sexta-feira, 31 de agosto de 2007

All My Friends


Pode uma versão (franz ferdinand) ser melhor do que o original (LCD Soundsytem)?

Mau jornalismo económico

A primeira página da edição de hoje do Diário Económico afirma em letras gordas «17% do PIB fragilizado por guerras de poder». A chamada de capa refere-se a um artigo que fala sobre as crises no BCP e na PT/PTM. O jornalista faz as contas e chega à conclusão que a capitalização em bolsa destas empresas representa 26,8 mil milhões de euros, o que corresponde aos tais 17% do PIB português no ano passado.

Acontece que a capitalização bolsista (uma variável de riqueza, distorcida pela especulação bolsista) nada tem a ver com o PIB (uma variável que reflecte a criação de valor pelo conjunto da economia portuguesa ao longo de um ano). Todo o sector financeiro (em que opera o BCP) em conjunto com todo o sector das telecomunicações (onde actuam PT e a PTM), em conjunto, terão um peso no PIB próximo dos 10%. Mesmo sendo empresas líder nos seus sectores, dificilmente o BCP e a PT/PTM representarão mais do que uma pequena parcela deste valor.

Mais uma vez, na ânsia de vender jornais, o DE incorre em mau jornalismo, insistindo em querer transformar as telenovelas que afectam estas empresas na realidade económica do nosso país. E isto vindo de quem quer afirmar-se como o Financial Times português.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Uma jornalista de combate

«Uma estranha propriedade óptica da nossa sociedade altamente polarizada e desigual torna os pobres quase invisíveis aos seus superiores económicos». Assim escrevia Barbara Ehrenreich em Salário de Pobreza (editado entre nós em 2004 pela Caminho), um notável ensaio-reportagem sobre a dura vida dos trabalhadores pobres nos EUA.

Usando o método da observação participante, Barbara Ehrenreich decidiu muito simplesmente «verificar se conseguiria fazer corresponder rendimentos e despesas, como as pessoas verdadeiramente pobres fazem todos os dias», engrossando o contingente de trabalhadores que se dedicam a executar tarefas mal pagas. Trabalhos destes provavelmente tiveram um papel nas bem sucedidas campanhas pelo aumento do desvalorizado salário mínimo neste país. Voltou recentemente a usar o mesmo método para descrever os padecimentos dos trabalhadores intelectuais cada vez mais pressionados pela lógica da «criação de valor para o accionista» nas empresas em Bait and Switch (fica a sugestão para um editor que passe por aqui). Em suma, uma jornalista de combate.

Vejam este artigo de opinião, de uma ironia amarga, sobre a crise do crédito imobiliário nos EUA. De repente os pobres «decidiram mandar abaixo um sistema injusto»...

Ceteris Paribus?

«Mantendo tudo o resto igual, o regime de empréstimos constitui um importante ganho em si mesmo» (Vital Moreira). Em economia usa-se e abusa-se, para efeitos de análise de relações de causalidade entre variáveis, da cláusula Ceteribus Paribus (imaginemos que tudo o resto é constante). O problema é que tudo o resto não é constante. E por isso é também necessário proceder a análises mais sistémicas para perceber como é que várias mudanças podem produzir resultados que escapam a quem analisa relações ou variáveis isoladas. Por isso não é possível desligar o novo regime de empréstimos do conjunto das transformações em curso no ensino superior. E estas apontam para a instituição de uma lógica crescentemente mercantil.

Seguramente que Vital Moreira, com a sua experiência política e os seus conhecimentos de economia política, sabe que analisar medidas de forma isolada é um exercício de mais do que duvidosa utilidade. Neste contexto, esta medida não é mais do que uma forma hábil de desresponsabilizar o Estado e naturalizar a ideia do estudante-cliente.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Investimento?

O Investimento Directo Estrangeiro (IDE) não é, por definição, um maná para uma economia nacional. Como Ha Joon-Chang mostra neste notável livro, abundam os exemplos em que o IDE não é mais do que a apropriação de valiosos activos por parte de empresas estrangeiras. Muitas vezes com consequências trágicas. O autor dá o exemplo da Iberia. Beneficiando dos processos de privatização das companhias aéreas dos países da América Latina, esta empresa trocou a sua frota pelos melhores aviões das companhias adquiridas. Estas ficaram, por isso, condenadas a uma morte lenta.


Um olhar céptico sobre a anunciada aquisição da portuguesa Chipidea pela MIPS Technology não tem, por isso, nada de nacionalista. Embora, haja promessas de futuro investimento em território nacional, esta aquisição pode ser (só conheço o que li nos jornais) uma mera transferência de tecnologia desenvolvida no nosso país.

De resto, não percebo porque é que estamos condenados a este tipo de negócio devido ao défice externo. Atribuiria mais as culpas a uma burguesia rentista, que prefere investir em mega centros comerciais, e a um governo incapaz de uma política industrial activa. Na Finlândia, exemplo a seguir segundo o nosso primeiro, até ao início da década de noventa, o investimento directo estrangeiro foi sempre fortemente limitado.

Pormenores que importam


Ao contrário do que foi, até aqui, normal, a acção Banco Central Europeu tem sido alvo de um maior escrutínio político. Depois das críticas de Sarkozy à independência Banco Central Europeu, foi agora a vez do comité de assuntos económicos e monetários do Parlamento Europeu ao pedir uma inédita reunião extraordinária com Trichet (presidente do BCE), onde este teve que explicar a recente intervenção do Banco nos mercados financeiros.

Mas o BCE não desarma, como se pode ler nesta carta (via WSJ) ao Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Manuel Lobo Antunes. Trichet insiste que o BCE seja retirado da lista de instituições U.E. (Parlamento, Comissão, Conselho, Tribunal de Justiça) no novo tratado europeu. Porquê? Parece um pormenor, mas a proposta de tratado prevê a cooperação entre as diversas instituições. Ora, isso é pedir demais ao independente BCE.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Democratizar o quê?

Vital Moreira defende hoje na sua coluna no Público que o novo regime de crédito para estudantes do ensino superior é parte do processo de democratização do acesso à universidade. Não vejo como. Na ausência de novas iniciativas na área da depauperada acção social escolar e num contexto de desinvestimento público no ensino superior, vejo-a mais como uma peça da arquitectura mercantil que o governo vai construindo. Aliás Vital Moreira acaba por reconhecer a custo isso mesmo: «É certo que embora não exista nenhuma relação directa entre as duas coisas, com este novo instrumento afastam-se alguns argumentos contra o aumento do montante das propinas no ensino superior, a qual deve ser encarada a prazo». Afastam-se alguns argumentos? Quais? Talvez a ideia de que as propinas são um mecanismo de exclusão? E não são? E como deixarão de o ser? Queres ter ensino então vai ao banco? Os estudantes-clientes vão passar a suportar (a prazo e com juros) uma parte crescente dos custos com o ensino superior. E que tem isto que ver com democratização?

Razão tem por isso Santana Castilho em artigo no mesmo jornal:«Esta medida é (...) a anestesia antecipada de efeito longo da lógica de Bolonha: desresponsabilizar o Estado do financiamento do ensino superior público que, paulatinamente, vai passando do serviço do conhecimento para o serviço à omnipresente economia de mercado». Afinal de contas isto só vem confirmar que a «conjugação da democracia liberal e do Estado social» que «constitui a grande tradição democrática europeia» (Vital Moreira) está a ser posta em causa precisamente por aqueles que mais a dizem defender.

A China e a crise


No presente período de sobressalto nos mercados financeiros, a China afirma-se como um garante da estabilidade da economia internacional. Não é só o seu continuado crescimento recorde que garante a sanidade mental dos investidores globais. Graças a uma regulação muito apertada dos mercados financeiros, pelo menos dois mecanismos mantêm a China fora da recente instabilidade e tranquilizam os mercados financeiros internacionais. Por um lado, o câmbio fixo sobre a moeda (fixado pelo Banco Central), ao manter as exportações competitivas, permite a este país acumular reservas astronómicas que, por sua vez, asseguram a procura dos títulos de tesouro norte-americanos e financiam o enorme défice exterior dos E.U.A. Por outro lado, os mercados de acções só parcialmente estão abertos aos investidores estrangeiros. Num período de crise, este país não corre o risco de assistir a uma fuga desenfreada de capitais especulativos. Assim, segundo a The Economist, as acções não transaccionáveis por estrangeiros valorizaram-se 20% nas últimas quatro semanas, ao mesmo tempo que os mercados bolsistas se afundavam um pouco por todo o lado. A «grande muralha» da regulação financeira mostrou-se, mais uma vez, eficaz.

A história do neoliberalismo


George Monbiot descreve, na sua coluna no The Guardian, alguns dos principais marcos históricos da construção da actual hegemonia das ideias neoliberais. Se queremos compreender as crises, o endividamento maciço das classes trabalhadoras ou o extraordinário aumento das desigualdades na generalidade dos países é por aqui que devemos começar. O seu argumento inspira-se neste excelente livro de David Harvey, geógrafo e economista político.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Uma economia na corda bamba

«Há cada vez mais pessoas a transitarem de empregos efectivos para situações de contrato a prazo, com necessidade de manter dois empregos, mais recibos verdes e mais empregos a tempo parcial. Tudo sinais que apontam para uma ‘flexibilidade informal’ sem paralelo nos últimos dez anos, e que contraria a ideia de que o mercado laboral é demasiado rígido». Luís Ribeiro fez as contas no Diário Económico.

Pois é. São cada vez mais aqueles que sentem os efeitos nefastos da instituição da «ficção grosseira» que transforma a força de trabalho em mercadoria descartável. O liberalismo em todo o seu esplendor portanto. E, no entanto, como afirma surpreendentemente Miguel Beleza (sim leram bem Miguel Beleza!), a precariedade ao criar um horizonte inseguro de curto prazo tende a desincentivar a formação e aquisição de competências por parte dos trabalhadores. Em suma, a precariedade desqualifica.

domingo, 26 de agosto de 2007

Leituras: ainda a turbulência financeira

Doug Henwood é um dos jornalistas económicos que há mais tempo vem criticando as dinâmicas de polarização social do capitalismo norte-americano e os encadeamentos macroeconómicos perversos que vão sendo gerados. Vale mesmo a pena ler o seu mais recente artigo sobre a turbulência financeira dos últimos tempos. Assinala o sucesso da Reserva Federal na contenção das crises financeiras que têm caracterizado o regime económico neoliberal desde os anos oitenta, mas também mostra como o «aventureirismo» do sector financeiro se tem manifestado de forma cada vez mais exuberante e perigosa. E como Wall-Street, sempre na vanguarda dos ataques às políticas públicas de redistribuição, vem, em épocas de crise, reclamar a protecção do mesmo Estado que supostamente tanto despreza.

É o mercado...

Um estudo de Eugénio Rosa vem alertar para um conjunto de tendências muito negativas no perfil do emprego em Portugal: (1) aumenta o emprego a tempo parcial com níveis salariais obviamente mais reduzidos; (2) aumenta a percentagem de trabalhadores com contratos de trabalho precários; (3) surpreendentemente, tendo em conta a retórica do governo, as mais recentes dinâmicas de criação e destruição de emprego têm vindo a reforçar os empregos que exigem trabalhadores pouco qualificados. Tudo isto num contexto em que a taxa de desemprego permanece elevada. O fracasso da política económica seguida em Portugal torna-se assim cada vez mais evidente.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Primeiro rimos, depois começamos a ter medo

As instituições financeiras dependem cada vez mais de sofisticados modelos matemáticos na avaliação presente e futura dos seus activos financeiros. No entanto, dificilmente os mercados se comportam como as leis da física.

Segundo, o The Economist de 16 de Agosto, o banco de investimento «Goldman Sachs» admitiu que os seus fundos foram atingidos por movimentos de preços identificados pelos modelos matemáticos como 25 desvios do seu nível «normal». A probabilidade de tal acontecer seria de 0.000...0006, com 138 zeros pelo meio.

Battles



Os «Battles», apelidados de «math-rock», são das mais inovadoras bandas da actualidade. É estranho, mas entranha-se. Deixo o single do albúm de estreia «Mirrored».

«Acção Social não interessa ao Capital»


Esta era uma das principais palavras de ordem nas manifestações de estudantes de alguns anos atrás. Ontem o Primeiro-Ministro veio anunciar a criação de empréstimos bancários aos estudantes do ensino superior. A velha palavra de ordem ganhou nova actualidade.

Promete-se que a acção social escolar não será alterada por este novo esquema. O problema é exactamente esse! A acção social no ensino superior, com a excepção das cantinas, quase não existe. São muito poucos os estudantes que beneficiam das miseráveis bolsas ou das escassas residências universitárias. O novo esquema de empréstimos pretende cobrir este enorme vazio. Os bancos esfregam as mãos com um esquema que terá o Estado como «financiador de último recurso». A renda está assegurada para o sistema financeiro. Os jovens, por sua vez, terminarão o seu curso endividados até à medula. E já se sabe. O crédito é um formidável instrumento disciplinador. Os jovens entrarão no mercado de trabalho numa posição ainda mais vulnerável do que a actual.

Esta medida, associada à promulgação do infame RJIES, configura mais um passo na privatização do ensino. Este deixa de ser universal e gratuito (um bem público), para ser o privilégio dos que o podem pagar, segundo as leis do mercado.

150 Mil


O desemprego continua a crescer, mas o tema quase que desapareceu do espaço público.

Felizmente, Manuel Esteves, no DN, coloca a questão «Onde param os 150 mil empregos de José Sócrates?». O jornalista faz todas as contas possíveis (mesmo as mais desonestas) e não consegue encontrar o número prometido por José Socrates.

Alguém se lembra de «outdoors» com os 3% de défice público como objectivo prioritário da política económica do Partido Socialista?

Lisboa, MNAA e o Milheiral

Três notas sobre a actualidade política deste último mês:

1. O acordo entre a candidatura de Sá Fernandes e o P.S. para a Câmara de Lisboa foi, sem dúvida, a melhor notícia deste mês. O Plano Verde vai ser uma realidade e a quota para a habitação a custos controlados promete inverter o esvaziamento da cidade. Do ponto vista partidário, é notável a coragem e inteligência do Bloco em avançar sozinho - sem Roseta e PCP - para este acordo.
O invocado argumento da menor eficácia da oposição a este governo não faz sentido. É um atestado de burrice aos eleitores, que não conseguiriam separar a gestão municipal do Governo da República. Os anos de coligação de esquerda na capital já mostraram o contrário.

Entretanto, graças a uma proposta de Sá Fernandes, um modelo (ainda que tímido) de orçamento participativo foi já aprovado esta semana. Muito bem!



2. O mesmo já não se pode dizer da forma como a esquerda (BE e PCP) se calou no caso da demissão de Dalila Rodrigues do MNAA. A incapacidade de reacção a um caso de inexplicável prepotência é incompreensível. A defesa dos serviços públicos passa inelutavelmente pela defesa do que, como bem assinalou o João, são os «servidores públicos dedicados e competentes». A direita, pelo contrário, soube apropriar-se do caso, chegando a afirmações cuja validade é, no mínimo, desconhecida.



3. Finalmente, o caso mais divertido deste Verão. A destruição de todo um imenso hectare de milheiral transgénico no Algarve. Dois pontos prévios:

● Não tenho a mínima simpatia por atitudes que recusam à partida a manipulação genética de organismos vivos. A história da agricultura confunde-se, desde o Neolítico, com a manipulação genética (são muito raras as espécies vegetais de que nos alimentamos que não foram geneticamente alteradas da sua forma selvagem). Dito isto, não me parece que o actual modelo de desenvolvimento destes organismos seja desejável. Os riscos para a saúde pública e para o meio ambiente estão longe de estar estudados e o poder que multinacionais, como a Monsanto, detêm nestes processos é inaceitável. É todo um novo paradigma para agricultura, onde as multinacionais ditam as regras e «confiscam» todos os ganhos, que se vai lentamente impondo.

● A acção da «Verde Eufémia» estava condenada ao fracasso, quer devido ao alvo, quer devido ao método. Daniel Oliveira, explica neste post, melhor do que ninguém, porquê.

Agora, o que só o Sol de Agosto pode explicar, é a transformação da paisagem mediática portuguesa num enorme Insurgente. Os jovens do Verde Eufémia são qualificados como terroristas!? Al-Qaeda e Verde Eufémia, separados nos objectivos, juntos no método? Não, diz Pacheco Pereira, a comparação a fazer é com os jovens assassinos nazis!! Isto chega ao ponto de termos um ministro a qualificar o acto, depois de insistentemente instado por Mário Crespo, como «eco-terrorismo soft». Terrorismo fofinho? Terrorismo levezinho?


Nota: Francisco, ou eu estou mouco, ou não ouvi nada na entrevista do Mário Crespo ao Louçã sobre a origem bloquista dos e-mails «odiosos» recebidos pelo primeiro.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Regulação dos mercados financeiros

Michael Moore filma um vídeo dos Rage Against The Machine e impõem um horário de funcionamento mais curto a «Wall Street».



Um exemplo de desobediên..., desculpem, de musico-terrorismo.

Ainda o recente sobressalto (crise?) dos mercados financeiros

É difícil compreender com algum detalhe a recente turbulência dos mercados financeiros. Este artigo (via Dan Rodrik) consegue explicar o episódio de forma razoavelmente simples, dando especial enfoque à intervenção das autoridades monetárias.

Uma passagem do artigo é particularmente interessante: «A maior parte das pessoas, mesmo os agentes financeiros mais conhecedores, não consegue avaliar a qualidade dos activos inscritos no balanço de uma instituição financeira. Na verdade, a maior parte das pessoas não sabe o que esses activos são».

Esta perplexidade é o resultado directo de décadas de liberalização, desregulamentação e privatização nos mercados financeiros. A multiplicação de produtos e sua crescente complexidade tornaram tais mercados opacos aos olhos dos seus próprios agentes, potenciando a especulação e a instabilidade.

Como assinala Rodrik, esta ignorância não seria um problema se afectasse só os investidores (especuladores?) dispostos a apostar nesta "economia de casino". Contudo, a fragilidade do sistema financeiro coloca toda a economia em risco.

Entretanto, Hyman Minsky parece mesmo estar de volta. Depois do Financial Times, o Wall Street Journal de Sábado dedicou uma página inteira ao seu trabalho. Depois de ler o artigo, acho que ficam melhor servidos com este aqui.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Força, Força Companheiro Vasco...

A blogosfera cada vez mais como contra-poder. Um economista a fazer o trabalho dos jornalistas. Há quem acredite que a divisão do trabalho também tem os seus defeitos. Ainda bem.

Neoliberalismo em Portugal (II)

Neste blogue já por várias vezes denunciámos e procurámos explicações para o maior problema do nosso país: as gritantes desigualdades de rendimentos e de riqueza que não param de se aprofundar (ver aqui e aqui, por exemplo). Algumas coisas (estruturais e conjunturais) são claras: (1) o salário mínimo em Portugal perdeu 8,2% do seu poder de compra entre 1975 e 2005 (cálculos de Eugénio Rosa), sendo em 2006 inferior a 50% do salário médio (60% em 1990); (2) de acordo com Fernando Marques (num excelente artigo sobre esta questão publicado no número de Abril do Mdiplo), um quarto dos trabalhadores vive com um salário muito próximo do salário mínimo; (3) temos um tecido económico excessivamente concentrado em sectores de reduzido valor acrescentado e que é hoje muito vulnerável à concorrência internacional; (4) o aumento da precariedade e do desemprego reforçam o poder dos patrões para fixar os termos (também salariais) das relações laborais; (5) a fuga e evasão fiscais que contribuem para a injustiça fiscal são quase monopólio dos profissionais liberais que auferem rendimentos em média mais elevados; (6) os impostos indirectos são cada vez mais importantes; (7) os mecanismos de redistribuição são frágeis (ainda segundo Eugénio Rosa, as transferências sociais correspondem a 57% da média da UE enquanto que o nosso rendimento por habitante corresponde a cerca de 73%); (8) as transformações no capitalismo a nível nacional e internacional traduziram-se num aumento do poder dos detentores do capital das empresas e dos gestores de topo que a eles estão intimamente ligados que têm uma capacidade acrescida de captura do valor acrescentado criado pelas empresas; (9) investe-se pouco na formação e no aumento das qualificações dos trabalhadores; (10) enfim, o aumento do alcance e da escala das forças de mercado no último decénio e a inexistência de uma política económica digna desse nome traduziram-se inevitavelmente num aumento da polarização social.

Se a isto, acrescentarmos a hegemonia do discurso liberal que monopoliza o debate público sobre políticas e a fragilidade de uma tradição genuinamente social-democrata que leve a cabo uma agenda reformista forte (vejam-se as opções do actual governo), temos o caldo de cultura que permitiu alcançar o propósito das políticas neoliberais: reforçar o poder das classes dominantes (ainda para mais tão medíocres, empresarialmente falando).

Nota: O gráfico foi retirado do resistir.info

A Fragilidade Financeira do Neoliberalismo: leituras

Nouriel Roubini, economista impecavelmente ortodoxo, denuncia a opacidade de um sistema financeira desregulado que fomentou a acumulação de níveis insustentáveis de dívida e que incentivou processos de inovação irresponsáveis. Estes últimos criaram «monstros financeiros» que só contribuem para aumentar a «incerteza, o pânico, a quebra de liquidez, a contracção do crédito, o risco sistémico e a crise económica». Martin Wolf, do alto da sua coluna regular no Financial Times, reconhece a validade dos ensinamentos do economista heterodoxo Hyman Minsky (já várias vezes mencionado neste blogue). Ann Petifor, economista que tem vindo a alertar para a irracionalidade global dos processos de especulação financiados com recurso maciço à dívida, defende que esta crise pode anunciar o fim da hegemonia do neoliberalismo.

De facto, já há muito tempo que é claro que a crise financeira é um dos traços maiores do neoliberalismo. Se fizermos uma análise histórica (e a leitura do livro que ilustra esta posta pode ser de grande utilidade), facilmente percebemos que a crise financeira é o resultado inevitável das dinâmicas dos mercados financeiros liberalizados. É aqui que é preciso atacar.

Académicos de combate presos na Alemanha

Uma notícia inquietante dá conta da prisão de dois académicos alemães, acusados de pertecerem a uma associação terrorista. Tudo o que se sabe a partir das acusações que são feitas é que (i) estes académicos produziram trabalhos científicos (alguns publicados em revistas internacionais) contendo conceitos que foram utilizados por um grupo da extrema-esquerda alemã (que agora está a ser acusada de associação terrorista), (ii) um deles esteve presente em manifestações de protesto e (iii) participaram em reuniões onde também estavam indivíduos suspeitos. Nenhum acto violento, ou incentivos nesse sentido, lhes são apontados.

Aparentemente, defender ideias académicas que não são norma, ter participação cívica activa e intervir em debates intelectuais, arriscam-se a ser ingredientes não misturáveis no caldo das democracias pós-11 de Setembro.

Uma carta aberta de protesto pode ser assinada aqui.

Um economista moderno

«É preciso isolar as actividades de elevado risco das outras. Aliás foi o que se fez a seguir à crise de 1929. Mais tarde é que se desregulou tudo. Sou um economista antigo, vejo as regulações que tínhamos e que hoje já não existem e fico um bocado preocupado». Silva Lopes em entrevista a Helena Garrido no Diário Económico.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

E é assim que a Economia se torna uma ciência obscura para o comum dos mortais

Ficámos esta semana a saber que a economia portuguesa cresceu 0,4% no segundo trimestre deste ano, face aos três meses imediatamente anteriores, o que constitui um crescimento homólogo de 1,6%. No trimestre anterior o crescimento tinha sido de 0,8%, representando um crescimento homólogo de 2%. Esta desaceleração, segundo as declarações do ministro das finanças ao Diário Económico, traduz «uma recuperação do crescimento económico». Estão a perceber?

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Neoliberalismo em Portugal (I)

«Portugal foi o país em que as desigualdades mais aumentaram nos últimos 10 anos. Em 1995, os 20% mais ricos do país tinham 7,4 vezes mais rendimentos do que os 20% mais pobres, sendo já na altura o maior fosso da Europa a 15, cujo coeficiente médio era de 5,1». A partir de uma notícia do Jornal de Negócios. Voltarei com mais tempo a este importante assunto.

Pergunta e Mecanismos

A pergunta crucial: «é a presente crise bolsista uma "cura de emagrecimento" da bolha especulativa ou, pelo contrário, a contracção do consumo nos EUA é o prenúncio de uma entrada num ciclo de crise e recessão?» Miguel Portas e Ricardo Figueiredo desvendam bastante bem alguns dos possíveis mecanismos na base do que é (por enquanto?) «apenas» um abalo nos mercados financeiros.

Merkel de punho erguido?

Segundo o Diário Económico de hoje, o governo de Angela Merkel «está a preparar uma nova directiva, que prevê um imposto para todas as empresas alemãs que transfiram a produção ou a administração para outro país. (...) A directiva deverá servir o objectivo de dificultar uma prática corrente das empresas alemãs, que pagam impostos sobre os rendimentos no exterior, onde a tributação é interior à alemã».

Como seria de esperar, esta medida está já a merecer o protesto das principais associações industriais alemãs, não sendo ainda claro até que ponto o governo de Berlin vai resistir às pressões. Seria mais fácil a Merkel colocar em cima da mesa a urgência de uma harmonização sobre os lucros na UE. Mas isso ainda não é para já.

O mercado é produto do Estado

Um dos contributos da economia institucionalista foi o de ter tornado claro que a instituição do mercado é em si mesma o resultado da protecção coerciva de certos interesses (que como disse Warren Samuels são propriedade porque são protegidos pelo Estado). Sem isto não há mercado organizado que valha. Assim, o desenvolvimento e o aumento da complexidade dos mercados acarretam inevitavelmente o aumento do peso do Estado. E é também por isto que os liberais têm sempre um ponto de fuga: a culpa tem de ser do Estado que está a intrometer-se. Repare-se no paradoxo: sem Estado não há economia capitalista de mercado e é sempre por causa do Estado que a economia funciona mal. Se ao menos o Estado se retirasse. Mas como se não há mercado sem Estado? Se lerem um liberal clássico como Ludwig von Mises (uma das grande referências da direita intransigente), que reconhecia que o mercado não funciona sem um Estado que garanta a protecção da propriedade privada, verão estes paradoxos em acção. E como não poderia deixar de ser, eles estão muito mal resolvidos. Os liberais tendem a passar a ideia de que o Estado se intromete no mercado. Na realidade, o Estado institui o mercado.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Mirandismos ou a utopia da economia sem poder

Este meu comentário teve pelo menos a virtude de dar origem a uma interessante discussão sobre o poder de mercado entre um economista neoclássico liberal (Luís Aguiar Conraria) e um biólogo anarco-capitalista (João Miranda). Embora tenhamos pontos de partida teóricos e políticos diferentes, tenho pouco a acrescentar ao que Luís escreveu sobre o poder de mercado e sobre o facto deste ser sempre relativo e nunca absoluto (há alguma forma de poder que seja absoluta?). Gostaria apenas de comentar duas afirmações de João Miranda: «o post do João Rodrigues baseia-se no conceito de poder de mercado que não tem qualquer significado em economia». Se por economia entendemos a ciência económica, então estamos mal. Acrescento ao que Luís já disse mais um argumento de autoridade: mesmo dentro do paradigma neoclássico dominante, os desenvolvimentos da linha de investigação da informação assimétrica têm permitido falar e formalizar o poder, a capacidade assimetricamente distribuída para moldar os termos de uma transacção, o que confere vantagens a determinada parte dessa mesm transacção. Isto é comum por exemplo no «mercado de crédito» ou no «mercado de trabalho». Veja-se a entrada sobre poder no Novo Palgrave (dicionário de referência entre os economistas) escrita por dois dos economistas que mais têm contribuído para a emergência da chamada microeconomia pós-walrasiana. E depois existem as tradições heterodoxas (de Marx a Galbraith, veja-se o livro «Poder» recentemente editado entre nós pelas ediçõs 70). Já há muito que se abandonou a ideia de que a economia trata de questões que estão politicamente resolvidas (Abba Lerner). Posição que fez com que Samuelson declarasse há já algum tempo que seria indiferente o trabalho contratar o capital ou o capital contratar o trabalho.

Mas pode acontecer que um número talvez crescente de economistas esteja errado (o que nunca é de descartar) e que para além das suas teorias e modelos, exista uma realidade objectiva (a economia) onde «num mercado livre todas as transacções são voluntárias não havendo lugar a conceitos relacionados com o poder» (João Miranda). Eu acho que essa realidade é apenas o resultado das fantasias de João Miranda e das suas definições circulares: O que é uma transacção de mercado? É uma transacção livre. O que é uma transacção livre? É uma transacção de mercado. Problema resolvido a priori. Nem é preciso investigar ou argumentar. Os anarco-capitalistas elevam este procedimento à categoria de método. Veja-se o trabalho do economista Murray Rothbard.

Acontece que a realidade objectiva das transacções de mercado não funciona assim (sim, existe uma realidade objectiva que eu não sou pós-moderno como muitos dos meus companheiros à esquerda, eu sou realista). As transacções de mercado estão saturadas de relações de poder. O que é o poder? É a capacidade que um agente A tem, e que lhe advém por exemplo dos recursos que controla, de fazer com que o agente B siga um determinado curso de acção pretendido por A, porque caso contrário B sabe que A tem a capacidade de lhe impor um outro curso de acção que é para si muito custoso. Trocando por miúdos: qualquer pessoa que trabalhe numa empresa, sobretudo em épocas de desemprego, sabe que o poder dos patrões aumenta. Stiglitz, economista neoclássico, fala neste contexto do desemprego como um mecanismo disciplinar. O poder é sempre uma questão de grau e de contexto (estamos a falar de relações sociais). É portanto de natureza qualitativa embora alguns dos seus efeitos se possam quantificar. É um bem posicional. Uma soma positiva para um agente corresponde a uma soma negativa para outro. E existem outras definições úteis para descrever a economia. Por exemplo, a de Steven Lukes: o poder mais extremo é quando A tem a capacidade para moldar as preferências de B de forma a que este faça o que é vantajoso para A. Como entender racionalmente os investimentos empresariais nos «mecanismos invisíveis de persuasão» da publicidade, por exemplo, senão como um esforço para deter um certo grau de poder sobre as decisões de outros? Enfim, os exemplos multiplicam-se. Toda a gestão pode ser encarada como estando dedicada à criação mecanismos de poder.

Em termos mais gerais: na maior parte das transacções de mercado não se pode dizer que pelo facto de um agente ter escolhido um determinado curso de acção essa escolha tenha envolvido o seu consentimento com a estrutura que determinou as opções que lhe estavam disponíveis. O exemplo das transacções desesperadas ajuda a ilustrar o que eu estou a dizer. Há agentes que têm mais opções que outros e isso também lhes confere poder.

Utopia de mercado

Depois deste meu comentário à subida dos preços dos medicamentos de venda livre, a direita intransigente resolveu reagir. Ainda bem. Vou procurar responder. Em primeiro lugar, eu estava a referir-me aos medicamentos de venda livre pelo que argumentar que o Estado fixa o preço da maioria dos medicamentos (o que é verdade e ainda bem) é responder ao lado. Em segundo lugar, não me parece que seja verdade (onde está a evidência empírica?) que a indústria farmacêutica tente compensar uma menor rentabilidade no sector tablado, com aumentos dos preços no sector liberalizado. A rentabilidade no primeiro sector é mais do que satisfatória. Mas se isto fosse verdade apenas confirmaria o meu argumento de que a indústria detém poder mercado que lhe permite fixar os preços. Em terceiro lugar, não creio que se possa defender seriamente que a venda livre generalizada poderia, por si só, reduzir o preço dos medicamentos. Este argumento talvez exija alguma elaboração.

Um dos problemas da nossa direita liberal, quando fala de mercado, é que parece ter em mente a chamada ficção da concorrência perfeita em que os consumidores omniscientes conhecem perfeitamente o produto homogéneo que estão a adquirir e em que existem uma miriade de empresas que tomam o preço como um dado (tomadoras de preço), ou seja, que não têm poder de mercado. Uma breve incursão pelo «mercado» do medicamento basta para ver como isto não é e não pode ser assim. O mito da soberania do consumidor não serve aqui e ainda bem. A maioria das decisões de consumo de medicamentos é o resultado de uma decisão médica baseada idealmente numa avaliação científica do estado do paciente e num tratamento que implica o consumo de medicamentos. O acesso à maioria dos medicamentos requer a famosa receita médica. Ele é portanto condicionado. Este condicionamento está relacionado com um entendimento social e político partilhado (que pode ser contestado). O problema não desapareceria, no entanto, se se eliminasse esta sensata exigência. Os «consumidores» ficariam apenas mais vulneráveis. Só no reino da fantasia é que se pode achar que, dada a ignorância inevitável da esmagadora maioria dos consumidores em relação ao medicamento que estão a comprar e dada a assimetria de informação entre quem vende e quem compra (que entre outros factores confere um certo grau de poder a quem vende), se pode falar de um preço formado pelas decisões voluntárias e informadas dos consumidores. É evidente que tudo isto é uma questão de grau. Mas também é evidente que no reino da fantasia mercantil em que habitam tantos liberais não há lugar para estas impurezas. E depois existe a estrutura da indústria que inevitavelmente produz monopólios ou oligopólios. Para além das patentes, temos estruturas com custos fixos muito elevados, pesados investimentos em investigação e tecnologia, etc. Tudo isto contribui para fortes tendências para a concentração aproveitando os rendimentos crescentes à escala neste sector. Isto confere às empresas alguma autonomia relativa para fixar preços (custos mais taxa de lucro) por forma a assegurarem a rentabilidade dos investimentos. Liberalizar os preços conduziria apenas ao desaparecimento de um contra-poder político. Frágil e que não disciplina as empresas o suficiente é certo, mas ainda assim um contra-poder necessário.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A crise?

A liberalização dos mercados financeiros, realizada a partir dos anos oitenta, aumentou a fragilidade financeira do capitalismo. Isto até é hoje aceite por um número crescente de economistas devido à multiplicação de crises bancárias, cambiais ou nos mercados accionistas, com impactos profundos nas economias de muitos países. Os EUA, ao contrário de tantos países, têm conseguido mitigar os efeitos destas crises devido à disponibilidade e possibilidade que a Reserva Federal tem para injectar liquidez no sistema de forma a evitar danos mais graves. Foi o que fez mais uma vez (e agora também o BCE), esquecendo temporariamente e como convém as suas fidelidades liberais, agora que uma crise financeira se desenha no horizonte (desta vez no mercado de crédito imobiliário).

Acho que é consensual dizer que a redução das taxas de juro no princípio do século, engendrada para fazer face ao rebentamento da bolha especulativa das empresas dot.com que poderia ter tido consequências ainda mais desastrosas, solucionou um problema ajudando a criar outro uma vez que alimentou a especulação imobiliária que está na base dos actuais problemas (ver aqui). No entanto, e isto é fundamental, a crise é o resultado das dinâmicas dos mercados financeiros liberalizados onde a especulação mais desenfreada alterna com os pânicos mais abruptos. A profusão de produtos financeiros cada vez mais sofisticados e complexos, que permitem teoricamente «diversificar o risco» para cada um dos agentes envolvidos, aumenta os incentivos para se desenvolverem relações de crédito cada vez mais perigosas e com menos garantias. «Frankenstein-finance» é a expressão certeira da liberal The Economist. Cresce assim a opacidade dos mercados e torna-se cada vez mais difícil para cada agente avaliar a sustentabilidade das suas posições. Até ser tarde de mais. O chamado «risco sistémico» é o resultado não intencional do somatório de decisões privadas de investimento. A permissividade liberal e a sua fé sem fim nos mercados é o pano de fundo que permite a emergência desta situação. Que se diga que tudo isto se deve ao «socialismo» nos EUA só pode ser uma brincadeira.

Nota: mais uma vez, a teoria da instabilidade financeira, intrínseca ao capitalismo com mercados financeiros liberalizados, desenvolvida por Hyman Minsky, pode ajudar a entender o que se está a passar.

Chávez no Mdiplo

Os editoriais de Ignacio Ramonet são uma das boas razões para ler o Le Monde Diplomatique todos os meses. No editorial de Agosto volta a Chávez e à Venezuela. Para argumentar que o ódio a Chávez, alimentado por tantos, é apenas o resultado da dinâmica política democrática que ele tem contribuído para imprimir na Venezuela e que faz com que seja hoje um dos elementos incontornáveis para aqueles que estão interessados na renovação de uma esquerda de combate, capaz de construir alternativas robustas ao neoliberalismo. Redistribuição de terras, redução substancial da pobreza, alfabetização, expansão dos serviços públicos, recuperação do controlo público efectivo de sectores estratégicos da economia ou a mais recente redução do horário de trabalho são alguns marcos a assinalar. Marcos democráticos. Que fazem da Venezuela um país a acompanhar e a apoiar.

A propósito disto é de assinalar a entrevista de Mário Soares ao DE: «Imagino que no lugar de Chavez não fizesse o mesmo. Desculpe, mas esse é um tipo de pergunta que não tem sentido. Sou português, europeu e tenho outro tipo de formação. Não sou militar nem, como Presidente da República, sofri nenhum golpe, apoiado pela CIA, para me derrubar. Nem nenhuma tentativa de assassinato. Chavez é um Presidente eleito por uma esmagadora maioria, em eleições internacionalmente fiscalizadas e consideradas genuínas por todos os observadores, entre eles o Presidente Carter. A televisão em questão emitia com uma concessão do Estado que terminou e não foi renovada, É tudo! E não se esqueça que continuam três televisões privadas de uma violência anti-Chavez enorme».

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Poder de mercado

«Há medicamentos de venda livre que estão a sair da fábrica com o dobro do preços por unidade do que em 2005, antes da liberalização deste mercado». A liberalização conduz a uma diminuição dos preços? Quando as empresas detêm poder de mercado que lhes permite fixar os preços (o que acontece inevitavelmente na maior parte dos sectores económicos relevantes), a liberalização pode bem conduzir a um aumento dos preços que alimenta o crescimento das suas margens de lucro. À custa de todos nós.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O mito do comércio livre (II)

Neste debate, podemos ver como até alguns economistas retintamente liberais são capazes de reconhecer o seguinte: (1) que os sectores em os países se especializam determinam a sua sorte; (2) que muitos das grandes empresas que emergiram na história do desenvolvimento foram o resultado de programas governamentais; (3) que existem efeitos sistémicos positivos entre diversos sectores económicos que não são tidos em consideração nas decisões privadas de investimento (brutais «falhas de mercado»); (4) que a liberalização comercial abrupta pode conduzir ao desastre; (5) que as «vantagens comparativas» dos países são sempre «artificiais», ou seja, resultado de esforços deliberados (aqui as políticas também contam). Enfim, estamos já longe da vulgata liberal.

O mito do comércio livre (I)

Se há ideia que qualquer análise histórica séria pode ajudar a desfazer é a de que o comércio livre é o meio universal para os países pobres atingirem patamares de desenvolvimento superiores. De facto, a experiência da maioria dos países que são hoje desenvolvidos mostra-nos que a existência de mecanismos nacionais de protecção em relação à concorrência internacional é um elemento importante do cardápio das políticas de desenvolvimento.

Os EUA no século XIX ou a Coreia do Sul e Tawain no século XX , entre outros, aí estão para o demonstrar. Como afirma Ha-Joon Chang, num importante debate em curso no Financial Times a propósito do seu último livro (em breve farei referência a ele), nem todas os países que usaram o proteccionismo foram bem sucedidos, mas quase todos os países bem sucedidos economicamente usaram o proteccionismo. De facto, os países não se tornaram ricos por causa do comércio livre, mas antes adoptaram o comércio livre (quando o fizeram!) a partir do momento em que se tornaram ricos (também Chang). «O comércio livre é o proteccionismo dos mais fortes» (F. List). Sem dúvida.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A política operária também é uma política de alianças

Daniel Oliveira sobre o recente acordo entre o BE e o PS: «Numa cidade com a importância de Lisboa, um candidato por ele [BE] apoiado será testado no poder. Com alguma sorte e muito trabalho mudará alguma coisa concreta na vida de pessoas concretas. Para a próxima, em vez de votos descontentes terá, se merecer, alguns votos de contentamento. Bem sei que para quem procura a pureza na política será uma desilusão. Só que a pureza está destinada aos santos. E Deus nos livre dos santos da política. Ou são inúteis ou são perigosos». Concordo inteiramente.

Alguém é capaz de arranjar o comunicado («o acordo da vergonha») da Política Operária que bate forte e feio no BE? Gostaria de ver se existem mais argumentos para criticar à esquerda o acordo para além do recurso a processos de intenção resumidos num «querem mais é integrar-se no sistema para o governar melhor» (resumo das citações que constam do Público de hoje).

Para sermos muitos muitos mil...


Já somos mais de mil a dizer: «Exigimos, enfim, que Portugal não desperdice o que tem de mais importante e raro: a competência, o rigor e a determinação dos responsáveis certos no lugar certo. Este era, certamente, o caso de Dalila Rodrigues como Directora do Museu Nacional de Arte Antiga». Assinem esta petição. Sem servidores públicos dedicados e competentes não existe política que nos valha. Já agora onde anda a esquerda de combate nesta questão?

Se é certo que a direita aproveita este erro grosseiro do PS para alimentar a ideia algo tonta do medo, criando um foco político que tenta fazer esquecer o facto de não ser alternativa política a um PS que por agora satisfaz o núcleo duro dessa mesma direita, também é certo que existem aqui elementos para uma boa discussão: quais os limites que um alto quadro deve respeitar quando discorda das orientações do responsável político que o tutela? Concordo que algum limite tem que existir. Agora acho que Dalila Rodrigues sempre pautou as suas posições públicas, mesmo aquelas em que discordou da sua tutela, pelos valores de lealdade e de isenção (interpretados de forma razoável) que devem fazer parte da ética do serviço público. Acho que ninguém pode ser impedido de participar no debate público. E ninguém deve ser demitido por isso. Aqui também há limites. Políticos. E depois existe a autonomia e a integridade das próprias instituições públicas que os responsáveis políticos devem garantir. Neste caso um Museu que floresceu sob a direcção de Dalila Rodrigues. E isto também é importante.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Perguntas em jeito de provocação

Será que alguém da direita atlântica, que parece ter boas relações com as altas esferas do BCP (afinal de contas a revista Atlântico tem sempre generosa publicidade do Banco e duvido que os apoios terminem na publicidade paga...), é capaz de me explicar as linhas com que se cosem as divisões no BCP? Será que há, como sugere o irmão lúcia, uma divisão na habitualmente discreta e disciplinada Opus Dei? Já agora ninguém comenta este assunto? Será apenas respeito pela propriedade privada? Afinal de contas estamos a falar do maior banco privado, financiador de tantas iniciativas dos nossos intelectuais de direita.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Zé faz a diferença? (III)

Um desafio aos fundamentalistas do mercado sem fim que arrogantemente apelidam de «analfabeto económico» todos os que discordam dos seus preconceitos: dêem-me um exemplo de uma cidade decente que se tenha desenvolvido sem planeamento urbanístico, sem mecanismos que moldam as matrizes dos preços da habitação de forma a alcançar objectivos definidos pela comunidade. Do que até agora se conhece da proposta saída do acordo entre o PS e o BE não há nada que justifique as preocupações levantadas. A não ser para aqueles que confundem a economia e o bem comum com os interesses de curto prazo dos construtores e promotores imobiliários (vejam aqui e aqui).

O Zé faz a diferença? (II)

As reacções a este acordo também contribuem para que esteja convencido do seu acerto. Na extrema-direita, por exemplo, multiplicam-se os sinais de preocupação em relação à eventual perda de capacidade de intervenção do Bloco de Esquerda à escala nacional. Algo que, agora com mais seriedade, parece também preocupar certos sectores de esquerda. Acho esta ideia da contaminação da intervenção por acordos, que serve de justificação ao PCP para recusar compromissos políticos com o PS na capital, bizarra. Em primeiro lugar porque os termos concretos deste acordo ancoram a política municipal à esquerda e contrariam tendências fortes à escala nacional. Em segundo lugar, estou convencido que este acordo, em vez de enfraquecer a oposição de esquerda às políticas neoliberais do PS à escala nacional, lhes dá um novo fôlego e credibilidade. Porque mostra a todos que esta não é movida por nenhuma posição de princípio contra o PS, mas é antes o resultado de uma séria avaliação das consequências negativas das políticas adoptadas.

O Bloco pode também superar assim a ideia feita de que é apenas uma força de protesto sem qualquer capacidade de influenciar o que quer que seja. Em suma, acho que este acordo ajuda a romper com uma situação que só favorece a direita dentro e fora do PS. De facto, nada é mais negativo, do ponto de vista político e eleitoral, do que a ideia de que uma força política ancorada à esquerda está por princípio contra convergências por medo de ser contaminada pelo poder e pelas abdicações ideológicas que este acarretaria. Quem tem confiança nas suas ideias não tem medo do poder político quando a oportunidade para a ele ter acesso se lhe apresenta. Lisboa ainda pode ser um interessante laboratório político.

O Zé faz a diferença? (I)

Esta semana, recebemos a melhor notícia política dos últimos tempos: a celebração de um «acordo sobre políticas» entre o PS e o BE para o bom governo da capital. José Sá Fernandes, que desde há muito lutava por uma convergência programática entre todas as forças e movimentos de esquerda, começa a honrar parte do seu compromisso eleitoral. Ele que durante toda a campanha foi o campeão da unidade de esquerda em torno de um programa comum que começasse a resolver os problemas de Lisboa: política de habitação, transportes públicos, espaços verdes, reapropriação cidadã da frente ribeirinha, espaços verdes e saneamento financeiro. O acordo agora assinado espelha as suas propostas na perfeição. Agora começa o mais difícil. A política que vale a pena. Aquela que luta por transformar o estado de coisas existente. No poder.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A paz dos cemitérios

Crescimento do número de visitantes, visibilidade do museu na comunicação social, obtenção de relevantes apoios mecenáticos, organização de um leque de exposições (entre as quais destaco a extraordinária exposição «Grandes mestres da Pintura. De Fra Angelico a Bonnard» com obras da famosa colecção Rau).

O director do Instituto Português dos Museus reconhece que «fez um bom trabalho de divulgação e promoção do museu» (Público de hoje). Apesar disso, por divergências de orientação estratégica, o Ministério da Cultura decidiu substituir Dalila Rodrigues na direcção do Museu de Arte Antiga. É este tipo de cultura que corrói os alicerces da Administração Pública. O seguidismo político é mais valorizado do que a competência e o bom desempenho. Por uma vez concordo com o editorial de José Manuel Fernandes pertinentemente intitulado «o direito de divergir sem deixar de servir o bem comum». Esta é a pergunta crucial para o PS: «será que a um alto quadro da administração pública só resta calar-se ou demitir-se quando sente que, à sua volta, tudo está a ser mal feito?». O drama é que a opinião dominante acha que sim. Mesmo que isso custe a destruição do tal bem comum. É a preferência pela paz dos cemitérios.