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Mas pode acontecer que um número talvez crescente de economistas esteja errado (o que nunca é de descartar) e que para além das suas teorias e modelos, exista uma realidade objectiva (a economia) onde «num mercado livre todas as transacções são voluntárias não havendo lugar a conceitos relacionados com o poder» (João Miranda). Eu acho que essa realidade é apenas o resultado das fantasias de João Miranda e das suas definições circulares: O que é uma transacção de mercado? É uma transacção livre. O que é uma transacção livre? É uma transacção de mercado. Problema resolvido a priori. Nem é preciso investigar ou argumentar. Os anarco-capitalistas elevam este procedimento à categoria de método. Veja-se o trabalho do economista Murray Rothbard.
Acontece que a realidade objectiva das transacções de mercado não funciona assim (sim, existe uma realidade objectiva que eu não sou pós-moderno como muitos dos meus companheiros à esquerda, eu sou realista). As transacções de mercado estão saturadas de relações de poder. O que é o poder? É a capacidade que um agente A tem, e que lhe advém por exemplo dos recursos que controla, de fazer com que o agente B siga um determinado curso de acção pretendido por A, porque caso contrário B sabe que A tem a capacidade de lhe impor um outro curso de acção que é para si muito custoso. Trocando por miúdos: qualquer pessoa que trabalhe numa empresa, sobretudo em épocas de desemprego, sabe que o poder dos patrões aumenta. Stiglitz, economista neoclássico, fala neste contexto do desemprego como um mecanismo disciplinar. O poder é sempre uma questão de grau e de contexto (estamos a falar de relações sociais). É portanto de natureza qualitativa embora alguns dos seus efeitos se possam quantificar. É um bem posicional. Uma soma positiva para um agente corresponde a uma soma negativa para outro. E existem outras definições úteis para descrever a economia. Por exemplo, a de Steven Lukes: o poder mais extremo é quando A tem a capacidade para moldar as preferências de B de forma a que este faça o que é vantajoso para A. Como entender racionalmente os investimentos empresariais nos «mecanismos invisíveis de persuasão» da publicidade, por exemplo, senão como um esforço para deter um certo grau de poder sobre as decisões de outros? Enfim, os exemplos multiplicam-se. Toda a gestão pode ser encarada como estando dedicada à criação mecanismos de poder.
Em termos mais gerais: na maior parte das transacções de mercado não se pode dizer que pelo facto de um agente ter escolhido um determinado curso de acção essa escolha tenha envolvido o seu consentimento com a estrutura que determinou as opções que lhe estavam disponíveis. O exemplo das transacções desesperadas ajuda a ilustrar o que eu estou a dizer. Há agentes que têm mais opções que outros e isso também lhes confere poder.
1 comentário:
Caro João Rodrigues: o que V. escreve parece tão óbvio. Eu tenho uma dificuldade crescente em ver os neo-liberais a uma luz diferente da que olho para os astrólogos ou dos criacionistas. Acho o Blasfémias umblog tão deslocado da realidade que me divido entre o dó e uma vontade compulsiva de chamar a polícia antes que eles comecem a fazer reféns! :o)
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