salários (despesa, portanto)embora num contexto de redução das desigualdades, não seria um dos factores de motivação que nos falta a todos e um estímulo ao consumo interno por parte de quem não tem poder de compra. Se a reflexão proposta é saír do paradigma e resolver questões estruturantes, recomendo que se oiça ou reveja o que disseram no Prós e Contras de 11 de Janeiro o Prof. Tribolet e o Administrador da Hovione. Digo isto porque me parece que o país precisa de mais alguma coisa, para além do equilibrio das contas...
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